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Live Low
Electrónica contemplativa


Pedro Augusto, antigo Ghuna X, novo Live Low. Licenciado em Belas Artes - Escultura, pendeu para a música electrónica e, mais tarde, para a instalação sonora, graças a uma ida à Feira da Vandoma. Deixar Ghuna X significou uma abertura para que outros músicos integrassem o dispositivo, mas significou também uma aposta maior nos espectáculos ao vivo. Uma passagem do individual ao comum. O que muda, na realidade, é o pensamento e o desejo de algo mais artesanal e, claramente, mais experimental, apesar da adição momentânea das guitarradas. O disco homónimo, lançado no final de 2014, tem na sua base conceptual ideias relativas à natureza, à ruralidade até, que resultam em harmonias contemplativas. O trabalho, no sentido lato, importa. Seria portanto profundamente injusto não referir o trabalho do autor na área da arte contemporânea, nomeadamente o concerto-performance a partir de Iannis Xenakis, com Jorge Queijo, realizado em Serralves, a propósito de um conjunto de fotografias do processo SAAL pertencentes ao arquivo do Arquitecto Alexandre Alves Costa. Para já, Live Low tem presença garantida no Tremor, em Ponta Delgada, a 28 de Março, e no Milhões de Festa, em Barcelos, no fim do mês de Julho.
Como surgiu a necessidade de alterares a tua identidade musical? Ou seja, deixares Ghuna X para passares a Live Low?

Inicialmente, o que queria era mudar o formato ao vivo. Tocar com mais músicos e tornar a experiência de concerto mais forte. O material de Ghuna X sempre se caracterizou pela relação de ideias e fontes bastante variadas e aqui interessava-me estabelecer um entrosamento melhor entre esse material - mantendo o valor da dinâmica numa forma regular – e o acto performativo. Trabalhar electrónica com outros músicos implica um dispositivo mais aberto e é disso que ando à procura. Partilhar o palco, também passa por colocar de parte um carácter individual, que não se enquadra no projecto.

No resultado as diferenças são evidentes. E quanto ao processo criativo?

Bem, normalmente reformulo todo o meu processo de trabalho em função do projecto ou da ideia que quero desenvolver. Nesse aspecto, nada muda. Mas ter chegado a um conjunto de ideias e timbres que me interessava continuar a explorar, ajudou à transição para Live Low. Adicionalmente, havia um interesse acrescido em fundir a sonoridade electrónica que exploro e os instrumentos mais “convencionais”. Quis que a “voz” desta nova música não continuasse a ser um elemento puramente electrónico.

Recuando uns anos, como chegas até à música electrónica? Conta-nos um pouco do teu percurso na música.

Creio que posso referir dois aspectos mais ou menos simultâneos. Poderia dizer que são o hardware e o software da minha formação. De um lado estão as minhas primeiras experiências com o circuit bending, piezos, colunas e microfones. Também cheguei a construir vários pedais de distorção a olhar para esquemas na internet. Em 2005, comprei na Feira da Vandoma, a minha primeira máquina musical – uma TR 707. Antes disso já tinha aprendido a trabalhar com o Cubase, o Ableton Live e o Logic por influência de amigos, mas ficava demasiado impaciente com o trabalho no computador, era pouco tangível para mim. Por isso, fui adquirindo algum material pelo qual me deixava, conscientemente, condicionar. Ou seja, se acabasse por conseguir um órgão a válvulas um pouco desafinado, não estaria muito preocupado em corrigir isso. Foi assim que surgiu por exemplo o “Ghuna X Plays the Philicorda”. Tentei encontrar nas minhas edições um paralelo com o meu processo de trabalho. Dificilmente faria música sem uma ideia ou um objectivo e isso, terá a ver com a minha formação e pesquisa que desenvolvi enquanto artista-estudante.

© Dinis Santos

É importante relembrar que és formado em belas artes e que o teu trabalho enquanto artista não se resume à música. Como lidas com esta multiplicidade e que consequências ressalvas da interdisciplinaridade dos teus trabalhos? Isto é, os teus trabalhos das várias áreas dialogam? De que forma?

