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Kula Shaker Strangefolk

2007
/ Popstock!


Os estranhos desígnios que ditam o regresso de certas bandas ao activo pertencem ao segredo dos deuses. Há muito caídos no esquecimento, os Kula Shaker protagonizam este ano um retorno aos discos de que poucos estariam à espera. Para além de andarem arredados de novos lançamentos desde 1999, a banda de Crispian Mills anunciaria mais tarde nesse ano a sua dissolução. O grupo cessava actividade após ter inscrito dois discos no curriculum e fidelizado público suficiente para ver notoriedade expressa em lugares de destaque do top de vendas britânico. O período pós-1999 foi parco em notícias relativas a novas lides por parte dos integrantes da banda, agora dissidentes. A excepção recai sobre Alonza Bevan, o baixista creditado por muitos, inclusive imprensa, como o músico mais gentil do rock, que se juntava a uma nova formação chamada The Healers, liderada pela superstar da guitarra, Johnny Marr. Mais tarde, o teclista Jay Darlington seria recrutado pelos Oasis para tocar com a banda durante as suas digressões, sem se tornar membro oficial. Contudo, notícias quanto a um novo fôlego dos Kula, nem vê-las.

Quase uma década volvida sobre a edição de Peasants, Pigs & Astronauts, o último lançamento da banda, cá temos a surpresa do regresso. Atribuir a este reaparecimento uma avaliação positiva não é algo fácil. Após tamanho interregno, prestarem-se a fazer mais do mesmo não é o caminho mais aconselhado. Por altura dos primeiros passos, os Kula Shaker tiveram a força da novidade e, com a incorporação de influências da música indiana no seu repertório, almejaram algum valor acrescentado. No caldeirão da britpop, a heterogeneidade só podia ser bem-vinda. De resto, é possível que, permeáveis à criatividade do colectivo, muitos jovens tenham sido aliciados por essa altura, a iniciarem-se na escuta de música mais afecta ao sector independente. Dez anos depois, contudo, e não havendo nada de novo a imputar à banda, a sua música representará para aqueles que outrora os colocaram num pedestal, uma espécie de guilty pleasure.

E agora que sabemos que os Kula Shaker não vêm anunciar nada de novo, resta abrir espaço por entre as treze faixas de Strangefolk e descortinar possíveis pontos de interesse. Salta à vista a razão pela qual “Second Sight†foi a opção escolhida para single. Na verdade, exulta na perfeição os tempos áureos da banda, com todas as cornucópias que se associam às suas composições, mas juntando-lhes a aceleração catchy das guitarras a marcar o ritmo. É o tema forte. Num outro registo “Fool That I am†espreita a graciosidade que esperamos de uns Simon & Garfunkel ou outras formações dos anos sessenta, como os próprios The Beatles. Aqui se encontram os momentos assinaláveis do disco. No entanto, há que contornar o enfado de outras paragens. Há jogos de palavras dispensáveis em “Great Dictator (of the Free World) - I’m a dic / I’m a dic / a dictator…; há inclusão de samples do tema “Narayan†dos Prodigy na faixa “Song of Love/Narayanaâ€, com Crispian Mills a regravar com a sua voz a passagem Om namah narayana. E, infelizmente, há toda a euforia psicadélica inconsequente que já não é acolhida como na década de noventa.

Não é o facto de Crispian Mills e companhia voltarem a afinar instrumentos que nos faz torcer o nariz. Na realidade, se avaliarmos somente o universo dos Kula Shaker, não podemos sequer dizer que Strangefolk fica aquém dos registos anteriores. O que nos faz espécie é a falta de reinvenção, a ousadia de pensar que o tempo não passou por eles e não lhes exige, portanto, nada de novo. Em rigor, são poucos os que, após ausência prolongada, se fazem notar com mérito. Para alguns dos casos felizes, a solução passou por prestar atenção às mudanças na própria indústria e explorar novos caminhos. Que validade teriam agora Damon Albarn e Mike Patton se tivessem ressuscitado os Blur e os Faith No More ao invés de se terem assumido homens dos mil ofícios?


Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net
17/10/2007