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eRikm / eRikm (Luc Ferrari) & Thomas Lehn Variations Opportunistes / Les Protorythmiques

2006/2007
Ronda / Room 40


A julgar pela amostra sobre a mesa, reconhece-se que a mais experimental electrónica francesa bem pode contar com o contributo de eRikm para se manifestar confiantemente em território europeu e desenvolver relações diplomáticas atípicas com as demais nações do velho continente e além. A partir de um âmbito artístico distinto, se bem que igualmente fértil em ideias, eRikm cultiva a mesma combinação de entretenimento e subversão que fez dos Daft Punk uma exportação francesa de que se espera sempre o imprevisível. Serve isto para esclarecer que a acção experimental de eRikm é muito mais cedente do que se julgaria à partida.

Elaborado em nome próprio, Variations Opportunistes declara logo no título que por aqui alguém tenta dar o golpe do baú incidindo a sua capacidade manipulativa sobre fragmentos captados às manifestações anómalas de um CD que gira sob o laser. O que temos é glitch em quarentena de dinâmicas variáveis, inseridas em percursos ascendentes - três repetições cunhadas de gradualidade, que podiam facilmente ser nauseantes, passam a ser um mecanismo de elevação astral por valor hipnótico dos excertos seleccionados. A partir de um excerto de Stravinsky, “Corrélation II” podia bem ser Murcof a percorrer quilómetros num mesmo tapete rolante, que tem a sua borracha esburacada por corrosões mínimas. Variations Opportunistes documenta o glitch como pedra que cai no charco e provoca ondas à sua volta.

Mas nem tudo está dito em abono do senhor. Enquanto agente da manutenção prestada à inconformidade mais arriscada da música experimental francesa do anterior século, eRikm tem a seu favor a honra cabal de ter colaborado com o entretanto falecido Luc Ferrari, nome de um valor enorme em termos de musique concréte e tape music. Les Protorythmiques estabelece a ponte colocando à mercê do tratamento improvisado de eRikm sons captados e porções trabalhadas em vida por Luc Ferrari, que se encontrava designado para apresentar este trabalho em Maio de 2005 se o seu estado de saúde o tivesse permitido. Sucede-se por aqui uma edição maníaca de sons que leva o ranger de portas a transforma-se em alarmes, os regadores de jardim em armas de fogo. Tudo isso num cenário de convívio conflituoso entre field recordings (uma grande parte desses captados ao que parece ser uma feira francesa) e um sintetizador analógico – orientado por Thomas Lehn - que incide a sua mira sobre cada bloco sonoro, como uma máquina maquiavélica da Guerra dos Mundos. Algures, eRikm sorri maquiavelicamente.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
18/10/2007