Bem, não se resume à música na perspectiva do consumidor, mas tem uma grande relação com som. Se pensar no meu trabalho de instalação e performance, isso está lá. Não tem o aspecto nem a apresentação convencionais, mas a preocupação existe. Obviamente, que desenvolvi áreas ainda mais distintas, algumas exaustivamente como o desenho ou a serigrafia. Mas encontrei mais dimensões, mais pertinência e alcance conceptual no trabalho com som. E ele, não dependendo da dialéctica visual, persiste muito mais como uma ideia – de um modo abstracto. Intuitivamente, aplico métodos de trabalho semelhantes, muitas vezes assentes na recolha e no desvio.

Há uma certa dose de experimentação neste teu trabalho, nomeadamente o uso de latas, almofadas, ferragens, etc, e que implica movimento de corpo. Há algo de performático nestas escolhas? Possivelmente transferido para as actuações ao vivo?

Definitivamente. Existe um lado prático e de acessibilidade desencadeado em estúdio. Na construção rítmica dou por mim a percutir vários objectos, às vezes apenas na perspectiva de anotar uma ideia. Mas isso acaba por ficar registado e passa a ser assumido. Gosto de conviver com todo esse material e aplicar uma certa ideia de “extended techniques”. Claro que se estivermos a falar de uma almofada, isso tem uma certa piada. Para estas primeiras actuações ao vivo, decidi concentrar-me mais nos músicos que estiveram comigo e nas possibilidades dos seus instrumentos. O meu lado performático baseou-se, por isso, numa espécie de operação, usando a mesa de mistura. Mas, tenho vindo a desenvolver um pequeno setup com o qual possa trabalhar em tempo real e que encaixe na sonoridade de Live Low.

Em várias entrevistas referiste que este é um projecto virado para a sustentabilidade e para a ecologia. Esta ideia é fundamental para a fruição completa da música?

Não necessariamente. São questões que abordo subtilmente e que se prendem mais com uma narrativa que uso para mim. Uma espécie de história subliminar que me ajuda a definir escolhas em estúdio. Uma dessas escolhas, tem a ver com o Tempo lento, algo que associo a trabalho rural (estou a lembrar-me de registos etnográficos do Giacometti) ou até a uma caminhada, e ao lado contemplativo que ela sugere. Mas, creio que o lado abstracto da sonoridade de Live Low, permite que cada um crie as suas narrativas.

Primeiro surgiu o conceito ou a forma? Quando surgiu o conceito, quais foram as primeiras ideias que tiveste para que conseguisses transpor o conceito para a forma musical?

A relação conceito-forma aqui é bastante recíproca. As primeiras ideias estiveram relacionadas com questões de forma e de processo. Tiveram a ver com escolhas: o tempo e compasso, os materiais, os geradores de ruído, a cadência da música. E, obviamente, estas escolhas práticas foram desencadeadas pela ideia de êxodo, de caminhada, de pegada ecológica, etc. É um processo bastante circular.

© Dinis Santos

À margem disso, há qualquer coisa nas músicas de Live Low que caminha sonâmbulo para o isolamento. Quase a sensação de não sabemos para onde vamos. É assim mesmo?

Tento criar algo que seja aberto a interpretações, mas essa perspectiva parece-me adequada.

Já colaboraste em várias bandas sonoras de filmes. Vamos fazer ao contrário… Se o teu trabalho como Live Low tivesse um filme qual seria (sem contar com o referencial Yama No Anata)?

Não sei que filme seria, mas estaria certamente na categoria de documentário.

Nas actuações ao vivo, optaste por acrescentar a guitarra que só aparecia em "Evil Money". Porquê?

Por várias razões. Uma delas prende-se com o valor referencial do instrumento. Interessa-me a fusão, mas não a dependência de um timbre tão específico que encerre a música a priori. O que funciona como meio catalisador, para mim pode representar um estreitamento. Condiciona demasiado a escuta e oferece um argumento claro. Preferi ser mais comedido na edição do EP, e manter uma audição mais abstracta, que envolva os ouvintes de um modo ininteligível. E também, porque não quero resumir estas músicas a uma guitarra ou a um modo de tocar. Estou a explorar diferentes participações, não só da guitarra do Luís K.. Esse tipo de experiências leva muito tempo e o projecto podia arrancar sem isso.


Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com
19/03/2015