ETC.
LIVRO
Rip It Up and Start Again
Simon Reynolds
· 10 Set 2005 · 08:00 ·
Rip It Up and Start Again
Simon Reynolds
2005
Faber and Faber
Rip It Up and Start Again
Simon Reynolds
2005
Faber and Faber
"Rip it up and start again", cantava Edwyn Collins em Fevereiro de 1983 por cima duma batida moderna (para a altura), em "Rip it Up", single da sua banda Orange Juice. Simon Reynolds teve em 2001 a ideia de pegar nessa frase para escrever um livro sobre o pós-punk, aquela altura esquisita, que Reynolds situa entre '78 e '84 depois do punk, quando as possibilidades eram infinitas. O resultado é Rip it Up and Start Again, um portentoso monumento à música, àquilo que a música pode fazer, partindo do pressuposto que a música pode mudar o mundo.

Ao contrário do que acontece noutros escritos de Simon Reynolds, e até àqueles do seu blog, Bliss Blog, onde Reynolds surge verborreico, Rip it Up and Start Again é uma leitura fácil e cativante. Nota-se que Simon Reynolds, o quarentão com ar de puto que vemos na contracapa, barba feita, óculos de massa, ama realmente a música sobre a qual escreve, que por detrás de todo o trabalho de pesquisa (e há muito), de todas as entrevistas, há o prazer da audição e da partilha de toda aquela música que transparece na sua escrita e nos agarra, querendo continuar a ler. O livro está dividido em duas partes, a parte dedicada ao pós-punk e a parte dedicada à nova pop, tal como imaginada por Paul Morley, ex-escriba do NME, e uma das figuras omnipresentes ao longo do livro que nos últimos capítulos se torna o foco da pena de Reynolds como mastermind da editora ZTT do produtor Trevor Horn. Cada parte tem vários capítulos, divididos por editoras, por géneros musicais, por pessoas, por locais ou por datas.

Temos os sucedâneos directos do punk, como os Public Image Ltd. de John Lydon, os porta-estandarte de todo o movimento do pós-punk (se é que se pode chamar-lhe movimento), temos os projectos de Howard Devoto dos Buzzcocks, de Vic Godard dos Subway Sect, tudo aquilo que os ex-punks fizeram para, basicamente, "rip it up and start again". Vemos também como Malcolm McLaren, outra das figuras omnipresentes, se espalhou por vários e vários projectos depois de não conseguir tudo aquilo que queria fazer com os Sex Pistols. É uma das figuras que, não contribuindo directamente para a música, fez muito por ela. Génio ou louco (ou os dois), tentava controlar os seus artistas, explorando tabus como a pedofilia e um judeu sem ritmo que acaba a fazer hip-hop ("Buffalo Gals", o seu grande êxito, perfeito para breakdancers). Em termos de figuras que influenciaram a música mas não a fizeram, o livro é abundante, aparecendo, entre muitas outras menos mediáticas, nomes como Geoff Travis (da Rough Trade, primeiro loja e depois editora/distribuidora), Tony Wilson (da Factory) ou John Peel (o mítico DJ da BBC).

Todo o livro parte do pressuposto que o punk foi mais uma revolução ideológica do que musical. A música, em si, nada tinha de inovadora, apenas parecia refrescante, mas era na verdade muito conservadora. O pós-punk é, então, o período abundante em óptima música em que todas aquelas influências que foram rejeitadas, nomeadamente o rock progressivo, são abraçadas, bem como o reggae, o funk e outros ritmos negros, o krautrock e numerosos outros estilos. Keith Levene, guitarrista dos Public Image Ltd., dizia que muitos dos guitarristas punk faziam por não saber tocar e na realidade tocavam muito melhor do que aparentavam. É aqui que entra a perda dos preconceitos todos, bem como a abertura de muitas portas e formas de pensamento. A frase que mais bem caracteriza o pós-punk é aquela que surge na contracapa, uma citação de Allen Revensine dos Pere Ubu: "Os Sex Pistols diziam que não havia futuro, mas há um futuro e estamos a tentar construí-lo." (adaptada para português). A lista de nomes focados é extensíssima, bem como os temas que são focados, mas há uma altura no livro em que o pós-punk abre as portas à nova pop, aquela que, tendo as suas origens na Escócia, acabou por tornar-se naquilo a que normalmente associamos os anos 80: música sobreproduzida e sem sumo, muita parra e pouca uva. Mas, antes disso, houve inúmeros pensadores, como Green Gartside dos Scritti Politti, que imaginaram tudo isto. Mas, tal como tudo o que é bom, esta abundância tem de acabar. Simon Reynolds escolhe 1984 como o derradeiro ano para o pós-punk. Depois disso, as bandas foram perdendo a sua força, o seu vigor, ou tornaram-se conservadoras (uma das figuras centrais do pós-punk, John Lydon, nos anos 90 rejuvenesceu os seus Sex Pistols e no novo milénio tornou-se estrela de um reality show, contra todos os seus ideais de pós-juventude) e pouco relevantes. Mas os discos perduram, e Rip it Up and Start Again fala de todos os mais importantes.

O pós-punk torna-se novamente importante com a onda revivalista do novo milénio. Não só bandas como Franz Ferdinand (guitarras angulares dos Josef K), Interpol (ambiência negativista dos Joy Division) ou, em exemplos deste ano, Maxïmo Park vão beber ao pós-punk, algumas com bons resultados, outras com maus, algumas cópias, outras não tão copionas assim, também a vaga de bandas noise e afins baseiam muita da sua música nas pesquisas de frequências sonoras dos Throbbing Gristle do início ou os seus devaneios de percussão nos This Heat. E outros nomes, como LCD Soundsystem, !!!, The Rapture, percebem a importância do cowbell e geram-se através do punkfunk nova-iorquino e, no caso dos LCD Soundsystem, de toda a cultura britânica da música de dança que veio após o pós-punk.

Rip it Up and Start Again foi o nosso Código Da Vinci deste Verão, depois de o termos "perdido" na praia e voltado a encontrar, entre milhares de aventuras, conseguimos finalmente acabá-lo com o livro intacto. Rip it Up and Start Again é um livro extenso, que não tinha intenções de ser o livro definitivo sobre o pós-punk (muito dele está escrito na primeira pessoa, e a meio Simon Reynolds até começa a falar sobre a sua mulher, Joy Press, também ela escriba), mas acaba por ser. Com tantos e tantos livros sobre o punk, é bom agora alguém lembrar-se de escrever um realmente bom sobre o pós-punk. E este consegue ser uma óptima fonte de conhecimento, sem ser chato nem aborrecido, sendo um livro escrito por alguém que ama a música, percebe a sua função e o seu espaço na vida das pessoas, e conhece aquilo que a música pode fazer. E ainda por cima o livro pode ser encontrado na AnAnAnA.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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