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Sawako
O flutuante contraste do agridoce


Como as bolas de sabão, que decidiu incluir numa das suas últimas actuações especiais, Sawako e o som que tece num laptop formam um corpo altamente sujeito ao sopro aleatório de vários factores, pronto a reagir a fenómenos naturais, um intermédio de desfecho em aberto que aparenta uma frágil constituição orgânica e que, ao mesmo tempo, ameaça evaporar-se, tornando-se, a partir daí, na recordação vaga do que antes era informação virtual. Ultimamente, Sawako bifurcou-se em dois álbuns bem reveladores do seu domínio sobre o ânimo e longevidade do drone, do desabrochar pop cada vez mais evidente e do equilíbrio exigido pelo matrimónio electro-acústico:Bitter Sweet incide no contraste entre facetas cândidas e outras mais profundamente enigmáticas, enquanto que Hi Bi No Ne, feito a meias com Daisuke Miyatani, mais se parece com o sumário inclusivo de tudo o rol de estilhaços melódicos e sons meigos aglomerados a um dia de estranhas gincanas pop.

Sim, Sawako é também uma das figuras mais sexy que ultimamente encontrámos de perna traçada diante de um laptop, caixa de Pandora que, nas suas mãos, emite ressonâncias e drones distribuído por cata-vento, mas a atracção que gera não diminui o valor dos seus álbuns na 12k - podendo até duplicar o appeal desta música perfeitamente adequada a uma sesta do colega de caserna Bruno Silva, após uma tarde a colher cerejas. Entre uma passagem por Lisboa, por altura do Festival OFFF, e tudo o que lhe ocupará o tempo durante o restante ano, Sawako reservou um espaço em agenda para uma conversa com o Bodyspace.
Como se sucederam as colaborações com Radiosonde e Ryan Francesconi? O resultado dessas colaborações limitou-se às faixas incluídas no Bitter Sweet ou trabalharam em outras coisas também?

Conheci-os antes do meu primeiro álbum. Eu conhecia o Takashi Tsuda porque ele trabalhou no ICC e encontrava-o em muitos eventos de arte sonora sucedidos em Tóquio. Conheci o Hayato Aoki num evento em Tóquio – enquanto eu estava a fazer o meu sound check, ele juntou-se muito espontaneamente, e eu adorei o resultado. Depois de nos encontrarmos diversas vezes em diferentes lugares e ocasiões, o Takashi Tsuda e o Hayato Aoki participaram juntos pela primeira vez no meu primeiro álbum, Yours Gray. Por causa dessa parceria, acabaram por formar os Radiosonde. Desde que nos conhecemos, o guitarrista Hayato Aoki tem participado em todos os meus discos, e os Radiosonde e eu temos colaborado ocasionalmente em gravações, assim como em algumas performances, principalmente quando estou Tóquio.

Quanto ao Ryan Francesconi, acho que o conheci no My Space, embora já soubéssemos um do outro antes disso. Acho que a nossa primeira colaboração foi no seu disco de remisturas, Springs, que está disponível no iTunes assim como na label Odd Shaped Case do próprio Ryan. Depois convidei-o para participar em duas compilações: uma delas, a faixa “Uto Uto”, foi originalmente lançada numa compilação pela Intikrec in 2007; a outra, a “Suya Suya”, continua por ser lançada porque a label é desorganizada. Então, o Taylor Deupree da 12k queria que o Bitter Sweet fosse mais pop, e decidimos incluir a “Uto Uto” no disco.

Sentes que alguns lugares especiais de Nova Iorque foram particularmente influentes na concepção do Bitter Sweet?

Questão interessante. Até teres perguntado, eu não tinha pensado sequer se alguns lugares especiais de Nova Iorque estariam reflectidos no disco. Mesmo assim, creio que o Bitter Sweet debruça-se sobre uma parte mais profunda da minha mente, e não tanto sobre o meio exterior que me rodeia.

Tenho em ideia que estiveste muito ocupada entre 2006 e 2008 com o desenvolvimento do Bitter Sweet. Que outras coisas te ocuparam o tempo, em termos artísticos, durante esses anos?

