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Gossamers
Quem me dera


A teia cresce, ganha novas formas, desenhos geométricos, sempre com a aranha em seu centro. Mas mantém-se estupidamente frágil, a um encontrão de todo o trabalho se perder e ficar colado na roupa ou na testa, obrigando o pobre animal a recomeçar do zero.

A palavra "gossamer" parte daí e oferece-se como nome ao projecto de Ângelo Tibério de Carvalho, que nestas lides é também um dos cabecilhas da Amplificasom, a promotora responsável pelo Amplifest e por inúmeros concertos de bandas mais que relevantes. Atirando-se de cabeça, ele próprio, para a música está neste momento a preparar-se para uma das suas primeiras grandes actuações: no Reverence Portugal, já esta sexta-feira. Ei-lo, em discurso directo.

Para quando um split com Swans?

Quem me dera!

Não é muito usual alguém ligado a uma promotora enveredar pela criação musical. Que motivou este projecto?

Encaro os dois projectos como distintos, embora por vezes haja um overlap que é um pouco inevitável. A motivação para fazer música esteve sempre lá, desde muito antes de estar ligado a uma promotora. Pelo meio, houve meia dúzia de bandas e projectos que ou falharam ou com os quais não estava satisfeito. Depois de ter saído da última banda onde estive, montei as tralhas todas no quarto e resolvi tentar fazer algo sozinho.

Que tipo de bandas ou projectos eram esses? Porque falharam?

Uns a cair para o pós-rock, outros mais pesados, outros que não duraram tempo sequer para haver um rumo definido... Retiro o "falhar" porque é uma palavra pesada demais, quando estamos a falar de fazer música – o tempo nesses projectos foi sempre bem passado. Mas estes ou se desvaneceram naturalmente ou eu decidi seguir outro caminho. O normal, acho.

Ter este projecto também ajuda a arranjar mais facilmente primeiras partes para os concertos da Amplificasom?

Ficas tu na bilheteira? Agora a sério, não me parece que seja algo que vá acontecer, a não ser que seja uma circunstância que faça mesmo muito sentido.

© Maria Mendes

Se não existisse esse overlap, com que artista gostarias de tocar ou ter tocado?

Bem, o Tim Hecker é uma influência que não escondo, portanto é o nome que à primeira me salta à cabeça. Mas, na altura em que tocou numa Amplifest Session, ainda nem existia Gossamers. Além de que, nessa noite, o ATILA deu um concerto do caraças na primeira parte.

De onde vem o nome, Gossamers?

Ainda andei algum tempo à procura de um nome, mas a dada altura a palavra "gossamer" pareceu-me adequada para ilustrar uma certa leveza ou fragilidade que tento transmitir. O plural da palavra surgiu a partir do método que uso, o de sobrepor várias camadas/loops. E ajuda a não ter um parênteses a seguir ao nome no Discogs, quando lançar um disco...

Falavas do Tim Hecker: é através dele, e de artistas como ele, que alguém do metal acaba a fazer música de cariz mais ambient?

Já há uns anos que tendo a não me considerar "do metal", mas sim, acredito que nomes como o Tim Hecker possam fazer essa ponte. Mas talvez outros nomes como os Nadja, ou até os próprios Sunn O))), associem mais directamente os dois mundos. Sem esquecer a ligação ao drone, com os Earth, Barn Owl e afins.

Também se notam algumas influências drone na tua música, por acaso. Porquê, quando ambos sabemos que o pináculo do género é a versão dos Sunn O))) da "For Whom The Bell Tolls" dos Metallica?

Foda-se, nem sei o que responder a isso...

Como começou e como defines esse amor pelos Metallica?

Sendo um puto de nove anos, obviamente sem Internet e com pouco mais opções de música para ouvir do que as cassetes da minha irmã mais velha. Melhor banda do mundo, no entanto.

Várias das peças que publicaste no Soundcloud têm mais de dez, quinze minutos. Numa era em que as pessoas procuram a gratificação instantânea da pop, e não só, torna-se imperativo fazer com que as pessoas percam um pouco mais tempo a ouvir?

Acredito que música como o ambient ou o drone possam servir como escape ou como contraponto à velocidade a que tudo se move hoje em dia. Também acredito que há e haverá sempre lugar para todas as expressões musicais, ou artísticas no geral – cada uma servindo o seu propósito. A pop e afins irão sempre, felizmente, existir, mas pelo menos na minha percepção os géneros de música mais marginais têm cada vez mais adeptos, mais artistas, mais labels. O que também há de derivar desta era em que vivemos, onde há muito mais acessibilidade a informação. Não vejo portanto o que descreves como algo a vencer ou a ultrapassar, muito pelo contrário.

© Maria Mendes

Ao compores, o título da peça vem antes ou depois? Compões segundo uma ideia que depois lhe dá o nome, ou é o resultado final que depois inspira o nome?

Acontecem ambos os cenários que descreves, mas o mais comum é o primeiro, onde há um conjunto de palavras, e uma imagem mental associada, que servem como ponto de partida.

A "El Lamento Del Cabrón", dos Orthodox, continua a ser o melhor nome de música de sempre?

Continua, claro. Mas e a "You Fucking People Make Me Sick"?

De que forma transpões aquilo que fazes em casa para um contexto ao vivo? O que se pode esperar do concerto no Reverence?

Felizmente o processo é semelhante e não necessita de grandes adaptações para o palco, uma vez que utilizo o mesmo equipamento. Deixo no entanto uma margem maior para improvisação. Tocar no Reverence é um desafio e, principalmente, uma honra enorme - pelo que vou fazer o melhor para estar à altura da ocasião.

Se o FC Porto fosse uma malha de Gossamers, a que soaria?

À "Baby Blue" dos Deafheaven?

Para terminar: tendo em conta o teu passado enquanto estudante e o tema da tua tese de mestrado, Portugal está preparado para um abalo sísmico ou iremos todos morrer?

Sei lá...


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
05/09/2017