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Thor Harris
O Poderoso Thor


Foi nos Swans que muitos de nós observaram, pela primeira vez, aquela figura quase mastodôntica que se viria a revelar, em conversas posteriores a concertos, o que os Gato Fedorento descreveriam como "uma jóia de moço". É-o, de facto, apesar do nome nos remeter para super-heróis ou deuses de trato sério e corpo musculado.

Após sair dos nova-iorquinos, Thor Harris decidiu enveredar não a solo, mas na companhia de amigos - Peggy Ghorbani e Sarah Gautier - que com ele fizeram já dois discos e que com ele estarão esta noite na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Antes disso, falámos com ele sobre música, política e, até, Madonna.
Quantas vezes foste já questionado sobre a iminência de Ragnarök?

Bem, onde vivo chamamos-lhe apocalipse, e é diariamente tópico para discussão.

Apesar de teres um currículo impressionante, tendo tocado nos Shearwater e com pessoas como Bill Callahan, Devendra Banhart e Ben Frost, os fãs de música de hoje em dia conhecem-te melhor pelo teu trabalho nos Swans. Quais são as melhores memórias que guardas de trabalhar com a banda, e o que aprendeste ao fazê-lo?

Aprendo coisas novas com todas as pessoas com quem trabalho. O Bill Callahan, por exemplo, nunca volta ao estúdio para melhorar o que seja. Trabalhamos rapidamente, e é na boa dar pequenos erros. Quanto aos Swans: o Michael [Gira] é um visionário. Ele não quer que os músicos soem de forma refinada, ou como miúdos do conservatório. Velhas regras não são permitidas. Ele é controlador, nervoso e exigente. É também incrivelmente generoso e leal para com os seus amigos. Aprendi tanto com ele. Ensinou-me a repetir algo até ser aborrecido, e continuar a repeti-lo, e de repente é incrivelmente interessante outra vez! Como quando dizes uma palavra, repetidamente, até começar a soar cómica e errada. Como não toquei bateria na banda, isso permitiu-me aprender a tocar novos instrumentos e até construir alguns especialmente para os Swans. 

Tenho andado a ler um livro intitulado Beating The Fascists, sobre a história da Anti-Fascist Action, uma organização no Reino Unido activa nos anos 80 e 90 que se dedicou a lutar contra neo-nazis. Algumas das coisas presentes no livro ressoam ainda hoje: a desintegração de uma esquerda que resvala para a ortodoxia, nazis capazes de apelar a uma classe operária branca e desprovida de direitos, governos que não agem no sentido de resolver o problema que é a ascensão rápida de um movimento fascista, muitos que acreditam que ele só se resolverá com palavras e não também com os punhos... Tendo em conta aquilo que se passa no mundo, hoje em dia, como podemos nós trabalhar no sentido de manter longe dos processos de decisão grupos fascistas e neo-nazis? Como pode a esquerda superar as suas diferenças e trabalhar por um bem comum - a aniquilação do pensamento fascista? E, mais importante ainda, é melhor esmurrar nazis ou matá-los?

Nunca me rendo quando algum idiota quer fazer voar a sua bandeira da ignorância. Vivemos tempos horríveis, mas sobreviveremos (bom, alguns de nós). Sê simpático quando podes. Uma ameaça contra uma pessoa ou animal vulnerável NUNCA será tolerada. Nunca deixes que um nazi se sinta seguro. Nem um apoiante do Trump. Nem um apoiante do Brexit. A linguagem do ódio é prelúdio para a violência. Espero que não tenhamos de matar ninguém.



Na Galeria Zé dos Bois, vais tocar enquanto Thor & Friends, com a Peggy Ghorbani e com a Sarah Gautier. Como começou este projecto e como foi o processo criativo para ambos os vossos discos?

Dei um concerto a solo em Montréal. Foi assustador. Tive muitas dúvidas em palco. Pensei: "Que estou a fazer? Será isto aborrecido?". Não foi ideia minha. Tinha já marcado um segundo concerto a solo em San Antonio quando pedi à Peggy e a uma génia do violino chamada Violinda para tocar comigo. Foi incrível! Meses mais tarde, a Goat [Sarah Gautier] juntou-se a nós num concerto em que abrimos para o Bill Callahan. Ficou cada vez melhor.

As pessoas familiarizadas com o teu trabalho poderão achar este tipo de música algo inesperado, dado ser tão introspectiva e silenciosa. Estavas cansado de fazer barulho, ou foi uma forma de te desafiares a ti próprio enquanto músico, sem que te rotulassem como uma espécie de "músico agressivo"?