Bem… Vou-me tentar lembrar de tudo o que fiz entre o Inverno de 2006 e a Primavera de 2008, mas é provável que me esqueça de qualquer coisa. Arranjei um Visto de artista nos Estados Unidos, para o qual necessitei de mais de 350 páginas de documentos e cartas de mais de 12 pessoas. Lancei o meu terceiro disco, Madoromi, na Anticipate. Terminei o Hi Bi No Ne, disco feito em colaboração com Daisuke Miyatani. Elaborei o Ishi ~Listening Stone, um trabalho encomendado pela Networked Music Review – um livro sonoro caótico que funciona online com uma mecânica de pop-ups. Lancei e organizei a série Summer Tour com a Antecipate. A minha primeira exposição a solo – áudio + visuais + ambiente de luzes – ocorreu no Japão em Maio de 2008. Fiz este ano uma digressão europeia que durou dois meses. Alguns festivais e actuações grandes na Europa e América do Norte, nomeadamente no MUTEK. Outras remisturas, compilações, actuações ao vivo, conferências de artistas, etc.. Por isso, devo dizer que o Bitter Sweet não foi o único projecto em que estive envolvida durante esse período.

Ao incluíres a tua voz na “A Last Next” (de Bitter Sweet), satisfizeste um desejo deixado em aberto pela música ou foi a voz que chamou a restante composição? Quais são as probabilidades de vires a tentar a tua voz em mais contextos, num futuro próximo? Até que ponto vai a tua confiança quando toca a aplicares a voz na música?

Na verdade, a “A Last Next” funciona como trailer para o Hi Bi No Ne,o meu novo álbum em colaboração com Daisuke Miyatani. O Bitter Sweet foi lançado em Maio de 2008, e o Hi Bi No Ne em Julho de 2008. São como gémeos – um é profundo e escuro, o outro é claro e fofinho. Um baseia-se mais em drones, o outro é mais composto por pop e canções.

Não faço ideia do que o futuro me reserva. Desde cedo que as minhas actividades são um pouco esquizofrénicas, superando géneros ou disciplinas. Assim que termino um projecto, desejo sempre fazer algo completamente oposto e que o contrarie de alguma forma. Eu sou tão curiosa acerca de tudo...

Algo que me interessa ultimamente é tentar implementar a J-Pop (pop japonesa) na cena cultural de Nova Iorque, com actividades como o My Space Sound e Sawako and the Bubble Girls. Além disso, sou insaciavelmente curiosa por moda, especialmente após a revista de moda Zoot ter feito uma sessão no Festival OFFF. Mas não sei mesmo se virei a cantar ou não por minha iniciativa.

Eu frequentei um coro escolar desde os 10 anos. Fui também vocalista de uma banda punk até aos 19. Por isso, o cantar é muito natural para mim. É verdade, eu passava o tempo a cantar em toda a parte quando era jovem. Mas tardo em habituar-me à ideia de usar a minha voz como material pronto a ser editado de forma objectiva. É estranho escutar as gravações da minha própria voz.

Quando agrupaste as remisturas na compilações Summer Tour Remix Vol.1, quais foram as mais surpreendentes descobertas feitas ao avaliar esse conjunto de abordagens ao teu som?

Muito francamente, eu não fiquei particularmente surpreendida com os resultados do Summer Tour Remix Vol.1. Conheço os responsáveis há muito tempo, e estava segura de que fariam óptimas faixas. Por isso, foi um pouco como ver as fotografias tiradas por diferentes amigos durante uma visita de estudo, e dizer É pá! Este é mesmo o estilo dele!, com um sorriso, ou Que cena! Este gajo superou as minhas melhores expectativas!. Estávamos no mesmo lugar, mas descobrimos muitos aspectos e coisas diferentes nas fotos.

Em todo o caso, fiquei muito feliz com o resultado do Summer Tour Remix Vol.1. Eu queria fazer uma compilação com faixas de alta qualidade, concebidas por excelentes artistas, e para download gratuito ao abrigo de uma licença Creative Commons. O resultado apresenta imensa diversidade, mas, ao mesmo tempo, um fluxo perfeito entre as faixas, mesmo que eu tenha optado apenas por ordená-las alfabeticamente! Aprecio realmente o trabalho de todos os que participaram.

Posso também adiantar que está prestes a sair o Summer Tour Remix Vol.2, que reúne artistas seleccionados após um desafio aberto a todos. É óbvio que estão também livres por efeito da licença Creative Commons. Eu gostei muito de escutar todas as faixas recebidas. Mostram-me como os participantes captam e agarram as paisagens. Cada trabalho tem o seu próprio ponto de vista e interesse, talvez por partir de ouvidos treinados de forma diferente.

