A euforia que se gerou à volta de Alligator, o disco que em 2005 trazia os The National para a ribalta, dava azo a algumas confusões, levando muitos a crer que uma nova banda despontava. Acontece porém que esse elogiadÃssimo espécime discográfico era já o terceiro registo do grupo, demarcando-os do estatuto de caloiros. Até Alligator, contudo, ninguém parecia importar-se com eles. Mas..., um álbum certeiro na mira da imprensa especializada e eis que tudo muda. À velocidade da luz, o colectivo originário de Brooklyn impôs a sua marca e passou a ser a banda favorita de muita gente. Ao contrário das coqueluches que vão surgindo como cogumelos, os elementos dos National não se iniciaram nestas andanças na idade do armário e já não apresentam há muito sinais de uma adolescência borbulhenta e impaciente. A banda alinhavou-se mais tarde do que o habitual, mas não se lhe conhece prejuÃzo na decisão. Certamente não afectou Matt Berninger, o lÃder da banda, ex-designer gráfico, cujo rosto, aos 36 anos, não conhece mácula e parece fazer perder a cabeça ao mulherio. Dois anos decorridos sobre o lançamento de Alligator, os cinco de Brooklyn têm para nos mostrar Boxer. E a tarefa que cabe a este "pugilista" é exactamente a de ultrapassar a fasquia deixada pelo seu antecessor. É um combate difÃcil, mas claramente favorável a Boxer, cujos "golpes" se revelaram mais contundentes.
1º round. Boxer veste o equipamento art-rock "certinho" e não há que ver nisto contra-senso algum.A vocação arty não combinaria à partida com um disco onde não abundam pontas soltas ou apontamentos deslocados, mas este não é um disco qualquer. É certo que a vertente art-rock parece não expandir-se muito do domÃnio das intenções, não se concretizando como nuns Arcade Fire. Que importa? Flagrante, ao invés, é o repouso das guitarras que em Alligator se debatiam para criar agitação que se visse. Mais recatadas, as guitarras habitualmente a cargo dos irmãos Dessner, dão espaço à bateria que ganha neste disco visibilidade e força. Outra presença assÃdua em Boxer é o piano. Logo em "Fake Empire", a faixa de abertura, se vislumbra que os arranjos foram pensados para conferir à música uma atmosfera mais densa do que aquela que os National haviam explorado em registos anteriores. De resto, algumas boas artimanhas funcionam como marketing ao disco, entre elas a participação de Sufjan Stevens que surge ao piano em "Racing Like a Pro" e "Ada". Argumentos não faltam para que este Boxer leve adversários ao tapete.
2º round. Ao cabo das doze faixas que preenchem o disco, constata-se que não é à primeira audição que este nos desarma. Para tal contribui uma estrutura para as canções que não obedece, na maioria das vezes, à previsÃvel sequência estrofe-refrão-estrofe. Refrões orelhudos ficam igualmente de fora. Mas, o que custa a entrar, também custa a sair e Boxer é, após escutas mais atentas, uma iguaria viciante. Apontar faixas que se destaquem no alinhamento é tarefa complicada. Ao passo que Alligator desvendava canções de estrutura e registo mais diferenciados, Boxer funciona bem melhor no seu conjunto, denotando coesão, entrosamento, harmonia. Para mais, é notório que não se pretende dar continuidade ao trabalho anterior, antes reinventá-lo e conferir-lhe maturidade, racionalidade e sequência. Eis uma manobra bem talhada.
3º round. Matt Berninger é o estratega das palavras. Quando faz o gosto à pluma, ora aborda temas mundanos debitando passagens acerca de empregos, namoradas e responsabilidades de gente crescida, ora cria um universo imaginário onde fantasia com personagens que desejam acima de tudo evadir-se. Disso temos a certeza quando interpreta: you don’t mind seeing yourself in a picture /as long as you look faraway, as long as you look removed ("Mistaken for Strangers"). E, quando chegamos à fase da interpretação, acrescentamos outro mérito à carta de recomendação que andámos a escrever sobre Berninger: a voz que dá às composições do grupo está longe de ser pura banalidade. Se fecharmos os olhos, é certo que nos lembramos de meia dúzia de intérpretes capazes de nos envolver nesse género de hipnose gerada por um timbre grave e intenso. Stuart Staples dos Tindersticks vem à cabeça muito facilmente. É a confirmação de um vozeirão emergente, em boa forma. E por falar em boa forma, já é altura de admitirmos que, com Boxer, os The National deixaram-nos knock-out.