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Gene Bowen Bourgeois Magnetic

2007
Amorfon


Em termos gerais, Bourgeois Magnetic representa um recanto de catĂĄlogo que serve ao frisar ainda mais vincado de um dado que se lĂȘ Ă s entrelinhas do historial criativo da primeira metade da dĂ©cada de 80: altura em que floria nos dedos do visionĂĄrio norte-americano Harold Budd toda a tĂ©nue graciosidade melĂłdica de que necessita um piano para que este se torne no instigador de sensaçÔes etĂ©reas e sedativas que se conhece Ă s histĂłricas colaboraçÔes ambient com Brian Eno Ambient 2: The Plateaux of Mirror e The Pearl. Coube agora Ă  japonesa Amorfon descobrir o tal recanto Ă  Cantil Records, pertença de Budd e Bowen, que editara este disco originalmente no ano de 1981.

A verdade Ă© que permanecem intactas as propriedades mais luminosas do piano de Harold Budd que, atravĂ©s do seu cunho minimalista (“A Bride and Her Bachelor” decide-se repetidamente pelas mesmas notas), se instala em trĂȘs das cinco faixas que constituem um disco que nĂŁo deixa de suscitar estranheza por surgir em nome prĂłprio e nĂŁo enquanto colaboração. Talvez assim seja por culpa do desenquadrado dĂ­ptico “Bourgeois Magnetic / The Phase of a Dinasty”, que, quase criminosamente, desperta quem escuta do mais terno sonho, atravĂ©s de todo o saltitar pĂłs-punk que Gene Bowen procura tornar contagioso ao servir-se do irrequieto baixo como batuta para uma orquestra de instrumentos onde Ă© saliente a indisciplina de um berimbau quase NanĂĄ Vasconcelos em modo vanguardista.

NĂŁo chega a ser esse rasgo de idiossincrasia suficientemente penoso para manchar o melhor pano. É tĂŁo absorvente a autenticidade primaveril das melodias gĂ©meas da primeira “Tourmaline” e da ligeiramente mais adornada Ășltima “Amethyst” (ambas peças de joalharia), que, a partir daĂ­, percebe-se o porquĂȘ do magnĂ©tico surgido no tĂ­tulo. Serve o fluxo naturalmente fĂ­sico, que move em ciclo Bourgeois Magnetic, para o tornar num boomerang de fragrĂąncias que tĂȘm em Harold Budd o alquimista da sua essĂȘncia e em Gene Bowen o artesĂŁo que sabe perfeitamente como garantir o requinte perifĂ©rico que exige um piano de valor impagĂĄvel, que nunca o deixou de ser durante os Ășltimos 30 anos de mĂșsica.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
17/09/2007