Após cometidos dois dos pecados mais sintomáticos de revivalismo (o disco de remisturas Discotheque e a compilação selectiva de material gravado para a primeira casa Bungalow), os Stereo Total regressam em força sem nunca terem desaparecido por completo nos últimos quinze anos. Com eles, um Paris-Berlim que define o eixo geográfico a partir do qual se lançam Françoise Cactus e Brezel Göring em busca da aglutinação de quase tudo o que mexa e revele um mÃnimo colorido kitsch no horizonte praticamente infinito da pop de propriedades mais cosmopolitas.
A premissa que determina o sucesso de Paris-Berlim é tão reincidente quanto inevitavelmente eficaz: o tradicional disco de Stereo Total funciona em qualquer parte do mundo como descomprometida banda-sonora para momentos de assumido capricho, devassidão e revolta feminina que não descarte a ocasião de confronto como oportunidade ideal para a diversão. Além de que Paris-Berlim tem o seu passaporte musical carimbado por todo o tipo estranhezas que cativam estima imediata: “Plastic†é pop fm saudavelmente descartável, “Patty Hearst†uma homenagem histérica dedicada à infame princesa-terrorista e “Relax Baby Cool†um rockabilly minimalista reaproveitado ao cancioneiro de Serge Gainsbourg (que desesperaria pelo charme lollipop de Françoise Cactus como por uma Whitney Houston desarmada da lÃngua francesa num talk-show).
Não há, contudo, forma de desviar o coração da mira que aponta à voz insinuante de dilema lascivo, peculiaridade de marca de uma Françoise Cactus que se parece muito com a sex-symbol brasileira Juliana Paes na foto que serve de fachada a Paris-Berlim. É da sua pertença a voz que se adequa a este açucarado carrossel internacional como uma miúda feia ao público desse ritual jurássico habitualmente apelidado de tourada. Françoise canta como quem dirige intrigadas questões sobre sexualidade à quele sábio da série animada Era uma vez a vida cuja barba branca cobria praticamente todo o corpo excepto um nariz com uma forma bem suspeita. Do mesmo modo subversivamente ingénuo, Paris-Berlim continua a interrogar a pop (e a anexa chanson) acerca da sua capacidade enquanto material reciclável, também passÃvel de reaproveitamentos que simulem exemplarmente alguma autenticidade. Ao que parece, os Stereo Total continuam a ser superiores nessa arte.