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Sir Scratch
Em nome da novidade


Sir Scratch não editava um álbum em nome próprio desde 2005, quando Cinema: Entre o Coração e o Realismo lhe rendeu críticas auspiciosas, entre as quais ser apontado, provavelmente, como o melhor músico surgido na área do hip hop nacional desde Sam The Kid. Agora, cerca de sete anos depois da estreia, surge amadurecido com Em Nosso Nome, que reflecte muito da sua vivência neste hiato temporal. Entretanto não esteve parado, como refere nesta entrevista, ocupando-se com concertos, mixtapes, viagens e participações. Mas uma certa procura pelo perfeccionismo levou-o a ir adiando o segundo lançamento, que conta com diversas colaborações ilustres, da área do hip hop e não só, às quais se refere como o seu «elixir de longevidade e crescimento pessoal». O músico fala-nos ainda de mudanças, sentimentos e propostas em tempos de crise.
Foi uma certa busca da batida perfeita que levou a que houvesse um intervalo tão grande entre o teu disco de estreia e este segundo álbum a solo?

Sir Scratch: Posso dizer que teve um pouco disso inconscientemente, dado o facto que gosto de fazer as coisas exactamente como as imagino desde o início, mas acima de tudo esta "demora" deveu-se ao facto de não ter como objectivo uma altura pensada para um segundo disco a solo. Concertos, mixtapes, viagens e participações, foram-me amadurecendo até agora e senti que chegara o momento.

Qual é a novidade anunciada logo no início do disco, na intro de “A Cruz”?

Seria muito arrogante dizer «Eu!» (risos). A ideia desta intro é ironizar o facto de muitas pessoas olharem para o músico ou artista como um sacrificado, como algo muito difícil, complicado e breve, quando para mim é algo que, apesar de poder ter um pouco disso, é o oposto. É das coisas - senão a coisa - que mais gosto de fazer e penso fazer pra sempre! Música! E a "boa nova" ou “novidade”, neste caso, é que vim relembrar essa minha fome de musicar, de fazer álbuns, de pisar mais palcos… e que vou e estou disposto a carregar essa "cruz".



O que mudou na cena do hip hop português desde a tua estreia? Ainda se colocam as questões apresentadas em “Faz Parte”? Em “Tendências” criticas certos oportunistas - não pensas que o hip hop em Portugal já deixou de ser uma moda para se assumir como um género que conquistou o seu espaço próprio?

Em relação à "Faz Parte", penso que tudo na vida muda, cresce, amadurece, sofre perdas e mutações. O hip hop não é excepção. É sempre bom relembrar e educar as pessoas pois nunca sabemos quem nos está a ouvir. Como músico sinto que tenho essa responsabilidade. Já a “Tendências” fala de hip hop mas não só, é mais um tema de observação desta neo-cultura 2.0, que segue as tendências cada vez mais em vez da individualidade, criatividade e identidade de cada um.

“Medo do Medo”, editado há uns meses por Capicua no seu disco de estreia, e “Por Medo”, incluído neste Em Nosso Nome, partilham um pouco a mesma temática. Pensas que andamos dominados por este sentimento?

Foi uma coincidência, mas uma coincidência totalmente normal nos dias de hoje, visto que a ameaça, o perigo, a incerteza e o desespero geram "o Medo". Cabe-nos a nós desde crianças termos a consciência disso mesmo e tentar combater os nossos medos. E a crise, a par de muitos outros sentimentos, também gerou o pânico e o medo, em relação ao presente e ao futuro na nossa sociedade.

Este é um disco repleto de colaborações vocais, não só do hip hop como de outras latitudes musicais. Pretendeste sair da tua zona de conforto ao convidar nomes como Noiserv ou Selma Uamusse?

Já desde o tempo dos Run DMC que o hip hop teve esse lado de "liberdade" de se exprimir de formas diferente. Para mim sempre foi uma das coisas que me deu mais prazer fazer dentro dos estúdios: colaborar, aprender, partilhar. Já mesmo antes deste disco fiz coisas com bandas como Cool Hipnoise, Pedro Laginha, Tiago Bettencourt, Groove 4tet. Colaborar será o meu elixir de longevidade e crescimento pessoal.

Como fizeste para manter um sentido de unidade em todo este mosaico de colaborações, tanto vocais como instrumentais ou de produção?

Penso que o único sentido de unidade que pode existir se deve ao facto de cerca de 90% da composição (vocal, estrutural, arranjos) ter vindo da minha cabeça. Foi mais uma espécie de enriquecimento e extensão das minhas letras e ideias, logo, mesmo envolvendo tantos músicos e sonoridades, todo o disco nunca deixa de ter a minha identidade e toque.



Contas com a voz de Carlos Barroca na intro de “Se Tás Nisto Por Desporto”. És fã da NBA?

Por acaso nem sempre tive SporTV!!! (risos). Mas, sim, adoro basketball e a NBA. O curioso dessa participação é que o tema está cheio de trocadilhos desportivos e a dada altura falo em Barroca, mas no filho do Carlos (Miguel Barroca), que é amigo meu. Entretanto, o tema não tinha refrão e surgiu a ideia de se estruturar como um relato desportivo. Lancei o desafio ao Carlos e lá se fez!

Em Nosso Nome tem mais de uma hora de duração, São dezassete temas, além de duas faixas bónus. Andavas com material suficiente para gravar dois discos, não?

Na verdade não sou fã de discos duplos. Este disco compila os últimos anos da minha vida, só faria sentido assim... calhou ter demorado, mas não calhou ser longo, nem calhou eu querer correr esse risco. Daí o penúltimo tema: "Quem tudo Quer". A minha perfeição é reconhecer a imperfeição, se é que posso dizer isso. Conheço imensos discos, filmes e documentários "longos" em que a sua duração não me faz confusão. Uns até se tornaram intemporais. Penso que é relativo.

Atacas “A Crise” com grande energia. Tens ideia de como podemos sair da presente situação? Concordas com as palavras de Kalaf, que participa nesta faixa e a certa altura repete “o último a sair que feche a porta” e diz que é “salve-se quem puder”?

Se tivesse uma solução, salvava o mundo (risos). Aliás, ou salvava o mundo ou matavam-me! Mas isso já sou eu a conspirar contra o poder. Mas, sim, o último verso do Kalaf resume basicamente a ideia geral do tema... fiz mesmo questão de repetir essa parte. Porque, ao contrário do "Mares, Males e Marés", este tema não é de lamento mas sim um pós-lamento, um grito de revolta. O importante mesmo é agir, fazer algo... e não apenas observar o barco a afundar-se... nem que seja com uma musica.


Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
05/12/2012