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Casino Versus Japan Whole Numbers Play The Basics

2002
Car Park Records


“Basically, what it comes down to is that I was probably heavily sedated on cough syrup half the time I recorded most of the songs"

Acabou a almofada sonora dos sonhos contínuos, acabou o útero de roteiros imprevisíveis por texturas transcendentais, acabou a primeira fase do sono. Começou, subitamente, a fase em que a respiração soluça e a pele transpira. Acabou a concha, começou o lirismo. Eric Kowalski, o genial bedroom musician norte-americano (Milwaukee mais precisamente), dedica-se agora à exploração incessante de um imaginário definitivamente mais perto do noise-pop (Add (N) to X ou Fischerspooner diz-vos alguma coisa?), por um lado, e do psicadelismo, por outro.
Embora continuem presentes as referências dos ambientes de Isan ou Boards of Canada, “Whole Numbers Play The Basics” escava um pouco mais nas raízes da música ambiental, chegando a um tesouro que vai sendo progressivamente esquecido: a obra de Brian Eno.

Existe um certo paralelismo entre Casino versus Japan e os inevitáveis BoC, ambos objectos de um culto avassalador, muito devido à sublime simbiose que conseguiram estabelecer entre a música electrónica e a introspecção; com “Music Has The Right To Children”, os Boards of Canada ergueram muito rapidamente um certo mito, nada inocente, comparável ao mito presente à volta de Kowalski. Mais do que isso, ambos tiveram à espera do segundo álbum uma considerável mole humana; com soluções estéticas difíceis, que os auto-propunham, na práctica, para um beco sem saída, os BoC e CvsJ foram pelo caminho mais oblíquo, não se deixaram cair no sofá com as pantufas e o comando da televisão, e moldaram dois álbuns difíceis, mais agressivos e mais complexos.

Concretizando em “Whole Numbers...”, a evolução foi notável e pauta-se por uma maior complexidade melódica e rítmica. A paleta sonora também cresceu consideravelmente, abordando agora os ruídos de forma sistemática e sistematizada; por outro lado, a gestão dos silêncios, e, em geral, dos altos e baixos, é extremamente sugestiva, envolvente até. Relativamente a “Go Hawaii”, que era composto por um conjunto de músicas assentes em fórmulas mais ou menos previsíveis (mas que, por isso mesmo, podiam deixar, em determinados contextos, um ouvinte em delírio), este álbum é um percurso, uma viagem, uma história, ou, se quiserem, uma sinfonia: o todo é maior que as partes. Continuam a prevalecer, porém os heavy beats e os teclados etéreos, chãos sonoros que são, para Kowalski, o ponto de partida, o início da criação.

Tendo como principal ponto de interesse a genial “Aquarium”, por sinal mais próxima dos sons antecedentes, “Whole Numbers Play The Basics” consegue, tal como em “Go Hawaii”, criar atmosferas a priori totalmente novas, e é esse um dos fascínios de Casino versus Japan.

Um pormenor interessante prende-se com a constante referência aos números – começando com “Single Variation Of Two”, o nome da primeira música – talvez para reforçar a ideia, já explorada pelos paladinos do Ambient Techno, de que por muito introspectiva e intimista que seja a música, em especial a dos laptop musicians, é sempre constituída por um elemento ao mesmo tempo repugnante, como objecto de estudo, e fascinante, como meio de comunicação e composição: a matemática.


Nuno Cruz
05/11/2002