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Topes Ilustres - Fernando Temporão
· 29 Dez 2014 · 17:23 ·


Os meus destaques do ano de 2014 foram, na essência, artistas que produziram obras que jogam em vieses opostos e, ainda, complementares. Por vezes tendo a acreditar que estamos num momento de fundação, de consolidação de uma nova e poderosa geração de artistas, músicos e produtores no Brasil. Gosto de, no lugar de artista, observar meus pares, os movimentos da maré no tempo….de ver para onde o vento tem nos levado. Listo:
 
Gustavo Galo, que no disco (Asa), deixou no ar uma digital importante quando pensamos em novos compositores e artistas que trabalham a canção no Brasil. A inteligência elegante das letras, da produção e dos arranjos somada a potência melódica das canções me emocionou bastante. Gustavo faz um trabalho que, pelo menos para mim, foge de um certo estereótipo cansado e repetitivo do cantautor moderninho, tão comum nos dias de hoje. Achei o disco sensível, potente, coeso. Um trabalho sério.
 
Alice Caymmi fez exatamente o que deveria ter sido feito em (Rainha dos Raios), disco que me deixa feliz porque revela uma artista consciente e não apenas uma cantora. Revela também um produtor talentosíssimo (Diogo Strauz), que já havia me chamado a atenção no trabalho com o Castello Branco. Achei que os acertos estão em todas as partes: no repertório corajoso e bonito, na produção acertada e na voz grave da Alice. Essa última não é um acerto artístico, mas genético. Pra além de toda essa questão repetitiva da filiação, algo que deve ser cansativo para a Alice, e de tudo o que isso traz de bom e ruim para a carreira dela, vejo nesse album uma energia nova, corajosa e sincera. Escutei o disco poucas vezes, mas o suficiente para gostar, e entender a força e o potencial disso tudo que está nascendo.
 
A Banda do Mar foi um acerto. Antes de qualquer consideração artística, acho bom, bonito e interessante que um casal de artistas com carreiras tão bacanas como Camelo e Mallu tenham resolvido gravar juntos. O disco reflete com profundidade e leveza – de mãos dadas – todas as qualidades de cada um deles. As canções são lindas, os arranjos são frescos, precisos. É música – muito boa música - para a radio. Fico achando que é um ponto alto, principalmente na carreira do Camelo, e que ao mesmo tempo coroa uma forma de pensar a canção e impõe uma mudança daqui para frente. Eu não diria – com toda a qualidade do disco – que essa forma de fazer música, de pensar a doçura e evocar os acasos do amor, se esgotaram, mas imagino que os próximos passos deveriam ser mais desafiadores. Tanto para o Camelo quanto para seu público. 
 
É muito bom, pra quem curtiu tanto a Banda do Mar como eu, que Juçara Marçal tenha lançado seu (Encarnado) justamente em paralelo temporal. São formas muito diferentes de temas, som, imagens e sensações. Isso me faz pensar que o momento é plural e os assuntos não precisam se repetir. Esse disco é, para mim, o melhor do ano. Um disco cru, seco, afiado. Da arte gráfica, passando pela sonoridade, pela voz da Juçara, pela ideia da morte ser a estrela guia. ‘Encarnado’ é um discaço que acerta nas composições, na ideia de unidade, porque oferece uma estética central incomum e complexa. Kiko Dinucci e Rodrigo Campos são dois nomes fundamentais na música contemporânea do Brasil e me fazem acreditar que se estabeleceu, de fato, uma geração corajosa de artistas independentes.
 
Gilberto Gil com seu (Gilbertos Samba) entra para a minha lista de melhores por dois motivos: porque regravar o repertório sagrado de João Gilberto, num contexto de bossa, é trabalho arriscadísimo, mesmo para um gênio como Gil e, em segundo, porque a abordagem foi absolutamente contemporânea e despreocupada. E nada disso diminui ou maculou o resultado. Pelo contrário. A ideia, que venho sustentando por aqui, de que há uma nova geração instalada na produção da nossa música, também se confirma nesse álbum. Domenico, Bem Gil, Moreno Veloso: todos envolvidos num projeto de bossas tradicionais, ajudando a desconstruir a forma de maneira linda e suave. O disco é fantástico porque o violão do Gil é moderno, sua voz – com todas as modificações do tempo – é única e porque o instrumental faz essa ponte espaço-temporal entre 1960 e 2014. O resultado é fantástico.
 
Silva nesse seu Segundo disco (Vista pro Mar) reafirma a condição de grande artista pop dos últimos anos. Muito paralelos foram traçados com músicos de outras gerações, mas a capacidade de compor boas canções e de oferece-las uma roupagem verdadeiramente distinta, leve, é única. Acho interessante que as passagens de brasileiros por Portugal tragam de alguma forma a ideia do Mar, que é o nosso não-lugar. O que nos une, nos separa e ajuda a nos dar significado como coisas distintas. Silva é um ótimo cantor, compositor, produtor, instrumentista e esse ‘Vista Pro Mar’ mantém o nível artístico fantástico do ‘Claridão’ de 2012.
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