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King Kong Buncha Beans

2007
Drag City / AnAnAnA


É intrigante e curioso o equilíbrio que se descobre ao ânimo dos músicos além e ante a máquina fotográfica que captou uma das imagens que melhor define o pós-rock da década de 90: aquela em que Will Oldham (Bonnie “Prince” Billy) enquadra os Slint embanhados pelo lago de Utica, no estado do Indiana, e que serviria de capa à obscuridade tornada clássica pedra-de-toque, Spiderland. Equilíbrio, neste caso, porque os Slint ofereciam como fachada a um disco subterraneamente negro e contorcido em angústia quatro expressões faciais inversamente despreocupadas, entre as quais se descobriam mesmo sorrisos. Era como se o tumulto emocional estivesse afundado no preto e branco da água, ancorado nos estômagos submersos. A mesma ambiguidade descobre-se a quem retratou o momento – um precioso Will Oldham que, mantendo intermitente o disfarce Bonnie “Prince” Billy, nunca deixou de surpreender pela imprevisibilidade que o leva de folker fatalista a comediante stand up conforme a corrente da sua vontade.

A invocação de Spiderland acontece apenas porque, dezasseis anos mais tarde, Buncha Beans exibe um número demasiado de paralelos para passar impune à comparação que o qualifica como nemésis bem-humorada do recuado disco bem mais sofrido dos Slint. Senão vejamos: Ethan Buckler integrou certo dia a formação dos Slint como baixista e, nesses termos, cunhou o protótipo de cariz quase fúnebre Tweez. Decidiu-se, depois, por partir em busca de um rock mais dançável e descomplexadamente divertido e, para tal efeito, escolheu o desígnio de King Kong, que, com este Buncha Beans, revela o sétimo disco, após um interregno de cinco anos. Ao passado de Buckler nos Slint acrescente o auxílio nas gravações a cabo de Paul Oldham, o irmão Oldham que geralmente oferece o baixo e auxílio técnico aos projectos mantidos pelos consanguíneos Will e Ned com quem partilha (partilhou) o veículo Palace e as suas milhentas ramificações. No que toca a castas, familiaridades e esferas coabitadas, Buncha Beans não podia ser mais paralelo a Spiderland. Em tudo o resto só muito vagamente os discos partilham de quaisquer intersecções.

Ethan Buckler parece muito mais empenhado em recapitular liricamente tudo aquilo que explora o indie quando comissionado a fazer-se passar por música produzida por gente simples para gente simples (logo de ego diminuto e apto a convivência em comunidade) - neste caso, barrando de inteligência amanteigada um disco que consegue ser episódico, próspero em humor, adoravelmente ridículo (tanto quanto a marcha de sintetizadores que introduz a homónima “Buncha Beans”), existencialmente ciente (e pronto a projectar isso na insignificância de um insecto em “Bug Make”), referencial como revela uma “Tough Guys” sem fim à vista na sua enumeração de alcunhas em modo de ridicularização dos trejeitos da testosterona norte-americana. À confecção deste chilli, Ethan Buckler sabe que doses de ingenuidade recuperar aos cancioneiros de Wesley Willis e Calvin Johnson e como transformar os King Kong nuns Mogwai hipnotizados pelo charme vibrafonista de Roy Ayers em “Sue Na Mi”. Convence em todas essas apropriações. Sumarizando as coisas, a sua criação Buncha Beans vale como simpática e eficaz relativização da seriedade associada aos pós-rock.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
30/04/2007