bodyspace.net


ATILLLA
Não faz isso Bé-bé-bé-Béco


O evento era o Burning Light Fest, e o fã veio do Porto de propósito para assistir aos concertos dos Bölzer, Morte Incandescente, Oathbreaker e Mantar. Falamos de Miguel Béco de Almeida, que anda há já alguns anos a compor paisagens negras e industriais sob o moniker ∆TILLL∆, cujo quinto disco saiu recentemente, numa edição em cassete com o selo da Bisnaga Records. Aproveitando uma pausa nos concertos da tarde, esgueirámo-nos com ele para o Continente mais próximo e trocámos algumas impressões sobre este V, que se revela para já um dos melhores trabalhos de 2015. Este é Miguel Béco, em discurso directo ao Bodyspace.
Este é o teu quinto disco. Como é que te sentes?

Sinto-me bem com ele. Acho que há uma diferença - pelo menos eu sinto-a - em relação aos outros [discos], até demorou mais tempo a ser lançado por isso. É uma espécie de maturação, os outros têm sido um bocado ensaios, brincadeiras... não brincadeiras, mas sinto que há uma maturação quer a nível técnico, de produção, quer a nível criativo, da forma como as coisas são arranjadas, e acho que será um pontapé de partida para coisas maiores e coisas melhores.

Portanto os outros serviram como aprendizagem? Porque este disco soa muito mais "limpo" em relação àquilo que os outros soavam, já parece que tens ali realmente a ideia daquilo que queres fazer como ∆TILLL∆.

Sim, acho que é por aí. Os outros foram todo um processo de aprendizagem no qual estava um bocado a "definir-me", a ouvir coisas, a experimentar coisas... aqui quis juntar e limpar aquilo que não interessava e deixar só o que interessava, encontrar uma fórmula que fizesse mais sentido.

Como é que foi o processo de criação? É sempre no quarto? Que te inspirava para começares a compor?

Era no quarto e era quando saía. Todas as semanas, quase todos os dias, pego no computador ou pego nalguma coisa e tento fazer música.

És daquelas pessoas que quanto tem uma ideia se apressa a transcrevê-la?

Sim... Às vezes, muitas delas vão para o lixo ou são só "experiências", até para sair da minha área de conforto - é algo que eu tenho andado a fazer mais, ultimamente. Experimentar coisas que não ouço. Imagina: tentar fazer dubstep, ou tentar fazer techno, uma batida que soe àquilo ou aqueloutro que não vou usar, que nem sinto que seja "eu", mas é retendo essas experiências que tu vais fazendo aquilo que te interessa e depois criar uma fórmula principal em que vais trabalhando. Trabalhas num dia, ouves no dia seguinte, limpas aquilo de que não gostaste, voltas a trabalhar por cima... Foi um processo mais ou menos assim. Mas foi relativamente rápido; comecei a trabalhar neste disco para aí em Maio/Junho.

Dirias que o V é um disco conceptual? Pela carga que têm os títulos, por parecer que contam ali uma história...

Eu gosto de pensar que tenho ali um ciclo, ou uma história, qualquer coisa. Quase que um ciclo de criação e destruição, ou seja, a formação da matéria, do Homem, e depois a destruição. Mas não quero dar essa carga conceptual [ao disco] porque a música é instrumental e eu gosto da música sem voz (também porque não tenho a voz para a fazer). Mas é mais por uma questão de interpretação: acho que tu próprio disseste que era um disco que produzia imagens fortes e eu gosto disso, gosto que seja aberto à interpretação.



Toda uma questão mais cinematográfica.

Sim, exactamente: é mais uma questão cinematográfica e de uma intenção geral, de uma sensação geral em cada uma das faixas e no ciclo completo.

Vês-te a escrever a banda sonora de algum filme?

Já o fiz, para curtas-metragens. Foi um projecto de final de escola, em que eu fiz direcção de som, construção, fiz também a banda sonora... E outra foi agora, também, no âmbito do mestrado, que era uma coisa meio surreal, e consistia essencialmente em drones e coisas assim mais abstractas. Mas era algo que gostava de fazer, sim.

Para algum realizador ou filme em particular?

Não te sei dizer... (risos)

Para o Until The Light Takes Us, por exemplo.

Era sempre bom... mas acho que para aí já há mais que material, até sobra música (risos). [Talvez] para um Gummo, parte dois.

Falavas da destruição. Sendo tu um gajo do black metal, que te apela mais na destruição que na criação?

Não acho que uma coisa se anule à outra. Lá está: o processo criativo também é um processo destrutivo - como eu dizia antes, tu vais sempre eliminando coisas. Gosto de ver um paralelo com a evolução. Survival of the fittest; há coisas que sobrevivem e há coisas que se vão perdendo pelo caminho, que se extinguem. A destruição é necessária para a criação porque não há espaço para tudo.

Consideras-te um tipo filosófico?

Não sei. Acho que às vezes tendo a ser mas não penso muito sobre isso.

Porque este disco parece ter essa carga.

Tem, tem. E eu gosto de pensar as coisas, nesse sentido sou um gajo filosófico. Mas, ao mesmo tempo, a forma como faço a música ou como ouço a música é muito pela sensação, pela emoção. Não gosto de dar conceito a uma coisa quando aquilo que interessa é só a sensação que me provoca.

Não gostas de vozes nas tuas canções. Porquê o convite ao António Costa? Foi ele a tua primeira opção?

