Ballads of the Book parte de uma premissa que dificilmente permite o desleixo que se descobre a algumas compilações temáticas totalmente baseadas em repescagens: despoletou o projecto a partir de uma colaboração espontânea entre o escritor escocĂŞs Edwin Morgan e o vocalista dos Idlewild, Roody Woomble, em que o primeiro propĂ´s poemas que pudessem ser adaptados a canções pelo segundo. Perante o que de proveitoso rendeu esse acordo artĂstico (registado na exemplificativa “The Weight of Years” aqui incluĂda), nĂŁo tardou a que a mesma ideia fosse proposta a diferentes mĂşsicos e autores literários, desde que de nacionalidade escocesa (a tambĂ©m participante Vashti Bunyan Ă© inglesa, mas viveu muito tempo em retiro na EscĂłcia). A adesĂŁo sucedeu-se em quantidade e qualidade (suficiente).
Tal inesperada aliança prova, antes de mais, que estavam enganados aqueles rapazes mal aparecidos que, num descampado de Edimburgo, gritavam ao vento que A Europa limpa o rabo Ă EscĂłcia. NĂŁo há continente que, Ă partida, subestime um projecto deste calibre que, numa inovadora campanha promocional financiada por entidades culturais escocesas, envolveu uma enorme parte da facção artĂstica do paĂs e – pasme-se – uma “falsa” trailer para um imaginário documentário sobre Ballads of the Book. Na teoria, tudo isto parece infalĂvel enquanto instrumento de promoção da mais destacável lĂrica escocesa. Certamente. Na prática, os resultados dependem em demasiado da receptividade que cada um possa ter para despender com a selecção nacional de songwriters (em ascensĂŁo e firmados) e indie altamente reputado.
A simpática colectânea nĂŁo deixa, mesmo assim, de apresentar bĂłnus vários que se saĂşdam com agrado. É possĂvel, por exemplo, descortinar por onde pode passar, a partir de agora, a ironia corrosiva e errante divagar emocional de Aidan Moffat depois dos seus Arab Strap terem ido a enterrar com o Entrudo grandioso que Ă© The Last Romance. "The Sixth Stone" encontra-o ao lado de uns Best-ofs (a sua nova banda de suporte?) numa serenata colectiva que conta com toda a pompa de um conjunto de percussĂŁo e uma mini-sinfonia em modo de superação mĂştua alternada. Mantenha-se estática a vĂ©nia para receber a farpa politizada dos Sons & Daughters, que ficaram encarregues de tornar um poema de A. L. Kennedy num exercĂcio entre o pĂłs-punk e o clima tenso de um western que sĂł aumenta as saudades do fulgor demente e sensual que tem Ă flor da pele o diabo de olhos claros Adele Bethel.
É no terreno do ameno que nem tudo convence, da mesma maneira que não convencia o falso e oscilante sotaque de Mel Gibson em Braveheart. Ao apresentarem-se com “Steam Comes Off Our House”, os De Rosa quase simulam o que poderia ser Thom Yorke de cerveja Guinness erguida em jeito de provocação dirigida à banda que o acompanha na romaria tormentosa da voz. “Dreamcatcher” faz com que os Foxface se pareçam com uma versão mais numerosa e ostensiva dos Faun Fables que acompanharam Bonnie “Prince” Billy nas suas memoráveis passagens por cá este ano. “Girl” do veterano Normal Blake é folk-rock adaptável a frequência FM, funcional em 1977 como em 1994, mas nem por isso pertinente nos dias de hoje (em que já não existe ingenuidade para receber uma simples balada). Estes últimos constituem peso numa quantidade talvez demasiada de material acessório ou simplesmente fácil de se mascar na suspeita de que pouca substância sobrará a esse movimento do maxilar. Ballads of the Book é realmente um banquete para os aficionados da música e literatura produzida nas highlands. Todos os que não se deixem deslumbrar por isso, podem descobrir-lhe demasiados pontos de fragilidade.