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Joakim Monsters & Silly Songs

2007
!K7 / Popstock!


Existem discos que melhor resultam se forem apenas um brainstorm de si mesmos, ou, metaforicamente, um circo de pulgas onde um bom punhado de ideias inflamáveis e influências merecedoras de reanimação necessitam somente das doses certas de imaginação e fantasia para fazer crer o receptor externo de que algo de empolgante por ali se passa. Assim acontece, de facto. A calamidade informática que levou Joakim Bouaziz a perder noventa porcento do material que haveria de compor o sucessor de Fantomes, colocado à solta em 2003, pode até ter sido o decisivo mal que vem por bem de que necessitava o produtor e entusiasta da reincidente vaga francesa de electrónica (e seus requintados meandros). Nem que fosse para acidentalmente ver refrescada a estética que haveria de definir a matéria algo dispersa que compõe Monsters & Silly Songs. Isto porque, perante a adversidade que conheceu, Joakim decidiu descompactar toda a informação (e dedicação) enclausurada no fatídico disco rígido e distribui-la por uma formação mais rock (com guitarra, baixo, bateria e voz) que, obrigatoriamente, torna mais exposto o factor humano de um disco que, mesmo quando falha, fá-lo de um jeito que entretém.

Torna-se, a partir daí, facilmente constatável qualquer argumento que afaste Monsters & Silly Songs de uma plataforma de seriedade, que, à partida, nem seria muito compatível com canções que assumem no seu título alguma tolice e na sua aparência descomprometida uma liberdade e franqueza nerd muito semelhante à que Jimmy Tamborello administra no seu projecto James Figurine (com a diferença de o fazer isoladamente, mas igualmente bem). O único dever missionário que parece assumir Monster & Silly Songs é aquele que o leva a trabalhar as partículas de poeira electrónica enquanto esta não assenta – absorvendo e baralhando um electro sujeito a aplicações pouco ortodoxas (em “Three Legged Lantern” adormece em horizonte tropical) ou aproveitando o frenesim ao ricochete das balas cruzadas disparadas por toda uma emergente armada residente numa França em ponto de ebulição (Justice, DJ Medhi e toda a turma Ed Banger).

Talvez por nunca aparentar ser um objecto acabado, Monsters & Silly Songs fica até ilibado das suas excentricidades com a desculpa de que não houve oportunidade para reavaliação do que viria a ser incluído no disco. Os monstros mais sagrados, muitas vezes indistinguíveis como OVNIS que ninguém se atreve a identificar sob juramento, acabam por ser aqueles que estimulam um qualquer nervo mais susceptível à divina arte de ser aparvalhadamente inspirado: “Sleep in Hollow Tree”, por exemplo, consegue recuperar a profundidade retro (na sua altura, futurista) de um sintetizador absolutamente John Carpenter para efectuar uma permuta que o torna numa conto de apicultor com uma cadência muito semelhante à alucinação relatada em “It Fit When I Was a Kid” dos bipolarizados Liars de Drum’s not Dead. Essa, à imagem distorcida de muitas das congéneres contempladas em Monsters & Silly Songs parece ter nascido para usar sapatilhas de fitness, acabando por ver serem-lhe destinados uns patins ou um par de barbatanas. Sem deixar de obter reacções tão obrigatórias, neste caso, como a dança e o puro divertimento, Joakim deixa no ar a suspeita de que este seu monstruoso empreendimento (64 minutos é obra!) podia ter asas para voar além do tempo que normalmente se esgota com o abandono de um primeiro estado eufórico.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
04/06/2007