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Ducktails
A praia é um estado mental


Há uma imagem com uma palmeira de plástico em miniatura no MySpace de Ducktails, o projecto solitário do membro dos Real Estate Matthew Mondanile, que sintetiza que música é esta. A partir do seu quarto, em Nova Jérsia, Mondanile cria alguma das canções mais desarmantemente simples dos últimos tempos.

Só em 2009 lançou dois álbuns que deixaram marcas, Ducktails e Landscapes. Álbuns com canções que, como aquela palmeira de plástico (que podem ver nesta página), remetem para a praia, a água quente, as tardes de calções da nossa juventude, as primeiras ondas, as miúdas de bikini de pele aquecida pelo sol.

Respondeu-nos por e-mail a algumas perguntas, depois de uma longa digressão dos Real Estate, que se tornaram uma das sensações indie de 2009 (vêm a Portugal em Fevereiro de 2010). Entre outras coisas, disse-nos que se prepara para gravar um derradeiro disco de Ducktails. Insistimos, mais tarde, e sossegou-nos: pode ser que não seja o fim.
Conta-nos Matt, quando é que Ducktails começou?

Quando estava a viver em Northampton, Massachusetts, no Verão de 2007. Estava a viver numa cabana e decidi fazer um lançamento em cassete com 15 minutos, sete minutos de cada lado para dar numa noite de concertos na loja Time Machine em Easthampton, Massachusetts. Tocaram os Birds of Delay, Emeralds e P.G. Six.

Já tinhas tido projectos musicais antes de Ducktails?

Toco em bandas desde os primeiros anos do liceu. Paperface, Miami Heat, The Laurentide Icesheet e Cave of Time foram algumas das bandas por onde passei. No liceu eram bandas de punk rock e emo, muito nerd. Na faculdade passei para as bandas de noise livre e de jazz.

Ainda compões e gravas na casa dos teus pais, em Nova Jérsia?

Infelizmente sim. Vou começar a trabalhar no terceiro e ultimo disco de Ducktails, Ducktails III: Arcade Dynamics.

O teu método mantém-se?

Toco caixa de ritmos e alterno entre guitarra e baixo (no mesmo amplificador). Gravo as partes e sobreponho-as num gravador de cassetes de oito pistas Tascam 488.

É muito diferente esse processo de criação do que aquele que segues nos concertos?

Os concertos sempre foram complicados. É difícil misturar os mundos de gravar e tocar ao vivo. Para mim, dar um concerto tem sempre a ver com a compreensão do ambiente, com tentar levar o público a sentir-se confortável com o teu mundo de som. Os concertos são completamente diferentes das gravações porque ao vivo vês-me a criar loops, a brincar com os knobs e a pegar a guitarra ou nos teclados; na gravação, tudo isso é integrado no som, é mais como ouvir uma banda rock. Ou pelo menos eu gostaria que fosse.

Colocaria Ducktails na intersecção exacta dos mundos pop e psych/drone. São dois mundos que aprecias?

Sim, gosto de ambos. Quando comecei o projecto, toda a gente estava a construir mundos [sonoros] mesmo agressivos e escuros à minha volta. Eu estava a tentar sair desse molde, mas, de certa forma, ainda me sentir incluído nele. Sinto que o projecto teve sucesso desta maneira. E a psicadelia sempre foi parte da minha paleta.

Que artistas te influenciaram em ambos os campos?

James Ferraro, Ariel Pink, Spencer Clark, Jan Anderzen, Josh Burkett, George W. Myers e Julian Lynch.

A tua discografia tem várias cassetes. É um formato que ganhou um novo apelo. Porque é que as usas?

As cassetes são mais “objecto" do que um CD-R. Além disso, fazia sentido porque era tudo gravado em cassete e toda a gente andava a trocar cassetes na cena noise de Massachusetts oeste.

O “hiss" da cassete faz parte da experiência Ducktails?

Gostaria que houvesse o mínimo de “hiss" possível, mas não me importo, já que é algo a que a maior parte das pessoas consegue não ligar.

Ben Chasny (Six Organs of Admittance) disse-me há pouco tempo que “já não há underground, já que hoje já não há qualquer dificuldade em obter as coisas mais obscuras. Achas que estamos a perder algo neste processo de aparente democratização?

Acho que vai haver sempre underground mesmo com a Internet. Há diferentes níveis de conectividade cultural na Internet e haverá sempre espaço para a interacção cara a cara e para a troca de cassetes que havia antes. A diferença é que hoje é muito mais fácil obter informação sobre um artista, descarregar o seu álbum, etc..

