Vivemos num mundo complexo, cheio de nuances em constante mutação, formas que se metamorfoseiam em novos feitios ou conceitos que se multiplicam para além do horizonte do entendimento. A própria condição humana força a constante transfiguração como resposta alternativa à estagnação. Não será de menosprezar a imaginação como instrumento vital na catalisação do processo. Criar é a palavra de ordem desde que a humanidade sentiu necessidade de instrumentos para facilitar as tarefas do dia a dia. Assim foi e assim haverá de continuar a ser até que a tecnologia deixe de ser a aliada ideal do homem.
Não se estranhe a volatilidade com que tudo muda à nossa volta. As inconstantes na equação aumentam, as probabilidades, por vezes, pouco valem como estatÃstica ou voltÃmetro das energias criativas. A moda ou a música são, enquanto artes, pólos que sofrem alterações, evoluções e reformas estruturais. Talvez a arte se reconsidere mais vezes que a ciência que, como resultado do pragmatismo, observa na lógica matemática a única certeza num universo ainda por explorar.
Em 23 segundos seria completamente impossÃvel resumir qualquer percurso. Em 23 segundos não seria sequer viável a exposição conveniente e convincente de todas as transformações por que a humanidade passou, muito menos equacionável o compêndio da história. No entanto será possÃvel que os mesmos 23 impossÃveis segundos possam ser, no reino da imaginação, o tempo suficiente para os delÃrios inteligentes que empacotam a essência humana numa fracção, a improvisação no acto instantâneo da criação ou a sensibilidade no instante de uma sexagésima parte de um minuto.
Assim poder-se-á entender o sentido que os Cobblestone Jazz empregam na viagem inaugural onde tempo e espaço comungam em promiscuidade com a faculdade de programar enquanto procuram alguma complexidade no acto de improvisar. 23 Seconds fará as maravilhas de quem tem do techno minimal a única explicação para os longos delÃrios de 10 temas. A verdade poderá ser diferente se se procurar outro pilar que, mesmo admitido de que se trata de um techno despojado de artifÃcios, possa explicar a existência de singular registo – onde também convivem o dub e o breakbeat – num universo de música inteligentemente erguida a partir da arte de concepção e improvisação do jazz. Para que não haja dúvidas, não se trata de jazz, mas sim da capacidade de organizar os sons no tempo e no espaço como talvez o jazz faria.
23 Seconds provem do Canadá e expõe em duas faces Danuel Tate, Mathew Jonson e Tyger Dhula como elementos produtores de uma obra de estúdio que respira liberdade conceptual – onde outros do mesmo meio poluem com frivolidades inconsequentes e incompetentes – e como manipuladores de novos conceitos techno/jazz ao vivo (inspiração Bugge Wesseltoft?). Em 23 Seconds o efeito hipnótico das espirais caleidoscópicas reserva momentos raros de transe onde a condição humana não é substituÃda por infindáveis ligações mecânicas ou bites e bytes em excessos repetitivos. 23 Seconds é em muitos aspectos a evolução da consequência do encontro da matemática sonora dos Metamatics (no inÃcio), da experiência techno-jazz humana de Jonah Sharp no Spacetime Continuum de Emit Ecaps e da sabedoria geométrica da velha escola IDM. Ou seja, uma consequência natural da mutação da memória e da destreza de alguma inovação. Um momento inteligente e complexo que servirá competentemente quem procura soltar as amarguras na pista de dança ou opta pelo sofá para espantar os espÃritos alienÃgenas.