Aproveitaste bem o OFFF em Lisboa? Foi divertido estar em Lisboa durante aqueles três dias? Gostaste da actuação de Feltro com a levitação do balão?

Foi a minha segunda visita a Lisboa e a segunda vez em que vi Feltro com os balões. Fiquei entusiasmada com o facto de o André (Gonçalves) ter conseguido levitar os balões ainda mais alto. Acho que também por causa de ter uma melhor ventoinha no OFFF. Conheci o André pela primeira vez em Nova Iorque, quando ele manteve uma residência no espaço do Phill Niblock.

Eu adoro Lisboa! Gosto também da comida em Lisboa, especialmente o peixe e a tarte de ovo. Gosto de passear pelas ruas estreitas sem um mapa e perder-me. Na verdade, existem várias palavras comuns entre o Japonês e o Português, porque Portugal era um dos três países com que o Japão mantinha relações numa altura em que se isolou de todos os outros países.

O OFFF tem uma vibração muito porreira. É um festival grande, mas mantêm um sentimento de intimidade nos bastidores, sem deixarem de ser organizados. Gostei muito de fazer parte do festival. Aprecio também tocar num contexto de design ou arte mais do que num contexto propriamente musical. Além disso, o Oriol, um dos co-directores do OFFF, é uma pessoa muito divertida. O Ken(neth) Kirschner já me tinha contado muitas coisas sobre ele, mas conhecê-lo pessoalmente superou por completo as minhas expectativas, da melhor forma. No OFFF deste ano, foram convidados seis artistas da 12k, o que fez com que o festival se parecesse com um encontro de família por altura do Natal ou do Ano Novo, no Japão.

Muito do material que tocaste no OFFF baseou-se em versões de originais incluídos no Bitter Sweet, ou já tens começado a explorar novas coisas? Os visuais eram da tua inteira responsabilidade?

Oitenta por cento dos visuais eram de facto meus, com alguns outros de Nobuko Hori. Fiz a improvisação visual – mistura e processamento – com um patch Jitter.

Acho que minha actuação no OFFF baseou-se em variações de temas incluídos em discos anteriores, principalmente o Bitter Sweet e o Madoromi. Mas é possível que não tenha sido exactamente isso, porque me perco num estado de profunda concentração enquanto estou a actuar. Geralmente, procuro usar samples de anteriores discos em festivais frequentados por uma grande maioria de pessoas que não me conhecem. Funciona como um espectáculo de introdução ao mundo de Sawako. Quando toco diante do meu público, numa situação intima em Nova Iorque ou isso, é frequente optar por algo diferente.

Podias falar-me um pouco acerca de como irá decorrer a performance Bubble Bubble?

Sim, decorre no Warm Up no Museu P.S.1 (MOMA). O Warm Up é um dos eventos famosos de Nova Iorque ocorridos ao ar livre. Neste caso, sucede-se no jardim de um museu com uma instalação especial de arquitectura. É um evento aberto a todo o tipo de pessoas, incluído crianças, jovens sofisticados e intelectuais com alguma idade – não visa apenas o público que aprecia a minha música. A equação é inevitável: verão + tarde ao ar livre + participação do público + P.S.1 + bolas de sabão = a diversão. É por isso que planeio ter oito miúdas a fazer grandes bolas de sabão no jardim enquanto estiver a tocar. Descobri um kit que torna possível fazer bolas de sabão com o comprimento de um autocarro. Ainda não o experimentei, por isso veremos como será…

O que nos reserve o restante ano de 2008 em termos de novidades?

Um caixa especial de discos de sete polegadas, com um revestimento exclusivo e um rádio de cristal. Vai ser lançada pela Winds Measure Recordings de Brooklyn, mas não estará disponível nas lojas. Estou também a trabalhar numa composição de formato 5.1 para a Harvest Works. Estou também a fazer algumas remisturas para Miau Miau, Audio Bulb, entre outros. Além disso, eu e o Ken Kirschner, meu amigo de longa data, vizinho e professor de Inglês, estamos a desenvolver um projecto secreto e especial. Aguarda com alegria.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
01/09/2008