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Patti Smith Twelve

2007
Sony BMG


No booklet que acompanha Twelve diz-se que a ideia de gravar um disco de covers já estava na cabeça de Patti Smith desde 1978. Passaram-se quase 30 anos até que o projecto se concretizasse mas a ideia que agora tomou posse foi evoluindo ao longo dos tempos. Algumas das canções pensadas em 1978 desapareceram no tempo da poeta Patti Smith e outras entraram para ocupar o seu lugar. Twelve é por isso uma viagem que joga duplamente com o tempo: como um projecto que foi evoluindo à medida que o calendário avançava pelos anos e pelo salto que os doze temas pressupõem entre si.

Com esse sentimento presente, o salto entre “Are You Experienced?” de Jimi Hendrix e “Everybody Wants to Rule the World” dos Tears for Fears, unido por cordas, não causa surpresa alguma. A não ser pela escolha algo inesperada do luminoso tema dos Tears for Fears, aqui em versão igualmente cintilante. Quando Patti Smith canta “Its my own design / Its my own remorse / Help me to decide / Help me make the most / Of freedom and of pleasure / Nothing ever lasts forever / Everybody wants to rule the world” está a provar a actualidade da canção e a conseguir um dos melhores momentos de Twelve.

Em 1996 Patti Smith juntou-se a Neil Young para, num concerto de beneficência, cantar “Helpless” e desde esse dia a canção ficou consigo. Ousou registar a fragilidade da canção e safou-se bem com isso: o acordeão confere a “Helpless” especial profundidade. E porque a história de Patti Smith foi sendo também feita de versões de canções de outros nos seus próprios discos, a deusa punk, ambiciosa, não resistiu a pegar nos Rolling Stones, nos Beatles, nos Jefferson Airplane e em Bob Dylan. Tudo de seguida e com alma.

Patti Smith quis juntar dois símbolos de duas eras bastante distintas. Pegou na voz de Jim Morrison em “Soul Kitchen” e logo a seguir a de Kurt Cobain na inevitável “Smells like teen Spirit”. Até aqui nada de surpreendente – parece quase adivinhar-se a identificação que Patti Smith deve sentir com ambos. A surpresa virá mais da roupagem que se aplica em “Smells like teen Spirit”, fabulosa visão acústica dos Nirvana com um interveniente em destaque: um banjo que Patti Smith jurou ouvir na voz de Kurt Cobain ao ouvir a canção um dia na rádio. Assim é Patti Smith. A sua veia de poeta permite-lhe ver além do aparente. E é por isso que este disco de versões vale especialmente a pena: por mostrar estas canções viradas do avesso.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
06/07/2007