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Four Tet Dialogue

1999


Não nos deixemos enganar: numa fase em que Peter Kruder se mascara de Peace Orchestra, e Scott Herren se apresenta como Savath+Savalas, Delarosa & Asora ou simplesmente como Prefuse 73, convém esclarecer que Four Tet é obra de apenas uma cabeça, a de Kieran Hebden. Membro dos Fridge desde a sua formação em 1997, Hebden decide fazer mais do que rock e envereda por uma vertente mais inventiva e experimental, munindo-se de um computador e começando a recolher e a manipular samples. O leitor mais céptico já está de pé atrás perante a descrição, desconfiando que estamos na presença de mais um entre tantos cromos do Fruity Loops que nada trazem de novo a um panorama talvez sobrecarregado, em que volta e meia surge um novo nome que, por trás de uma panóplia de técnicas “inovadoras”, acaba por limitar-se a fazer uso de fórmulas já suficientemente batidas.

Bem, neste caso o leitor mais céptico terá de dar a mão à palmatória, pois Four Tet pode muito bem ser visto como uma lufada de ar fresco no campo em que se mexe. E nem a velha desculpa “eu gosto é de ouvir instrumentos a sério!” servirá neste caso, pois é possível encontrar de tudo um pouco ao longo deste Dialogue, desde guitarras acústicas a trompetes, passando por pianos e até harpas.

Será difícil não gostar de Dialogue; é um trabalho muito equilibrado, que embora raramente entusiasme em toda a plenitude da palavra, não terá verdadeiros pontos fracos. Nele é possível encontrar um pouco de quase tudo, desde ambientes suaves e relaxantes (“The Space of Two Weeks”, “Calamine”) que desembocam em momentos de deleite para qualquer fã de DJ Shadow, como é o caso de “Chiron”, em que o gosto de Hebden pela vertente instrumental do hip hop sobressai com mais força, mesmo sendo muito por aí que se guia esta viagem. Será em “Misnomer” que as fronteiras do jazz se abrem mais decididamente, após uma ou outra alusão mais ou menos implícita na primeira metade do disco. À medida que se avança para o final, aromas exóticos exalam com mais intensidade, já que nem Four Tet conseguiu resistir aos encantos da tabla e do sitar (mas porquê?!)... Todavia nem sempre os resultados são duvidosos, principalmente em “Aying”, um dos temas mais conseguidos da segunda metade do trabalho.

Hebdon foi feliz ao baptizar o seu primeiro longa-duração a solo como “Dialogue”. Quando há por aí alguns monólogos inexplicavelmente pouco acessíveis e carentes de personalidade, Dialogue é uma estreia auspiciosa que mostra como o digital e o analógico podem caminhar de mãos dadas.


Carlos Costa
12/11/2002