A sobrecarga de tendências que inundam Brooklyn, o bairro com mais pinta de Nova Iorque, reflecte-se no ridículo que às vezes assumem os seus habitantes mais empenhados em ocupar um lugar marginal à moda dominante, que acaba por representar o seu equivalente contra-cultural: Sierra Cassidy, a menos insuportável das manas Cocorosie, e Matteah Baim, gestor do santuário freak também conhecido como a label Voodoo-EROS, formam o duo Metallic Falcons e surgem nas fotografias que acompanham o booklet de Desert Doughnuts com trajes muito semelhantes aos que a porção mais horrorizada da memória corresponde ao Ku Klux Klan. Ganha, com isso, maior credibilidade uma ambiciosa teoria da conspiração que associava o nome das Cocorosie a uma espécie de racismo trocista verificado em aglomerações conhecidas por Kill Whitey Parties, ocorridas em Brooklyn e propícias à escuta e dança do mais rude hip-hop, emulando todos os seus rituais, mas tornando o acesso a isso exclusivo de uma classe mais rica (e caucasiana) que tinha num DJ tão branco como a cal o anfitrião de tal folia. O artigo pode ser consultado na integra aqui e, a julgar que é verídico o seu conteúdo, percebe-se que não se trata apenas de lodo artístico aquele em que se encontram mergulhadas as Cocorosie que, até ver, têm em The Adventures of Ghosthorse and Stillborn o pior disco do ano. Ao que faz crer o tal artigo, Bianca Cassidy (a outra mana) tinha nas tais festas Kill Whitey a passerelle ideal para pavonear os seus fatos de treino Sean John (linha de roupa assinada por P. Diddy) e demonstrar a paixão pelo Wu-Tang Clan (desconhece-se a ordem de predilecção face aos clãs) invocando o sagrado nome de (muthafuckin’) Ruckus. Tudo isso sem se sujeitar à suposta violência mais hardcore do hip-hop.
Perde-se um parágrafo inteiro com uma associação rebuscada porque a leitura sociológica ou simbólica de Desert Doughnuts será porventura um dos seus escassos interesses. Tudo o resto revela flagrantemente que Serra Cassidy não deixará de repetir os mesmos trejeitos celestiais da sua angélica (embora polisaturada) voz só porque este seu novo contexto musical tenta, a custo, colar texturas gasosas e rock plástico aos habituais recursos acústicos pouco ortodoxos dos discos de Cocorosie. Em termos concretos, o que se escuta são desastrosos reaproveitamentos de apontamentos bucólicos tipicamente Cocorosie (teclados floridos e coros cândidos), ora tornados mais convalescentes por sobredosagem de ketamina (e produção apostada em desfocar), ora abruptamente violentados por investidas pós-rock surgidas do nada (e sem nada a acrescentar). Na prática, isso consegue ser tão irritante como ver uma mais serena audição ao computador ser involuntariamente interrompida por uma intrépida explosão de rock Myspace ou pelos toques de telemóvel xunga impingidos por um pop-up suspeito.
Mais lamentável consegue ser o desperdício de talento que ocorre por efeito da reacção pavloviana que atrai, de novo, Antony e Devendra Banhart até uma inconsequente armadilha Cassidy: o primeiro cede um esboço caricatural de si mesmo a “Nighttime and Morning”, o segundo oferece o reputado nome e a guitarra eléctrica quase John Frusciante a uma “A Heart of Birdsong” sem ponta de interesse onde atracar o seu aspecto fantasmagórico.
O mais seguro será mesmo não adiantar muito mais a maledicência dirigida a um disco lançado por uma label que tem por nome Voodoo-EROS, além de que nunca se sabe até onde vão os contactos latinos e influência das manas Cassidy. Bianca e a pandilha Brooklyn que recrutou para Desert Doughnuts falham redondamente num disco que, até certo ponto, se assemelha muito a um tributo pós-moderno prestado ao infinitamente superior Desertshore pelo qual é responsável Nico (a infiltrada dos Velvet Underground que veio a garantir mérito próprio com as suas obras folk). Importa saber até onde, numa escala de karma negativo, podem ir as Cocorosie e os discos em que se empenharem daqui em diante. Era à sua maneira divertido o trocadilho elaborado por Axl Rose quando recentemente se dirigiu, como o roto para o nu, ao rock de pândega dos Eagles of Death Metal, acusando-os de mais se parecerem com os Pigeons of Death Metal (Pombos do Death Metal). Pela mesma tabela, refira-se que o material que compõe estes falcões encontra-se escancarado no nome do projecto que lhes é materno, desde que lido com diferente acentuação.