bodyspace.net


The Lionheart Brothers Dizzy Kiss

2007
Racing Junior


Parecem não haver finais felizes na Noruega. Marcus Forsgren, cantor e guitarrista dos Lionheart Brothers, é bastante claro: "Norway has the highest suicide rate after Japan". Ou seja: "A Noruega tem a taxa de suicídio mais alta a seguir ao Japão". Não estranhamos: da Noruega apenas conhecemos imagens de superfícies geladas, escassez de bacalhau e grupos de black metal. Pensamos: é um cenário desolado, demasiado desolado para que dele possa nascer algo que ponha fim à sua dolência. Supomos; supomos algo e ao fazê-lo incorremos no erro de confundir o mundo real com o outro com que amolecemos o nosso desconhecimento.

A noção de erro, essa, torna-se por demais evidente quando da Noruega nos chega uma banda que parece viver numa partitura de Gershwin, cheia de cor, ritmo, movimento. Não é exagero: Dizzy Kiss, o álbum de estreia dos Lionheart Brothers, troca as voltas ao frio, ao bacalhau e ao black metal, através das influências que assume de peito aberto, as quais passam pelos Beach Boys, Strawberry Alarm Clock e Zombies, ou seja, tudo malta da pesada, mas também por rapazes mais novinhos, daqueles a quem é difícil explicar o que é um pasodoble ou que os cromos com os jogadores do Benfica se colavam nas cadernetas com batata cozida. Falamos aqui da leveza pop dos Tahiti 80 e da propulsão pós-motorika dos Stereolab que, somadas à elegância das harmonias da malta mais entradota, resultam num achado cuja audição revela, por vezes, algo mais do que a mera soma das partes e nos leva a pensar nos XTC (sim, nessa maravilhosa instituição). É que os Lionheart Brothers, apesar das diferenças, parecem querer entrar no jogo inventado pela banda britânica, no magnífico Black Sea, de 1980. Ou seja, existe em Dizzy Kiss uma vontade explícita de juntar o melhor de uma época dourada da produção musical com a produção actual, sendo que as principais diferenças entre as duas bandas estão no desfasamento temporal e no facto de Andy Partridge ser um dos melhores escritores de canções do século XX, o que, naturalmente, levou a que os XTC, ao contrário dos Lionheart Brothers, fossem mais banda do que influências.

Ainda assim, Dizzy Kiss destaca-se da produção fonográfica de 2007 como uma quase obra-prima, tal é a veemência e coragem com que reúne estéticas apartadas pelo tempo e pelas modas. Se a escrita das canções é de uma qualidade que há muito julgávamos desaparecida, os arranjos não nos merecem menores elogios: momentos há que nos parecem saídos da pena de um Brian Wilson em dia mais ou menos, o que, para quem não nasceu Brian Wilson ou, vá lá, Judee Sill, corresponde a um glorioso estado de graça.


Samuel Pereira
an_american@paris.com
26/11/2007