O que é o underground? Tenho uma ideia do que é porque sou eu que organizo todas as minhas digressões. Como na primeira vez que fui à Europa com os Buffle, da Bélgica, totalmente organizada através do MySpace. Foi muito bom, tocámos sempre em locais alternativos, estabelecemos relações com algumas pessoas de cada terra e trocámos a nossa arte. Considero isso uma digressão e acções underground.

Foi teres vivido em Berlim durante algum tempo e ficado amigo dos dois Skaters, o James Ferraro e o Spencer Clark, e de Steve Warwick [Birds of Delay] que te levou a esta fixação com as cassetes e com a cultura faz-tu-mesmo?

Foi um tempo da minha vida muito inspirador. Vivia em diferentes apartamentos de Berlim, trabalhava com o artista Arnold Dreyblatt, um fabuloso artista minimalista [compositor e artista visual] de Queens que vivia em Berlim há anos. Saía muito à noite, via concertos, ia a sítios onde nunca tinha estado. Foi muito interessante conhecer o James e o Spencer em Berlim porque estávamos a explorar a cidade juntos. Foi um período fixe.

O lo-fi sempre foi parte da música rock. No entanto, parece que, de repente, tornou-se uma estética dominante em alguns círculos underground. O que é que atrai no lo-fi?

O lo-fi não me atrai tanto quanto o calor e o conforto das gravações analógicas. Prefiro gravar em cassete porque é dessa forma que me sinto mais confortável – posso gravar e compor ao mesmo tempo com um gravador de oito pistas. Não suporto estar a olhar para ficheiros WAV num ecrã de computador. Mesmo assim, gostava de combinar gravações em cassete e computador. Jan Anderzén faz isso com os seus Kemialliset Ystävät e o resultado é maravilhoso.

Outra tendência parece ser a entrada das referências pop em força na música mais experimental – seja de forma mais directa ou como fantasma. Ouço isso na tua música, na do James Ferraro, na pop avariada do Ariel Pink.

Sinto que em 2009 a música pop e indie chegou a um ponto explosivo e que voltou aos corações das pessoas. Acho que a natureza não comunicativa da cena noise levou as pessoas da pretensão a uma atitude pop “vale tudo, que se foda". Houve um monte de projectos pop, edições em cassete, sete polegadas em 2009 que soam muito similares. Será interessante rever este período em 2015 ou assim.

David Keenan, na revista Wire, viu coisas em comum entre esses artistas e chamou-lhe hypnagogic pop. Acho que ele acerta em algumas coisas: lo-fi, nostalgia, referências dos anos 80 tornaram-se habituais no cenário underground.

Keenan está correcto, definitivamente, na análise que faz da tendência. Muita gente chateou-se com esse artigo por tentar definir os aspectos da tendência, mas isso precisava de ser feito. Apesar do facto de na nossa geração já haver uma nostalgia imensa pelos anos 80, a minha música tende a lidar com a captura de memórias e com estabelecer uma ligação com pessoas que possam também remetê-la para as suas memórias - captar uma aura, um sentimento específico de nostalgia, enquanto outros artistas tendem a adicionar um lado alienígena a isso, concentrando-se nos efeitos psicóticos de uma compreensão em massa da memória.

Os Predator Vision e os Real Estate são as tuas bandas. Os primeiros são psicadélicos até ao osso, os segundos uma banda de canções. Precisas de ter diferentes canais para te expressares?

Definitivamente, preciso de me expressar de formas diferentes. Predator Vision é uma banda de jams kraut que tenho com o Ben Daly na guitarra e o Etienne Duguay na bateria. Tocamos sempre que podemos, o que nos últimos tempos não tem sido muitas vezes. O primeiro disco foi gravado em ácidos na minha cave em Massachusetts. Foi a primeira vez que os três tocámos juntos, foi muito bom. A segunda vez já foi em Brooklyn, onde gravámos no nosso apartamento. Eu edito as gravações de Predator Vision, que são longas jams, procurando as partes perfeitas para serem lançadas. A nossa metade do split com Sun Araw na Not Not Fun são três segmentos diferentes colados, retirados de uma sessão muito fodida.

Os Real Estate são a antítese completa de Ducktails e Predator Vision. É uma banda indie pop do Martin Courtney. Apesar de improvisarmos um pouco, a banda é muito coesa ao vivo. É muito divertido para mim tocar nesta banda. Memorizo os meus solos de guitarra e toco os mesmos em todos os concertos. É tudo planeado, com um alinhamento e tudo. Acabei de chegar de uma digressão de cinco semanas nos Estados Unidos com os Real Estate. Estou de volta à casa dos meus pais, completamente exausto e perdido.


Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
04/01/2010