Em termos de singles de 2007, nada bate “Atlas”, dos Battles, pelo menos em termos de peculiaridade. Ora vejamos: é um supergrupo de estrelas do pós-rock e do rock avant-garde num projecto math/pós-rock a começar com uma combinação de baixo e bateria que lembra a batida de “Beautiful People” de Marilyn Manson e a trazer na voz a chipmunk soul popularizada por RZA dos Wu-Tang Clan e mais recentemente por Kanye West e Just Blaze para uma canção pop. Porque é essa a sua estranheza, pode haver a muscularidade toda das baterias do math-rock, uma guitarra que demora a fazer-se ouvir e a voz com o pitch alterado, mas não deixa de ser uma canção pop, com verso e refrão (ou só dois refrães).
E Ă© incrĂvel, atĂ© passa na rádio (dizem que passa na Radar, mais longe que isso nĂŁo deve chegar), os DJs renderam-se (Erol Alkan, DJ de techno, passa o single nos seus sets, por exemplo) e a malta do free odeia-a, dizendo que os Battles se limitam a ir buscar os Black Dice, os Lightning Bolt e os Animal Collective para fazer algo sem quaisquer ideias.
O que nĂŁo Ă©, de todo, verdade. Basta ouvir Mirrored uma vez para se perceber que, apesar de haver pontos de contacto com estas bandas, nada soa assim no mundo inteiro. Há assobios, vibrafones, teclados, vozes processadas, guitarras, mas há tambĂ©m imensas melodias memoráveis e quase canções. É Ăłbvio que vai buscar muito ao rock mais recente e marginal de Brooklyn e de Providence, mas Ă© muito mais perfeito e high tech (para nĂŁo dizer mais acessĂvel que pelo menos os Black Dice e os Lightning Bolt) que qualquer um desses grupos, tambĂ©m pelo domĂnio que os membros tĂŞm de cada um dos seus instrumentos.
Claro, as vozes alteradas podem ser um entrave à degustação de “Atlas” e outras faixas, mas, mesmo que se considere irritante, é tremendamente menos irritante que Akon (outro herdeiro da chipmunk soul e um dos seus maiores crimes), o seu “Mr. Lonely” e basicamente todas as canções que passam na Rádio Cidade em que aparece (ou seja, quase todas).
No vĂdeo de “Atlas” e na capa e no booklet do disco (que nĂŁo passa de um poster), há uma sala espelhada onde está todo o equipamento da banda. Nessa sala espelhada, Tyondai Braxton, filho do saxofonista de free jazz Anthony Braxton e semi-lĂder da banda, de mini-afro e guitarra Ă s costas, mexe os pĂ©s ao som da canção e está visivelmente a divertir-se. Ele sabe quĂŁo boa Ă© a canção, dançando (aquilo Ă© uma dança coreografada ao pormenor, quase certamente) nĂŁo para prová-lo, mas porque Ă© a Ăşnica alternativa que tem perante tal canção.
Mas Mirrored não é só “Atlas”. Há mais momentos, desde o assobio de “Race:In” às vozes rápidas de “Ddiamondd”, passando pela quase soul de “Layendecker”, a voz arrastada de “Rainbow” ou os “whoa-whoa-whoas” à Animal Collective de “Bad Trails”. Gira tudo à volta do mesmo: batidas enérgicas, melodias memoráveis e outros elementos hipnóticos repetidos que alternam entre as texturas sonoras (muito menos que aquilo que a banda fez nos EPs que antecederam o disco e foram lançados por várias editoras diferentes) e as partes pop.
É quase música de dança, mas não é música de dança. Foi isto que o pós-rock nos deixou. Foi isto que a chipmunk soul nos deixou. Foi isto que os Black Dice, os Lightning Bolt e os Animal Collective nos deixaram. Mas é muito mais que isso. E é muito, muito bom.