“Basically, what it comes down to is that I was probably heavily sedated on cough syrup half the time I recorded most of the songs"
Acabou a almofada sonora dos sonhos contĂnuos, acabou o Ăştero de roteiros imprevisĂveis por texturas transcendentais, acabou a primeira fase do sono. Começou, subitamente, a fase em que a respiração soluça e a pele transpira. Acabou a concha, começou o lirismo. Eric Kowalski, o genial bedroom musician norte-americano (Milwaukee mais precisamente), dedica-se agora Ă exploração incessante de um imaginário definitivamente mais perto do noise-pop (Add (N) to X ou Fischerspooner diz-vos alguma coisa?), por um lado, e do psicadelismo, por outro.
Embora continuem presentes as referĂŞncias dos ambientes de Isan ou Boards of Canada, “Whole Numbers Play The Basics” escava um pouco mais nas raĂzes da mĂşsica ambiental, chegando a um tesouro que vai sendo progressivamente esquecido: a obra de Brian Eno.
Existe um certo paralelismo entre Casino versus Japan e os inevitáveis BoC, ambos objectos de um culto avassalador, muito devido Ă sublime simbiose que conseguiram estabelecer entre a mĂşsica electrĂłnica e a introspecção; com “Music Has The Right To Children”, os Boards of Canada ergueram muito rapidamente um certo mito, nada inocente, comparável ao mito presente Ă volta de Kowalski. Mais do que isso, ambos tiveram Ă espera do segundo álbum uma considerável mole humana; com soluções estĂ©ticas difĂceis, que os auto-propunham, na práctica, para um beco sem saĂda, os BoC e CvsJ foram pelo caminho mais oblĂquo, nĂŁo se deixaram cair no sofá com as pantufas e o comando da televisĂŁo, e moldaram dois álbuns difĂceis, mais agressivos e mais complexos.
Concretizando em “Whole Numbers...”, a evolução foi notável e pauta-se por uma maior complexidade melĂłdica e rĂtmica. A paleta sonora tambĂ©m cresceu consideravelmente, abordando agora os ruĂdos de forma sistemática e sistematizada; por outro lado, a gestĂŁo dos silĂŞncios, e, em geral, dos altos e baixos, Ă© extremamente sugestiva, envolvente atĂ©. Relativamente a “Go Hawaii”, que era composto por um conjunto de mĂşsicas assentes em fĂłrmulas mais ou menos previsĂveis (mas que, por isso mesmo, podiam deixar, em determinados contextos, um ouvinte em delĂrio), este álbum Ă© um percurso, uma viagem, uma histĂłria, ou, se quiserem, uma sinfonia: o todo Ă© maior que as partes. Continuam a prevalecer, porĂ©m os heavy beats e os teclados etĂ©reos, chĂŁos sonoros que sĂŁo, para Kowalski, o ponto de partida, o inĂcio da criação.
Tendo como principal ponto de interesse a genial “Aquarium”, por sinal mais prĂłxima dos sons antecedentes, “Whole Numbers Play The Basics” consegue, tal como em “Go Hawaii”, criar atmosferas a priori totalmente novas, e Ă© esse um dos fascĂnios de Casino versus Japan.
Um pormenor interessante prende-se com a constante referĂŞncia aos nĂşmeros – começando com “Single Variation Of Two”, o nome da primeira mĂşsica – talvez para reforçar a ideia, já explorada pelos paladinos do Ambient Techno, de que por muito introspectiva e intimista que seja a mĂşsica, em especial a dos laptop musicians, Ă© sempre constituĂda por um elemento ao mesmo tempo repugnante, como objecto de estudo, e fascinante, como meio de comunicação e composição: a matemática.