Quando compomos, hoje em dia, toco uma melodia simples na marimba, ensino-a à Peggy, e a Goat vem e toca outra coisa por cima disso. Levo 52 anos neste planeta e consumo música de forma voraz desde os seis. Gosto de vários tipos de música e aprendi a tocar alguns deles. O movimento minimalista é apreciado pela maioria dos músicos aventureiros. O Michael Gira envia-me, muitas vezes, peças minimalistas.

Li que passaste por um período de depressão clínica quando estavas na casa dos vintes. Hoje em dia, e parcialmente devido às mortes de gente como o Chris Cornell e o Chester Bennington, as pessoas parecem mais abertas a discutir a doença. Em primeiro lugar, sentes que os músicos em geral estão mais predispostos a sofrer de depressão, como algumas pessoas têm postulado? Em segundo, já ultrapassaste esse período? E, em terceiro, que dirias a alguém a viver por um período de depressão e pensamentos suicidas?

A depressão aterroriza mais músicos, artistas, escritores e outros tipos de pessoas criativas. Atinge vítimas de todas as profissões. Quanto tinha 27 anos e fui diagnosticado pela primeira vez com depressão, tive vergonha do meu estado. Esta vergonha e este secretismo só o pioraram. Lentamente, aprendi que isto não era bom e que apenas perpetuava os velhos estigmas, que nos têm mantido afastados de discutir abertamente a depressão e outras doenças mentais. Falar sobre isso ajuda-me e ajuda outras pessoas. Ainda tomo medicamentos e ainda tenho episódios depressivos, mas estou melhor equipado para sobreviver a eles.

Em entrevistas anteriores, disseste que querias ser o Michael Jackson quando eras puto. O Thriller é o melhor trabalho dele, ou és mais Bad?

Gosto do trabalho a solo dele, mas o Michael Jackson que eu queria ser tinha uns 8 ou 10 anos quando eu tinha 6 ou 8. Foram os Jackson 5 e outros praticantes do funk e da soul do início dos anos 70 que me salvaram da apatia da infância na América suburbana.

És conhecido por ser bastante activo no Twitter. Que pensas das redes sociais em geral?

Ligou a sociedade à escala global, de uma maneira com a qual os nossos antepassados apenas sonhavam. Claro que pessoas odiosas a usam para pregar o evangelho do ódio. São uma ferramenta nova que devemos monitorizar e utilizar cuidadosamente.

Com quem gostavas mais de tocar, das pessoas com as quais ainda não o tenhas feito?

Fantasio sempre tocar numa banda de música de dança como os LCD Soundsystem, os KC & The Sunshine Band, os Oingo Boingo, os Ohio Players. Mas desde os anos 80 que não toco numa...

Se te candidatares a Governador do estado do Texas e fores eleito, qual será a tua primeira ordem de trabalhos?

Desisti da corrida, porque gosto da candidata que o Partido Democrata escolheu. É uma lésbica hispânica. Se as pessoas hispânicas forem votar, podemos derrubar o patriarcado anglo que tem mantido o Texas na idade das trevas. Prefiro ser um músico em digressão. Quero um governo completamente diferente daquele que temos no Texas e em muito dos Estados Unidos. O socialismo democrático vai substituir, eventualmente, aquilo que temos. O Partido Republicano está a ir contra a vontade do povo. São anti-educação e anti-ambiente. São as duas coisas que mais precisamos de proteger e criar.



Que canção melhor descreve o Texas a alguém que nunca lá foi?

As primeiras cenas dos Butthole Surfers são a música mais texana alguma vez feita.

Tendo em conta a tua famosa lista sobre "Como Viver Como Um Rei", especialmente o item número 18, como é que eu consigo fazer passar um cantil pela segurança?

Não costumo beber. O meu amigo Chad Rains é que juntou essa à lista...

Provavelmente não sabes disto, mas a Madonna está actualmente a viver em Lisboa. Achas que ela ia gostar da "Crusades" ou é mulher para curtir mais a "Lullaby For Klaus"?

Eia, uau. A Madonna gostaria de toda a nossa música, mas como apresentação devias provavelmente mandar-lhe a "Crusades". É um single de sucesso. Não que o tenhamos.

Finalmente, qual é o melhor conselho que podes dar a jovens músicos?

Façam o disco que gostariam de ouvir, não o que acham que vos trará fama. Ser carpinteiro e canalizador por conta própria permitiu-me andar em digressão ao longo dos últimos 30 anos. Aprendam a fazer algo para terem trabalho entre empregos musicais. É uma forma merdosa de fazer dinheiro, por isso tornem-se bons a fazer outras coisas.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
13/12/2017