Os Hipnótica de João Branco Kyron (voz, letras, programações), Bernard Sushi (piano Fender Rhodes, sintetizadores) António Watts (bateria, udo) e Sergue (baixo, contrabaixo) lançaram este ano
Reconciliation, um disco que contou com a produção de Wolfgang Schoegl, lÃder dos austrÃacos Sofa Surfers, e com alguns convidados especiais (Eduard Raon, Abdul Moimême, Dollly Milaine e Johannes Krieger). Este novo caminho, trilhado no EP
A Circle So Blue, mostra uns Hipnótica mais
jazzÃsticos e personalizados, e confirmam-nos como um dos mais interessantes projectos da música portuguesa. Em conversa com João Branco, abordam-se os aspectos mais importantes de
Reconciliation, a experiência ao vivo, o espectáculo
Short stories about an instant called hipnotic life, a evolução da banda, a música em Portugal e o futuro dos Hipnótica. Sempre na confiança de uma reconciliação.
O
vosso último disco, Reconciliation, evoluiu para novos caminhos, abriu
novos horizontes dentro da música dos Hipnótica. Sentem que isso já se fazia
sentir sobremaneira em A Circle So Blue?
O
Circle so Blue é um disco de transição e de forma livre, uma vez que
foi criado e executado numa única noite. Foi um dos factores que nos impulsionou
a explorar algumas vertentes mais
jazzÃsticas e de improviso. A par desse
EP também montámos um espectáculo intitulado
Short stories about an instant
called hipnotic life em que tocávamos sobre cinco curtas metragens, também
com grande margem de improviso. Basicamente tratou-se de uma fase de procura,
só que nós resolvemos expô-la ao público.
Acham que Wolfgang Schloegl teve especial influência
no rumo que Reconciliation tomou, ou havia já, no seio da banda, essa
predisposição para fazer algo mais livre? Como é que foi trabalhar com ele?
Sim, teve um papel muito importante e sempre no sentido de explorar certas caracterÃsticas
nossas que ele achava que mais sentido faziam no conceito que lhe passámos.
Ele é muito metódico a trabalhar, mas nós também somos e assim sendo encontra-se
sempre espaço para que tudo possa fluir com uma leveza que às vezes a desorganização
acaba por destruir.
E de que forma é que apareceu essa tal faceta
mais jazzÃstica que é visÃvel no vosso último disco? Li algures uma entrevista
em que diziam que começaram a ouvir muito Miles Davis, Herbie Hancock, Archie
Shepp, entre outros...
O jazz sempre esteve presente na nossa música, mas quase sempre de forma muito
enviesada. "Future walks with you", "Black sea" e "Blue poison", de discos anteriores,
são um exemplo disso. Mas desta vez fomos mais fundo nessa linguagem e derivado
do discurso do improviso no jazz que teve o seu auge no inÃcio dos anos 70,
fomos pesquisando e ouvindo muitos discos dessa fase. O que tentámos trazer
para este disco foi mais a essência do que tentar recriar o som A ou a música
B. Sentimos que as coisas funcionavam entre nós de uma forma como nunca tinham
funcionado em termos de execução e percepção de espaços. Mas não houve nada
muito pré-definido, as coisas foram acontecendo, fomos comprando novos instrumentos,
ouvindo muita música, vendo muitos filmes e só mais à frente é que parámos para
analisar onde estávamos.
Reconciliation contou
com algumas participações especiais. Como é que tudo aconteceu?
Foi uma necessidade que sentimos, novas texturas sonoras acústicas, procurávamos
um refrescamento não só em termos de letras e arranjos, mas também em termos
abordagens à electrónica e aos instrumentos convencionais, redescobrir novo
prazer nessa integração. Além disso houve outro aspecto muito importante que
foi a questão das novas abordagens e personalidades que os convidados trouxeram,
eles participaram de quase todo o processo criativo e foram parte integrante
deste projecto.
Durante os trabalhos de Reconciliation deslocaram-se até Viena
para tomar algumas decisões. Presumo que esses ambientes tenham tido especial
influência no resultado final...
As sessões misturas em Viena foram árduas por causa do tempo reduzido que tÃnhamos
e foi altura de tomar decisões quanto à forma final das músicas, nÃveis, abdicar
de alguns excessos, criar um ambiente sonoro para o disco como um todo, retirar
alguns temas que tÃnhamos gravado, etc, etc . Mas ainda houve tempo para andar
por uns clubes vienenses, ver uns concertos, beber uns copos com membros de
outras bandas, fazer umas audições colectivas do nosso disco.
A edição do disco estava prevista para Novembro
de 2003 mas, no entanto, acabou por ser lançado em 2004. A que se deveu o atraso?
Dificuldades na negociação com uma distribuidora que alinhasse na nossa estratégia
de preço final reduzido (reduzindo as margens de todos os envolvidos) com o
objectivo de vender mais e mais barato. Acabámos por conseguir uma óptima parceria
com o BLITZ, com óptimos resultados de vendas e agora o disco está a ser distribuÃdo
pela Som Livre e está à venda por preços em torno dos 10 euros.
Voltanto atrás na vossa carreira, recriaram ao
vivo a banda sonora para algumas curtas-metragens. Sentem que a vossa música
é especialmente cinemática?
As pessoas dizem que sim e nós também achamos isso. [risos] Estamos neste momento
a compôr uma banda sonora original encomendada pela organização do Festival
de Cinema de Vila do Conde. É um filme de 1928 do Jean Epstein e LuÃs Buñuel,
Fall of the house of usher, e é baseado em histórias do Edgar Alan Poe.
Além disso fomos também convidados por um realizador português para compôr a
banda sonora do seu próximo longa metragem, mas ainda não posso adiantar mais
detalhes.
A propósito, como é que foi a tour de apresentação
do espectáculo Short stories about an instant called hipnotic life? Dá-vos
especial gosto fazer esse tipo de concertos?
Sim, por causa de estarmos a servir as imagens retirando algum protagonismo
ao nosso papel e também porque as partes improvisadas trazem sempre uma adrenalina
extra.
Como é que vêem agora, com a natural distância,
os tempos de Hipnótica ou Enter? Foi uma evolução fácil? O que
é que recordam desses tempos?
Diria que foi uma evolução natural e um percurso crivado de momentos muitos
maus, mas principalmente de momentos e fases fabulosas e que fazem esquecer
todo o resto. Se olhamos para 1997, quando editámos os primeiros temas, e depois
1998, quando saiu o
Hipnótica, percebemos que realmente estávamos a desbravar
um caminho que em Portugal era praticamente virgem e temos muito orgulho disso.
É complicado para vocês viverem da música ou sentem, por
outro lado, que cada vez existe mais espaço em Portugal para a música que fazem?
Nós não conseguimos viver exclusivamente da música, o que é diferente de não
querermos viver da nossa música. Temos o nosso espaço e temos o nosso público,
o problema é que as dimensões do mercado são diminutas, mas é preciso estar
sempre a pensar em formas alternativas de chegar a novas pessoas e/ou a outros
paÃses.
E por onde passa, então, o futuro dos Hipnótica?
Têm planos para breve?
Passar 2004 em
tour a apresentar o novo disco, compôr as bandas sonoras
que referi e continuar a trabalhar arduamente no sentido de alcançarmos outros
objectivos mais ambiciosos, mas sempre com os pés no chão e dando um passo de
cada vez.