Mais cremoso é o chantilly formado pela dream pop dos Pluramon quando tem no seu topo uma cereja chamada Julee Cruise - diva recorrente do universo criado por David Lynch, senhora requisitadÃssima pelos mais diversos produtores, portadora da lÃmpida voz que tornou “Falling†num fabuloso single consensualmente acarinhado e autora máxima de Floating Into the Night, elegante obra-prima que se evapora no breu. A multiplicação de elogios deveria recair sobre Marcus Schmickler, que bem o merece pelo desempenho sob o nome de Pluramon e noutros activos, mas é demasiada a tentação de inverter tal elegia no sentido da diva Julee Cruise, quando ela própria volta a ceder todo o aveludado potencial da sua voz a The Monstrous Surplus, depois de, há sensivelmente cinco anos, ter colaborado com o produtor alemão em Dreams Top Rock.
Tal como Johnny Depp quando surge, nem que por momentos simbólicos, num qualquer filme, também Julee Cruise representa aquele tipo de presença mesmerizante que absorve involuntariamente toda a vertiginosa graça à sua volta, redimindo-se de tal pecado absolutista ao impulsionar as garantias mais radiantes dos elementos na sua proximidade. Escute-se, por exemplo, “Say Goodbye†a No Comprendo do excêntrico produtor Khan para perceber como poderia ser apenas óptimo esse disco sem a sua sensual presença. Em The Monstrous Surplus, Julee Cruise volta a ser o astro que determina até que ponto cimeiro deve ser erigido o mural de rock maciçamente onÃrico para que este se ajuste aos pés da dama que sobre ele há-de caminhar: leva isto a que, esclarecedoramente, “Turn Inâ€, faixa inicial do disco sob vistoria, apresente Julee Cruise com a voz carregada de efeitos, aproximando-a do estado de beleza sobrenatural que forma uma aura em torno da mulher que vive num radiador em Eraserhead de David Lynch. Neste pedaço de céu tudo é perfeito, e a verdade é que basta “Turn In†para reavivar a actividade dos favos de memória que mais estimassem as sensações tÃpicas de um disco de Pluramon.
Mas nem só de Julee Cruise se faz um disco que é também ocupado pelas vozes de Julia Hummer (cujo apelido revela o seu desempenho sussurrante), Jutta Koether e do próprio Marcus Schmickler que, sem ser possuidor de um tom propriamente envolvente, também não interrompe a levitação que provoca gradualmente The Monstrous Surplus. Sendo que, inevitavelmente, cabe ao último estabelecer as porções que obtêm, em alquimia, a dream pop pretendida. Em equipa que ganha não se mexe, e o nome Pluramon volta, uma vez mais, a ser sinónimo de uma guitarra que bate asas de pardal superiorizada em extensão por uma mais rasgada guitarra que bate asas de Fénix. A poeira que levantam ambas as aves é muita e contém entre si cristais de electrónica prateada e todo um maravilhoso reverb a que não será estranho o pleonasmo presente no tÃtulo do disco (O Excesso Monstruoso). Felizmente, ainda não é esse o caso do quarto tomo na discografia de Pluramon que bem pode continuar a oferecer mais do mesmo, quando apresenta consideráveis melhorias no seu refinamento estético e a reincidente presença luminosa de Julee Cruise (musa que me acompanhou até aqui). O futuro tratará de dissipar dúvidas, mas, para já e embora pese a morbidez da afirmação, este podia ser o mais digno canto do cisne para colocar um ponto final a uns Pluramon que parecem já ter esgotadas as suas soluções e margem de progresso.