É parcialmente responsável pela racionalização e alguma suavização do stoner um Josh Homme que mais não poderia ter feito em abono da sofisticação e versatilidade do género com os seus Queens of the Stone Age, que, para desilusão dos partidários do mefistofélico ex-baixista Nick Oliveri, nunca deixaram de ser a banda que o primeiro gere como quer. Nas mãos de Homme, o stoner deixou de ser apenas o duelo entre colossal riff rastejante e baixo abominavelmente distorcido, para passar a ser o recurso mais potente quando era necessário marcar um pico nas velozes histórias de paixão e tentação arquivadas em Rated R ou Songs for the Deaf. Figurativamente, esse processo fez com que abandonasse o aspecto simbólico de motel ensanguentado, observado a partir do exterior, para passar antes a constar nas inscrições crÃpticas deixadas pelos hóspedes e marginais nas suas paredes. Enfim, dir-se-ia que perdeu alguma da fibra que lhe conferiam os sagrados Sleep e o sentido mais jam dos seus épicos montanhosos. Sem denegrir a bem intencionada opção de Josh Homme (que é excelente escritor de canções e dono de um humor Ãmpar), atribua-se igual mérito a uns Earthless que são antÃdoto da estabilização do stoner no sentido de que voltam a torná-lo num Moai – estátua tÃpica da Ilha da Páscoa - quando a tendência era para ser um busto de contornos mais definidos e polidos.
São responsáveis por tão heróico encargo uns Earhless que correspondem basicamente à mais espessa nata (quase crosta) rock de San Diego, formada a partir do hardcore e projectos tão valiosos como os Rocket From the Crypt ou os Hot Snakes. Por sua vez, a formação que rachava lenha em Sonic Prayer mantém-se a mesma no seu complemento registado ao vivo, Sonic Prayer Jam, apenas disponibilizado num coleccionável e transparente (embora a cor varie) 10 polegadas: Isaiah Mitchell continua a ser bisonte na guitarra, Mario Rubalcaba um Golias que tem como extensão corporal uma bateria e Mike Eginton o mesmo abusador de groove ilegal extraÃdo à s cordas de um baixo.
Todos eles são suspeitos de terem concentrados no termo sonic prayer os mesmos desejos de superação permanente do volume de electricidade e energia capaz de ser armazenado no mesmo bloco maciçamente rock repetido em ascensão apontada ao cosmos - sem que o padrão impeça a infiltração de solos capazes de fazer revirar os olhos a um hipnotizador ou, na segunda parte, uma quebra rÃtmica propÃcia a trip que se evade ao fardo corporal. Além de servir como tÃtulo a uma das três faixas presentes no arrebatador segundo álbum Rhythms from a Cosmic Sky, lançado recentemente pela Tee Pee, Sonic Prayer, na sua encarnação ao vivo, distingue bem as capacidades dos Earthless para, sob pressão da urgência, reformularem a disposição das coordenadas estabelecidas em estúdio com um rigor e calibre que fará semeará dúvidas em relação ao que compõe o sangue e músculos dos membros da banda californiana.
Sobre a sonoridade do trio lisboeta entretanto tornado duo CAVEIRA, houve quem um dia a apelidasse de stoner das barracas - com alguma legitimidade, aponte-se, já que praticada com notória dificuldade em assentar numa estrutura ou a cimentar os ritmos sucedidos quase sempre a uma velocidade alucinante. O segredo que pode valer ao stoner a sua sobrevivência será provavelmente nunca vir a sedimentar-se num mesmo lugar que trace o seu perfil e o identifique como um corpo estagno. Os Earthless são o mais sonante e competente nome actual do stoner norte-americano por motivo de, em disco (de estúdio ou ao vivo), elaborarem verdadeiros simuladores de viagens galácticas condensadas entre o quarto de hora e os vinte minutos. Com toda a justiça, coroem-se estes como senhores do stoner que se escuta quando até a barraca abana.