Porque, tal como te tinha dito, gosto de sair da minha área de conforto. Já o conhecia, já tinha pensado sobre o assunto... Foi, foi a primeira opção. Numa noite de copos, obviamente... Os dois embriagados no Canhoto e eu virei-me para ele e disse "olha, era fixe tu cantares numa música do próximo álbum de ∆TILLL∆", e ele curtiu da ideia. Foi ele que fez a letra, gravou, e tudo o mais. Eu basicamente mandei-lhe a faixa mais ou menos feita - não estava finalizada - e ele gravou por cima, e depois o resto foi muito rápido.

Como têm sido as tuas apresentações ao vivo? Tens conseguido transpor fielmente o que tens no disco ou improvisas?

Não gosto de repetir concertos. Improviso sempre. Já estou mais agarrado à base, porque nos meus primeiros concertos eu improvisava demais, era tudo muito solto... mas agora tenho-a, que são as músicas dos discos, as batidas estão lá, etc., não estou preso ao tempo, os sintetizadores vão fazendo camadas de noise um bocado diferentes. Uma música pode durar três ou seis minutos, conforme me estiver a sentir na altura.

Tens stage fright?

Não, por acaso não. Só até trinta segundos antes. Até aí estou muito nervoso, depois entro e sai tudo de uma vez. Eu faço o set sempre seguido, nem paro nem gosto de parar porque não quero olhar para as pessoas - se calhar isso é stage fright... Mas enquanto estou a fazer aquilo, desde que me esteja a soar bem não me incomoda.

O noise alivia-te o stress?

Sim. Muito. É o que eu digo: não faço música, faço barulho...

O que é que a tua mãe acha disso?

No outro dia apanhei-a a ouvir ∆TILLL∆, na sala, porque ela é fã de ∆TILLL∆ no Facebook... mas não comenta, só diz que tem de ir ver um concerto meu um dia destes. Tenho de lhe arranjar guest.

Tu ganhaste o concurso da Amplificasom para abrires para Tim Hecker. Achas que isso foi prova de que começas a ser mais conhecido no meio? Estavas minimamente à espera de ganhar?

Estava q.b. à espera, para ser sincero. Porque moro no Porto, dou-me com a malta da Amplificasom, conheço aquele meio, e a verdade é que também eles estavam a apontar para um nicho muito específico que pudesse abrir [esse concerto], ou seja, uma coisa que se enquadrasse com Tim Hecker, que fosse da zona do Porto e que fosse pequena o suficiente para não ter outro tipo de exigências. Acabou por surgir naturalmente. Obviamente não estava com certezas, mas acabou por correr bem.



Até porque a partir daí o teu nome começou a ser mais falado que nos quatro anos anteriores.

Sim, sim. Foi curioso porque comecei a ser mais falado no ano passado, em 2014, o ano em que não lancei nada, em que resolvi perder o medo e começar a dar concertos. Comecei com coisitas pequenas, depois apareceu esse do Tim Hecker que foi realmente o primeiro de maior...

É um salto interessante: tu passaste de um tipo que estava a vender as suas cassetes à porta do Amplifest para tocar num evento da Amplificasom...

Sim... Foi uma reviravolta muito boa. E a partir daí tem sido melhor; na festa do Salgado já tinha muito mais pessoas a ver, foi muito bom ter ido a Santiago de Compostela, que correu muito bem - ou então são os espanhóis que são naturalmente efusivos, não tenho a certeza... Mas tenho a dizer que sou fã da Estrella Galicia.

Porquê o nome ∆TILLL∆?

Essa pergunta é muito clássica e eu fico sempre sem grande resposta. Porque, lá está, na altura era quase uma brincadeira de quarto... Primeiro, porque eu, e não percebo muito bem porquê, tenho uma ligação muito forte à cultura dos hunos, e dos húngaros, gosto muito daquela zona, não sei se por estar ao lado da Transilvânia... Acho que o próprio nome impõe uma certa aura de poder, de medo, e ao mesmo tempo de respeito, uma coisa que não deixa de ser nobre ao mesmo tempo que é carnificina. E a associação com a figura, mesmo com o Attila, também não me chateia.

Como concilias, em termos criativos, ∆TILLL∆ com Örök?

Ando muito mais em exploração com ∆TILLL∆ e Örök é uma coisa mais tradicional. Se calhar é onde estou mais na área de conforto. Oiço black metal há muito tempo e acho que faz sentido fazer [isto]. Na altura gravei o disco [de Örök] sem grandes expectativas e tive bom feedback, e agora vou tocar a Barroselas e vou lançar um disco em breve. Mas concilio porque ou estou concentrado numa coisa ou noutra, e o processo de criação é muito diferente. Em Örök é muito mais "canónico". Pegar na guitarra, sacar uns riffs, ver como soa.

Que se segue na vida de ∆TILLL∆?

Mais coisas. Já as ando a fazer. Quero ver se tenho um EP pronto ainda este ano, coisas mais diferentes, mais trabalhadas, electrónicas. Ver se isto chega a outros caminhos, outros mundos. Lá fora talvez. Gostava de tocar com Haxan Cloak, Prurient, Necro Deathmort... Essas influências.

Vale a pena cortar os pulsos ao som de ∆TILLL∆?

Não, nunca vale a pena cortar os pulsos.

Se o Niklas Kvarforth te ouve...

Da última vez que o vi estava mais calminho - estava só a apagar cigarros no peito e a beber um Jack Daniels. Podendo bebo um com ele em Barroselas...


Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
12/02/2015