bodyspace.net


Apanhador Só
Acção, celebração, revolução


Os Apanhador Só andam nisto desde 2005 mas foi com o segundo disco, Antes Que Tu Conte Outra, editado em 2013, que o seu nome começou a andar de boca em boca no Brasil. A música do agora trio abriu-se então a um público mais vasto e chegou inclusive a ser usada como força activista (o que explica o título desta entrevista), numa altura em que o Brasil atravessava dias bastante agitados. Falamos de indie rock mas que isso não os impeça - por favor - de ter uma mensagem ou de usar gaiolas, talheres, walkie talkies e um ralador de queijo - entre outras coisas - para produzir som. O gosto pela experiência é algo que parece fazer parte do ADN dos Apanhado Só. São um dos maiores nomes da música independente brasileira da actualidade, têm actuado por vários países da América Latina e chegar até à Europa parece ser uma questão de tempo. Para saber o que os trouxe aqui e, sobretudo, para onde caminham estes Apanhador Só, falamos com Alexandre Kumpinski, voz, violão, guitarra e principal autor das canções da banda.
Para quem não conheça, contem-nos por favor a história da banda...

A banda iniciou na época em que estávamos no colégio, ainda adolescentes, em Porto Alegre. Nessa época não tínhamos ainda nenhuma pretensão de tocar profissionalmente, mas conforme começamos a lançar nossos primeiros materiais, as pessoas foram gostando e a gente começou a encarar a possibilidade de seguir a carreira de músicos mais a sério. O nosso primeiro álbum se espalhou bastante espontaneamente através da internet, em 2010, e isso fez com que passássemos a ter público em vários lugares do Brasil. Começamos, então, a fazer turnés nacionais e a encarar a música como profissão. Em 2013 lançamos nosso segundo álbum, que vem sendo muito reconhecido como um disco que acompanhou esteticamente esse momento político-social bastante peculiar pelo qual o Brasil vem passando.

Corrijam-me que se estiver enganado mas parece-me que este vosso último disco foi o disco que vos catapultou para um público mais amplo. Sentem que foi um longo caminho até chegarem aqui?

De fato, a partir do "Antes que tu conte outra", nosso público cresceu muito. Se formos tomar como parâmetro os números nas redes sociais, mais do que quadruplicou. Mas é como se não tivesse sido um caminho tão longo assim, porque esse crescimento não veio do nada, não foi como se tivesse havido finalmente uma explosão depois de muitos anos trabalhando sem nada acontecer. O crescimento se deu de forma gradual, firme, baseada numa relação sempre bastante próxima e prazerosa com o público. Quando o segundo disco chegou, chamando mais gente para perto, já nos sentíamos bastante amparados. Claro que às vezes - principalmente mais no princípio - o caminho se mostrou árduo e incerto, com muita energia sendo gasta e pouco reconhecimento em retorno, mas chegou um momento em que as rodas já não pesavam mais tanto no chão.

Falem-me deste disco, do Antes que tu conte outra. Do que acrescenta aos vossos discos anteriores, das dificuldades do parto, das vossas ambições...

A partir do lançamento do Apanhador Só, o nosso primeiro álbum, em 2010, vivemos uma espécie de guinada pessoal que acabou influenciando - naturalmente - uma guinada artística. É difícil apontar os motivos exatos, os processos que se deram para que essa guinada acontecesse, mas é provável que passe pelo fato de que, a partir do lançamento desse primeiro disco, passamos a viajar mais pelo Brasil, a conhecer pessoas e diferentes lógicas, e - talvez o mais importante de tudo - passamos a ter mais visibilidade, maior alcance de comunicação e, consequentemente, mais responsabilidade sobre o que iríamos comunicar a partir de então. De alguma forma, percebemos que, se o mundo não está funcionando de um jeito que a gente julgue razoável em diversos aspectos, nos cabe então tentar influir nas mudanças que julgamos necessárias nesse mundo. Agora essa lógica já soa meio óbvia, mas antes era como se nos comportássemos a partir da ideia de que estávamos isolados de qualquer problema que existisse à nossa volta, não fazendo parte de suas causas, só sofrendo suas consequências, e mesmo assim não fazendo nada de concreto a respeito delas. Então mudamos, e esse processo de mudança influenciou naturalmente a nossa música. Algumas composições passaram a ter um teor mais politizado, mais crítico, e os arranjos passaram a ter mais espaço para ruídos, notas fora das escalas e experimentos que por vezes soam até um pouco incómodos. Era como se estivéssemos nos permitindo depositar na música as nossas próprias angústias e incómodos - que já podíamos sentir na época não serem só nossos. E é curioso notar que, concomitantemente a esse processo de mudança estética do nosso trabalho, aconteceu também um aprofundamento da nossa forma de gerir, política e economicamente, a banda. Passamos a evitar cada vez mais o envolvimento da nossa imagem e da nossa música com ações de marketing de grandes marcas, dispensamos a oportunidade de trabalhar com uma gravadora ligada à maior corporação de média da América Latina, decidimos financiar o segundo álbum diretamente com o nosso público, e mais uma penca de variadas decisões que apontam pra uma tentativa de fazer com que nossas atitudes sejam as mais coerentes possíveis com as nossas ideias e os nossos discursos (dentro e fora das letras das canções). O que não quer dizer que a coerência plena esteja sendo alcançada - provavelmente nunca vai ser, por conta das contingências e complexidades da vida - mas nos parece de extrema importância que - se queremos que o nosso discurso siga sendo de alguma forma potente - que essa tentativa siga sempre dando, sempre se atualizando.



