A jovem Maya Arulpragasam têm se divertido com o sucesso: From Day One, this has been a mad, crazy thing: I say the things I'm not supposed to say, I look wrong, my music doesn't sound comfortable for any radio stations or genres, people are having issues with my videos when they're not rude or explicit or crazy controversial. I find it all really funny. Não se estranhe o divertimento quando existe por entre uma postura provocatória um lado mais inocente que a leva a acreditar que as posições que toma são meras opiniões casuais e não posições politicas próprias. Se Maya não tivesse consciência do mundo em que vivemos até poderíamos acreditar que toda a controvérsia acontece por acaso, mas a verdade é bem mais linear: M.I.A. têm uma mensagem firme que objecta a hipocrisia ocidental em relação aos chamados países do terceiro mundo.
Desde as polémicas com um clipe na MTV – com um apoio explicito à libertação da Palestina – à recusa de entrada em território norte-americano por parte das autoridades de imigração, M.I.A tem se sujeitado a uma certa desconfiança que cresceu tanto em torno da mensagem emanada bem como da postura que tem assumido em público. E se as suas origens familiares a habituaram a perseguições politicas, a sua personalidade segue determinados princípios por respeito ao legado deixado pelo pai – M.I.A. refere-se especificamente à situação missing in action de seu pai – e assume-se como contestaria de um sistema corrompido pelo dinheiro.
Depois de uma estreia auspiciosa em 2005, Maya lançou-se em viagens sucessivas. India, Trinidad, Jamaica, Australia e Japão foram algumas das paragens que viriam a inspirar um novo testamento. Uma nova missiva que, não deixando cair a atitude proverbial de Arular, viria reforçar não só a sua imagem rebelde, bem como aprofundar os propósitos que deram a conhecer ao mundo uma das poucas jovens com princípios políticos definidos. Kala é, agora, esse tão aguardado recado ao mundo: um manifesto que tanto se disponibiliza a dar no "cravo" como na "ferradura".
Uma vez mais a voz peculiar de M.I.A. não vem ao mundo despojada de ritmos robustos. Com a colaboração de The Wilcannia Mob, Diplo, Blaqstarr, Timbaland e especialmente do produtor Switch, a jovem britânica de origens Tamil, não esconde a África como ponto de referência geográfica de uma sonoridade cada vez mais ambiciosa, mas também mais abrangente: o dub da Jamaica ganha protagonismo, o grime reflecte a angústia dos guetos suburbanos de Londres, o samba movimenta-se dissimuladamente, o disco-house quase "pimba" distrai a humanidade para acepções hedonistas, a música do mundo – em especial as texturas indianas – expõe um conhecimento que vai para além dos monumentos mais emblemáticos. Mas é em África que Maya se movimenta com naturalidade. É no continente negro que encontra a inspiração selvagem e que se sente com profunda apetência para berrar ao mundo com sentido oportunista.
Kala deseja veemente glória, tem sede de vingança, é como um animal em fuga do cativeiro que corre pelo mato não em busca de um novo dono mas em busca de uma nova sensação de liberdade. "Hussel", "Birdflu", "World Out" e "Boyz" são sem dúvida momentos perfeitos que reflectem essa ideia de um bicho em livre arbítrio após o cativeiro. "Bamboo Banga" e "Jimmy" já aproveitam para diversificar a paisagem com tons exóticos indianos. O bravio "Mango Pickle Down River" reverencia o hip-hop claustrofóbico com um sopro didgeridoo australiano em espirais hipnóticas. O resto do disco, talvez mais domesticado, aproveita para reservar espaço a uma sonoridade com um apelo pop que tanto permite a presença de Timbaland em "Come Around", como o gangsta-pop provocante de "Paper Planes". Tudo em bom-tom, mas longe de banalidades.
Aliás essa é uma das qualidades de Kala. Para além da diversidade estilística, todos os temas vivem de um equilíbrio entre o lado mais selvagem dos ritmos e as texturas mais ambíguas de uma electrónica em estado experimental. Mais-valia equacionadas num joguete onde M.I.A. tenta inteligentemente virar o rato contra o gato. Estratégia essencial no mundo em que vivemos, isto se pretendemos uma alternativa ao status quo em que a humanidade vive encalhada e do qual ainda não se preocupou em libertar.