Não nos deixemos enganar: numa fase em que Peter Kruder se mascara de Peace Orchestra, e Scott Herren se apresenta como Savath+Savalas, Delarosa & Asora ou simplesmente como Prefuse 73, convém esclarecer que Four Tet é obra de apenas uma cabeça, a de Kieran Hebden. Membro dos Fridge desde a sua formação em 1997, Hebden decide fazer mais do que rock e envereda por uma vertente mais inventiva e experimental, munindo-se de um computador e começando a recolher e a manipular samples. O leitor mais céptico já está de pé atrás perante a descrição, desconfiando que estamos na presença de mais um entre tantos cromos do Fruity Loops que nada trazem de novo a um panorama talvez sobrecarregado, em que volta e meia surge um novo nome que, por trás de uma panóplia de técnicas “inovadoras”, acaba por limitar-se a fazer uso de fórmulas já suficientemente batidas.
Bem, neste caso o leitor mais cĂ©ptico terá de dar a mĂŁo Ă palmatĂłria, pois Four Tet pode muito bem ser visto como uma lufada de ar fresco no campo em que se mexe. E nem a velha desculpa “eu gosto Ă© de ouvir instrumentos a sĂ©rio!” servirá neste caso, pois Ă© possĂvel encontrar de tudo um pouco ao longo deste Dialogue, desde guitarras acĂşsticas a trompetes, passando por pianos e atĂ© harpas.
Será difĂcil nĂŁo gostar de Dialogue; Ă© um trabalho muito equilibrado, que embora raramente entusiasme em toda a plenitude da palavra, nĂŁo terá verdadeiros pontos fracos. Nele Ă© possĂvel encontrar um pouco de quase tudo, desde ambientes suaves e relaxantes (“The Space of Two Weeks”, “Calamine”) que desembocam em momentos de deleite para qualquer fĂŁ de DJ Shadow, como Ă© o caso de “Chiron”, em que o gosto de Hebden pela vertente instrumental do hip hop sobressai com mais força, mesmo sendo muito por aĂ que se guia esta viagem. Será em “Misnomer” que as fronteiras do jazz se abrem mais decididamente, apĂłs uma ou outra alusĂŁo mais ou menos implĂcita na primeira metade do disco. Ă€ medida que se avança para o final, aromas exĂłticos exalam com mais intensidade, já que nem Four Tet conseguiu resistir aos encantos da tabla e do sitar (mas porquĂŞ?!)... Todavia nem sempre os resultados sĂŁo duvidosos, principalmente em “Aying”, um dos temas mais conseguidos da segunda metade do trabalho.
Hebdon foi feliz ao baptizar o seu primeiro longa-duração a solo como “Dialogue”. Quando há por aĂ alguns monĂłlogos inexplicavelmente pouco acessĂveis e carentes de personalidade, Dialogue Ă© uma estreia auspiciosa que mostra como o digital e o analĂłgico podem caminhar de mĂŁos dadas.