Parece-me que é prática comum os novos artistas brasileiros apostarem no download gratuito dos seus discos. Sentem que tudo isso mudou o paradigma e a forma como os artistas independentes mostram o seu trabalho?

O uso da internet torna o acesso ao trabalho do artista mais democrático, porque elimina intermediários que antes tinham o poder de decidir qual artista iria chegar aos ouvintes. Assim, dá-se poder ao próprio público, deixando que ele mesmo decida o que quer ouvir. Da mesma forma, o artista passa a ter mais alcance, sem depender necessariamente de antigas corporações de média para que seu trabalho chegue nas pessoas. É algo que fortalece a autonomia dos artistas independentes, certamente.

Acham que existe hoje mais espaço para as bandas independentes no Brasil comparando com a altura em que os Apanhador Só começaram?

Acreditamos que o mercado independente é um mercado em formação. Quando começamos, a internet, que é umas das principais responsáveis pelo crescimento desse mercado, estava também ganhando espaço como meio de divulgação para novos artistas. Nessa época as redes sociais surgiram e começaram a ter cada vez mais importância na relação do artista com o público. Isso fez aumentar o número de artistas independentes, que de fato passaram a ter contacto real com as pessoas. Hoje é comum encontrarmos artistas que produzem o seu próprio disco, muitas vezes em casa, e que encontram um público que se interesse pelo seu trabalho. Temos a sensação de que isso só tem a crescer na medida em que o mercado independente amadurece.

Vendo alguns vídeos ao vivo de Apanhador Só, parece-me que os vossos concertos são bastante enérgicos. Diriam que os Apanhador Só são mais Apanhador Só ao vivo e a cores?

Talvez a maioria das coisas nessa vida seja mais potente ao vivo e a cores do que virtualmente, do que através de um documento. A energia que se cria na relação com o público ao vivo varia de show para show, mas normalmente é intensa e afeta muito a nossa maneira de tocar. Torna tudo mais vívido. Mas a Apanhador não é uma banda essencialmente performática, que precisa necessariamente se apresentar ao vivo para ser compreendida. Nesse sentido, a Apanhador é também a Apanhador dos discos. No fim das contas, ela é o conjunto das duas coisas.

Como é percorrer o país a mostrar a vossa música? Quais são os grandes desafios de seguir em digressão no Brasil? E as maiores recompensas?

O Brasil é um país de dimensões continentais. Ainda não conseguimos percorrer todo o território, mas já chegamos a uma boa parte. Um aspecto interessante disso é que podemos conhecer e tocar em muitos lugares peculiares e interessantes, para públicos muito heterogéneos. Talvez o grande desafio seja conseguir circular - a partir da ponta sul do mapa - por um país tão grande e com uma cena independente não muito bem estruturada em diversas regiões. Ainda tem ares de guerrilha em muitos momentos viajar pelo Brasil com uma banda independente, mesmo já com bom reconhecimento no país.

Para quando a Europa?

Ainda não temos afirmar nada concretamente, mas vários indícios apontam que isso não deve demorar muito para acontecer.



Parece haver uma relação cada vez maior entre a música portuguesa e a brasileira. Interessa-vos mostrar o vosso trabalho em Portugal?

Sim. Começamos a sair mais do Brasil agora em 2014, e a maneira como os públicos estrangeiros vêm nos recebendo tem nos dado vontade de circular cada vez mais pelo mundo. Portugal certamente é um dos destinos que seria muito interessante para nós, não só pela relação musical, mas também pela partilha da língua e por toda a questão histórica que toca os dois países. Conhecer e tocar em Portugal pode se tornar uma forma de auto-descobrimento de uma parte de nós mesmos.

Nesse Brasil pós-Copa, entre Dilma e mais Dilma...Como é viver em 2014?

É uma grande aventura. Os cruzamentos de lógicas e discursos e realidades e interesses se tornam cada vez mais complexos, mais intrincados. Tentar entender o que se passa à nossa volta e como se posicionar a respeito das coisas vem se mostrando uma tarefa cada vez mais exigente, difícil, maravilhosa. Os grandes poderes, a internet, a micro-política, os movimentos sociais, os sistemas económicos, as fronteiras, as mudanças de comportamento, as relações humanas, a relação entre todas as coisas se cria, se recria e se move tão rapidamente que viver em 2014 é estar bastante vivo (ou lutar para isso).

O vosso último disco já saiu em 2013. Há alguma coisa a ser preparada para 2015?

2015 está sendo programado para ser o ano de planear, organizar e viabilizar o próximo disco, enquanto finalizamos a etapa que diz respeito ao "Antes que tu conte outra". Provavelmente vai ser um ano bem movimentado (temos muitas ideias, mas nenhuma que dê para antecipar agora), mesmo que não de grandes lançamentos. O próximo álbum sai em 2016, se os planos se concretizarem.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
03/12/2014