Felizmente, o fim de um projecto significa por vezes o inĂcio de outro. A fase mais complicada dos belgas VĂ©nus fez com que o baterista da banda, Thomas Van Cottom, tomasse medidas sĂ©rias para materializar um sonho chamado Soy Un Caballo, de braço dado com AurĂ©lie Muller, a outra metade deste projecto. Soy un Caballo Ă© essencialmente o veĂculo para a concretização de cançÔes delicadas, em francĂȘs, de cenĂĄrios intimistas, apesar da quantidade de nomes que aqui se tornam aliados: Sean O'Hagan (High Llamas), Jesse D. Vernon (Morning Star), Kate Stables (This is the Kit), Delphine Bouhy (Adrian Bouldt) e ainda Will Oldham (ou Bonnie âPrinceâ Billy, como queiram).
E porque todos trabalham na mesma direcção, Les Heures de Raison nunca perde a aura intimista que anuncia no seu inicio. Muito por culpa dos arranjos, cuidadosos, certeiros, reservados. E depois hĂĄ qualquer coisa no francĂȘs que sublinha ainda mais essa sensação. Quem nĂŁo gosta de ouvir a lĂngua estarĂĄ a abanar com a cabeça em sinal de discordĂąncia, quem gosta certamente compreenderĂĄ. Pequenas cançÔes trespassadas por guitarras, por alguma electrĂłnica, por alguma estranheza atĂ©, com tiques estranhamente carinhosos â e por vezes deliciosos. âBut Will our tearsâ tem isto e algumas coisas mais.
âRobinâ lembra Sufjan Stevens e o seu amor pelo festivo reservado. Xilofones e percussĂŁo adornam e acomodam a coisa para melhor consumo. E depois hĂĄ, claro, a tal âLa chambreâ, com a sempre apetecĂvel voz de Will Oldham, desta vez em francĂȘs e em dueto com AurĂ©lie Muller. Guitarra acĂșstica, pequenas electrĂłnicas para uma canção difĂcil de situar geograficamente. Pequena mas deliciosa canção, um pouco como acontece ao longo de Les Heures de Raison. Ouça-se âAu ralentiâ para ver como pequenos instrumentos conseguem grandes detalhes. Fica provado aqui â e em todo o disco â que os Soy un Caballo sĂŁo capazes de criar pequenas grandes cançÔes com alma cheia. Uma das boas surpresas do ano.