Proponho o seguinte exercĂcio: voltĂĄvamos uns anos no tempo e confrontava-mos Beethoven, Wagner ou Mozart com uma mĂșsica dos Rolling Stones. Qual seria a sua reacção? A resposta a esta pergunta nĂŁo parece ser difĂcil, certamente que ficariam, no mĂnimo, amargurados. Outra: convidĂĄvamos qualquer pessoa de meia idade para quem o fado ainda Ă© o futuro Ășnico da mĂșsica a ouvir um disco orientado para pistas de dança. O resultado deveria ser parecido com o desafio jĂĄ proposto. E tudo isto para quĂȘ? Para explicar que o ouvir de um disco nĂŁo se compadece apenas com o nosso gosto pessoal, com o estilo a que pertence, ou com a ideia predefinida que temos do artista. Se hoje ao ouvir um disco do futuro podia ficar desgostoso, tambĂ©m tenho que pensar que atĂ© lĂĄ vai um longo percurso de evolução e experimentação. Ă com esta atitude que Ă© pois aqui encarado o disco de Magweels, tĂŁo distante de uma canção pop que quase assusta, tĂŁo perto de um futuro incerto que atĂ© surpreende. A mĂșsica de hoje (especialmente esta) estĂĄ tĂŁo distante de uns Beatles, que quase parece apenas ter ruĂdos e barulhos sem sentido. As melodias estĂŁo postas de lado, mas nĂŁo perde âpontosâ por isso. SĂł tem de ser encarada de forma diferente, porque Ă© uma mĂșsica diferente.
âEvebuildingbombâ Ă© o quarto disco (se considerarmos o ĂĄlbum de 1994) de David Sullivan, que se apresenta aqui como Magwheels. Lançou por volta de 1994 ainda em cassete um disco homĂłnimo e jĂĄ em 2001 âTreaktorâ e âLantersâ, ambos com ediçÔes muito limitadas, que fizeram disparar uma sĂ©rie de atençÔes sobre este senhor. David Sullivan tambĂ©m assina o interessante artwork de âEvebuildingbombâ, mostrando nele capacidades que passam alĂ©m da mĂșsica.
A editora apresenta o disco como mĂșsica para planos vazios e cĂ©us desertos. NĂŁo sei se poderĂĄ ser encarado assim. Sei, isso sim, que esta Ă© uma mĂșsica com um poder de agressividade enorme, que se penetra pelas profundezas do nosso corpo de uma forma absolutamente incrĂvel. Por entre as suas guitarras estendidas e os seus ruĂdos estranhos, as notas vĂŁo-se desfolhando por entre um vento imenso e uma paisagem dimensional. PerturbaçÔes e interferĂȘncias sĂŁo aqui instrumentos para uma beleza grandiosa e diferente, para uma nova dimensĂŁo onde o presente se transforma num futuro antecipado, onde tudo ganha novo fulgor.
Este disco situa-se entre aqueles que nĂŁo sĂŁo para audição regular. Talvez para momentos mais introspectivos, ou para acompanhamento de um livro que lhe esteja Ă altura (de preferĂȘncia escuro e sombrio).
âEvebuildingbombâ Ă© um disco ruidosamente emocional. Ou se gosta, ou se detesta, mas todos quantos o ouçam tĂȘm de admitir uma coisa: David Sullivan sabe bem o que quer, e como o fazer.