Marcia Bassett deve ter encontrado uma maneira de parar o tempo. Só assim se explica como consegue ser tão prolÃfera e manter ao mesmo tempo um nÃvel qualitativo tão elevado. Nos últimos anos tem-se desdobrado entre os mais diversos projectos, entre os quais se encontram os Double Leopards, GHQ (acompanhada de Pete Nolan e Peter Gunn) e principalmente (já que estamos a falar de prolificidade) os Hototogisu na companhia de Mathew Bower (Sunroof!, Skullflower, ect.). Para além destas (e outras) colaborações, Marcia tem também desenvolvido uma interessantÃssima obra a solo sobre o nome de Zaimph, de que Mirage of the other (editado em vinil pela Gispsy Sphinx) é o último e o melhor capÃtulo até à data, depois de dois álbuns e vários CD-Rs de edição limitada, editados por diversas editoras como a Heavy Blossom ou a Hospital Productions ao longo dos últimos 4 anos.
Ao atentarmos no nome do álbum, Mirage of the other, são-nos desde logo dadas impressões sobre o seu conteúdo, na medida em que acaba por subsistir uma dimensão etérea (daà a miragem) erigida a partir de um ideal de abandono e solidão, e condensada sob a forma de um som essencialmente vaporoso e contemplativo, por oposição à s combustões implosivas marcadamente mais abrasivas (“Emblemâ€) ou reveladoras de uma tensão latente de contornos obscuros (“Sexual Infinityâ€) que pautavam os seus anteriores trabalhos a solo (mas também outros dos seus projectos).
Mirage of the other insinua também no seu nome, uma procura por parte de Marcia de um lado mais introspectivo e pessoal - e perdoem-me a especulação - revelador de um “outro†que muito possivelmente será apenas a sua própria ausência, reportando-se ao tal sentimento de solidão (de carácter nostálgico) que referi anteriormente e que perpassa ao longo das três muito meditativas faixas do álbum. As duas primeiras músicas (que compõem o lado A do vinil) desenvolvem-se numa placidez de tonalidades azuis, feitas de drones densos mas delicados de guitarra e vozes submersas em reverb, quase inexistentes, próximas das visões de Liz Harris (Grouper), embora numa perspectiva mais abstracta e bem distante algo que possa ser considerado uma “cançãoâ€.
O lado B faz-se dos cerca de 20 minutos de “Incandescent Landscapeâ€, onde o azul dominante do lado A se reveste de tons acentuadamente mais negros, uma demanda por memórias mais refundidas, que o tempo não permite discernir com clareza, restando-nos apenas a sugestão desse mesmo passado. Sem nunca ceder a crescendos desnecessariamente dramáticos, “Incandescent landscape†paira no seu próprio vazio sem nunca se decidir a poisar, sustentando-se nas suas próprias convulsões internas até que a senhora Bassett o decide dar por terminado (abruptamente) levando os seus fantasmas consigo.