A figura da tenista que ocupa a relevo a frente de 23 distingue-se imediatamente pelas quatro pernas que tem como membros inferiores, em vez das duas normais. Cada uma dessas insinua um simbolismo equivalentemente provável de ser associado à anomalia exposta. De imediato, suspeita-se que seja sofredora de uma mutação a mulher que da cintura para cima tem uma aparência clássica. A mesma proporção corporal pode ser atribuÃda a uns Blonde Redhead que, ao nÃvel do tronco, se revelam consistentemente canónicos na prática de um maduro indie e que, pelas suas próprias pernas, possuem mobilidade para que nunca se deixe estagnar esse que à s vezes se acomoda ao abrigo de ser apenas um hobby extra-curricular. Existe compromisso no trio sedeado em Nova Iorque e um culto imenso a quem prestar contas. A primeira das conquistas arrecadadas por 23 é a sua independência de termos comparativos que os foram perseguindo desde que mereceram o apadrinhamento de Steve Shelley, baterista dos Sonic Youth.
As quatro tonificadas pernas de 23 podem também servir como igual número de extensões capilares à Medusa (ou Musa) invertida que se ramifica em enquadramentos estéticos que os Blonde Redhead dispõem num eixo que parece suportar sempre mais uma aposta de risco ganha e uma pincelada de imaginação que ninguém anteciparia vir a preencher lacunas já de si imperceptÃveis. Esse tal preenchimento de som que torna 23 quase maciço deve-se principalmente ao alcance de um shoegaze de longa cauda que torna bombons como “Top Rankingâ€, coisa de provocar inveja colectiva aos Daft Punk e Ladytron, num rotineiro acontecimento elevado à condição de precioso por captação de detalhes escapados à primeira vista. Leva isso a que 23 seja uma chuva de estrelas cadente. Para assegurar os desejos dos mais ávidos de shoegaze de topo quem mais se não Alan Moulder no lugar de produtor. Ele que foi orientador espiritual e guru técnico de monumentos insuperáveis no género como Loveless dos My Bloody Valentine, além de colaborador habitual dos Jesus & Mary Chain. Surpreendentemente, nem só de shoegaze e sonhos lanosos se faz 23 que também conta com electrónica e vocoders ao serviço da intensificação das cores do seu arco-Ãris (que esmorece apenas na final “My Impure Hairâ€).
Quatro enquanto signo do elemento quÃmico inédito que resulta da equação que soma as genéticas de Kazu Makino – voz apontada aos céus - à s dos gémeos Pace. Tão inédito por aqui como num dia recuado havia sido o bombástico chinfrim cafeÃnado de “Mother†ao irromper pelo quinto disco Melody of Certain Damaged Lemons, onde vertia ácido sobre os ouvidos que não aguardariam certamente o cruzamento entre surf-rock e o feminismo assanhado das God is my co-pilot. Surpresa de igual porte sucede-se como uma “S.W.†estranhamente semelhante a “A Punchup at a Wedding†dos Radiohead, mas categoricamente centralizada num piano que não deixa de levitar como um disco voador que marca um encontro imediato entre uma melodia que se alastra e o véu de uma marcha pomposa que espreita em jeito de celebrar tão magnÃfica circunstância. Sobra a “S.W.†uma grandeza pela qual venderia a alma ao diabo aquele rapaz dos Coldplay que ainda não se decidiu quanto a que Ãdolo imitar.
Quatro, sobretudo, como forma de concordar com uma 4AD que mais não pode fazer pelo requinte do rock que um dia viveu algum desnorteio próprio da juventude e que, sobre a sua alçada, ocupa um pedestal de graça decididamente confiante dos seus recursos. Em conformidade com o que de mais proveitoso oferecem os discos da 4AD, 23 é um daqueles sonhos de imersão que ninguém gosta de ver interrompido. As quatro pernas que tem sobre o solo são, do avesso, o mesmo número de antenas apontada a um céu imenso preenchido por uma miscelânea – da dream pop ao referido shoegaze - que só muito raramente soa tão equilibrada como aqui.