Um cão a fugir por debaixo de um rail de protecção de uma auto-estrada é a imagem que Romulo Fróes, no segundo disco da sua carreira, escolheu para a capa do álbum. Chamou-lhe Cão. Na primeira canção deste novo disco ficamos a perceber porquê quando Romulo conta: “Já fui teu cão / vigia de uma luz sombria / O mais fiel / o sol que no teu céu cabia / mas não entendes / o meu delírio / amor doente / a carne que não sinto / entre os dentes”. Esta é a visão de um amor doente, de um amor quase cão. Um contexto que cabe perfeitamente num disco de samba triste, guiado pelo violão e pela poética certeira de Romulo Fróes. No seu segundo disco, o músico de São Paulo assina um conjunto de canções pensadas e ponderadas.
Este é um disco com a perfeita consciência da tradição musical brasileira mas apostado em transferir essa mesma tradição para o presente ou para o futuro. Raramente Romulo Fróes abandona o registo da taciturnidade e melancolia e ainda bem: este é um território que o brasileiro explora com conhecimento de causa. Ele que queria um disco com um som de banda dos anos 70 foi resgatar a Jards Macalé, Caeteno Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil a inspiração para este disco. Depois de “Cão” surge a belíssima “Eu canto só + lavadeira”, com mais balanço que a primeira mas com a mesma sensação de melancolia. A tal sensação de banda é mais óbvia aqui: cavaquinho, baixo acústico, violão de 7 cordas, clarinete, cowbell e até coros. E subtileza quanto baste.
Há, na banda que acompanha Romulo Fróes, um nome que se destaca. É o de Lanny Gordin (o mítico guitarrista que acompanhou Gal Costa nos discos que esta assinou no final dos anos 60 e começo dos anos 70). O músico é um dos que marcam presença em “Por um dia e nada mais”, soturna, simples e auto-suficiente. Depois é ver, perto do final, Romulo Fróes e a sua banda explorarem territórios menos estruturados. Há sempre em Cão - e até ao final do disco, igualmente positivo - a necessidade de não se seguir um guião; e o disco respira liberdade, especialmente quando, sob um manto de sopros, se diz: “É proibido sonhar / então me deixa o direito de sambar”. É o que está no sangue de Romulo Fróes: isso e o talento para escrever canções.