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Bob Ostertag
Mais tarde ou mais cedo


Bob Ostertag é o homem dos mil ofícios. Senão vejamos: compositor, performer, historiador, sociólogo, construtor de instrumentos, jornalista, teórico, activista, instrutor de kayak e professor de Estudos Tecnoculturais e Música na Universidade da Califórnia em Davis. Conhecido sobretudo pelo lado político e interventivo da sua música, lançou mais de duas dezenas de discos colaborou com nomes como o Kronos Quartet, John Zorn, Mike Patton, Anthony Braxton, Justin Bond, entre outros, e guardou boas histórias - e experiências - desses encontros. Apresenta-se em concerto amanhã no Edifício Axa e no domingo na Fundação Serralves. Antes disso fomos falar com Bob Ostertag na tentativa de saber mais acerca da sua missão, das linhas mestras que norteiam o seu trabalho.
Vamos começar pelo fim, o que podemos esperar destes concertos em Portugal?

Boa música, espero eu.

O que nos podes dizer especificamente sobre Sooner or Later, a peça que vais apresentar no museu?

A peça é feita a partir de uma gravação de um rapaz que está a enterrar o seu pai, em El Salvador, em 1980. O pai dele tinha sido morto por soldados do governo. Triste, sim. Esperemos que bonito também. Eu escrevi essa peça em 1988, quando voltei às actividades musicais após vários anos imersos no movimento para derrubar a ditadura militar em El Salvador. É uma peça intensa. Eu não a apresentei durante vinte anos. Mas no próximo Verão vou voltar a El Salvador pela primeira vez desde 1988, para a tocar num festival que se realiza nas montanhas num antigo campo de guerrilha. Será certamente um grande marco na minha vida. Achei que deveria fazê-lo uma ou duas vezes antes disso. E Serralves foi gentil o suficiente para me dar a primeira oportunidade.



O que dirias que une o teu trabalho todos estes anos?

Um certo tipo de intensidade, do som que submerge o ouvinte e, esperançosamente, cria um espaço sonoro de meditação contemplativa.

De que forma deixas que questões políticas e sociais habitem a tua música? Como é que funciona esse processo?

Alguns músicos são atraídos para a melodia, alguns para o ritmo. Alguns pintores são atraídos para a cor, outros pela forma. As questões sociais e políticas são a minha musa. São, às vezes, o que me vem à mente quando me sento para trabalhar. São o meu meio natural. Eu faço arte sobre as coisas que importam na minha vida. E quando eu acordo e olho pela janela fora, o que vejo é a luta social. Outros vêem a cor, a forma, a narrativa. Eu vejo luta. Mas nota que não é sempre o caso. Embora as obras a que te estás a referir sejam, talvez, os meus trabalhos mais conhecidos, são uma minoria. Em Serralves vou fazer uma noite de música com um tema social/político, e uma noite com apenas som muito bonito.

Achas de alguma forma que a maior parte da música actual está desligada com qualquer tipo de mensagem cultural, social ou activista? Principalmente a música mainstream, ao contrário do que acontecia nos anos 60 e 70?

É difícil comparar. Por um lado, o significado de "música mainstream" mudou . Lembra-te que na década de 60 e 70, havia muito poucos meios "alternativos" disponíveis para fazer música disponível. Sem internet. Sem TV a cabo. Sem CDs ou DVDs. Nem mesmo vídeo, que chegou em 1980. Por isso tudo tinha de alguma forma de encontrar um espaço num campo muito estreito. Agora, existem tantas formas de fazer música. Um dos efeitos é que a música "mainstream" se tornou muito mais uniforme e monótona. Além disso, existem todo o tipo de declarações políticas e sociais na música hoje em dia. O que falta é o optimismo e a esperança dos anos 60 e 70. O que não surpreende, dado que toda a luta social da época chegou e passou e o mundo ainda está uma confusão e ameaçado por uma catástrofe ecológica.



Estás a dar aulas na Califórnia agora. O que estás a ensinar e como é que vês que a tua mensagem está a ser recebida pelos jovens estudantes?

Mensagem? Não tenho a certeza que tenha uma "mensagem”. A minha música, que é considerada muitas vezes "política", não tem uma mensagem. Eu não acho que ouvir essas peças vão mudar o mundo, ou mudar a mente de qualquer pessoa sobre qualquer coisa para para ser sincero. Eu faço arte sobre as coisas que importam na minha vida. Da mesma forma que não acho que um professor deva ter uma "mensagem". E na verdade estou cada vez mais convencido que na maior parte das vezes um professor não ensina nada a ninguém, no sentido em que essas palavras são normalmente utilizadas. Tento mostrar aos alunos um exemplo de uma vida dedicada à curiosidade intelectual e artística. Talvez essa seja a coisa mais valiosa que eu posso oferecer.

Colaboraste com muitos músicos nestes últimos anos. O que é que guardas desses momentos? Há algum momento especial que gostasses de destacar?

No final de contas, as experiências de colaborações são das melhores coisas que podes obter a partir de práticas artísticas, e no nível mais fundamental a coisa verdadeiramente importante que recebes é a profunda experiência de uma pessoa. Eu escolho os meus colaboradores menos na base do seu meio e mais por causa de quem eles são, a pessoa toda, tal como reflectida na sua arte. Tocar com o Anthony Braxton na década de 70 foi uma incrível para mim. O John Zorn e Fred Frith, também a partir de finais da década de 70. Jon Rose e Otomo Yoshihide foram importantes para mim. Phil Minton, Gerry Hemingway e Mark Dresser da minha banda de digressão na década de 90 e, mais recentemente, o Pierre Hébert. Adoro-os a todos. Não posso imaginar a minha música ou até mesmo a minha vida sem eles.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
13/12/2013