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RM74 Fireproof in 8 Parts

2007
Hinterzimmer


Quando, numa newsletter recente, a Warp destacava e aconselhava o seguimento atento da label suiça Hinterzimmer, certamente que não sabia com quem se estava a meter. Isto porque Fireproof in 8 Parts, quinta emancipação a cargo do multi-instrumentista Reto Mäder, revela um âmago denso onde coabitam lava herética e um longuíssimo cadastro de obscuridade suficiente para eclipsar os próximos três discos que venham a lançar respectivamente Jamie Lidell e os Maximo Park (que nem sequer merecem o umlaut). Verdade. Chegam a ser tão cabrescas as artimanhas armadas por Mäder que, se for a Warp a vitima deste vudu sonoro, suspeito que por esta altura já estejam chamuscadas as pontas das páginas do livro que há algum tempo a colega Eugénia abordava na nossa nobre secção reservada ao livro / DVD.

Que aspectos são esses que tão violentamente ameaçam o aspecto imaculado da roupa interior? São vários e cada um mais flagrante que o outro no trajecto dantesco que efectua Fireproof in 8 Parts à medida que nos arrasta pela verticalidade de um quadro pintado por Bosch. Citem-se como exemplos o impiedoso órgão cadavérico que reaviva memórias do claustrofobismo associado à banda-sonora assinada por Gene Moore no clássico de culto Carnival of Souls; a incomodativa sensação de que “Orchulence II†é a leitura invertida de um pergaminho glitch ainda mais críptico quando do avesso ou o esmorecer lento da esperança entre a desolação que se sente às várias peças centradas no piano (próximo do registo que se descobriu ao fabuloso álbum duplo Miljard dos indomáveis finlandeses Circle).

Alega a inscrição, no muito original suporte de Fireproof in 8 Parts, que nada é sagrado – nem mesmo a estrutura descendente de um disco que se comprometia a oito fases graduais de terror e, que afinal, traz, em CD-R anexo, uma nona elucidativamente intitulada “Lofireâ€, em que Reto Mäder encaixa mais sete incursões que optam pela forma de esboço como modo de se manterem fantasmagoricamente indefinidas. Sem sequer faltar a essas algo de tão delicado como um solilóquio conspirador declamado por um muito sinistro Ernst Jandu em “Temporary Undoâ€.

Em poucos silogismos se entende que Fireproof in 8 Parts obtém muito mais gozo em repudiar que atrair. Ao lado do siamês tenebroso Kielholen do colectivo Herpes Ö Deluxe, sublinha a vermelho vivo a Hinterzimmer como uma das mais intrigante labels actuais persistentemente dedicadas à nobre arte da profanação (de idiomas e convenções). Ao serviço disso, o mago e mentor Reto Mäder asfixia por idiossincrasia a sua electro-acústica para que não sobre um corpo susceptível de atrair os estigmas que perseguem o noise japonês ou o ambient obscuro. Esse golpe de Houdini é, afinal, o que mais implacavelmente impõe este como um disco-fantasma a reclamar caça.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
13/07/2007