"Pode levar segundos a construir uma reputação e anos - ou talvez uma eternidade - a construir outra", diz Alexander Hacke, membro dos Einstürzende Neubauten, ao telefone a partir de sua casa, em Berlim. Os alemães já não destroem palcos, nem procuram o choque pelo excesso – interessa-lhes mais agora as subtilezas, a construção de dinâmicas, tudo elementos presentes no novo Alles wieder offen.
Em entrevista ao Bodyspace, Alexander Hacke abordou a importância de Alles wieder offen no contexto da evolução da banda e falou sobre o que mudou em Berlim nos últimos 30 anos e as potencialidades da Internet. Tenho que começar pelo nome do disco, Alles wieder offen ("Tudo aberto de novo"). Parece atribuir uma carga especial a este disco, como se começassem de novo.
O conceito de algo aberto implica algumas coisas. Algo que está aberto ou que não está fechado, não está resolvido, nem terminado. Pode haver outra forma de o acabar. Algo que está aberto está desprotegido. Há formas diferentes de ler o tÃtulo. É mais um estado de espÃrito e um sentimento do que uma descrição real da nossa situação.
Fizemos isso numa digressão. Descobrimos coisas muito interessantes. Foi muito divertido.
Como compara a Berlim de hoje com a cidade que viu nascer a banda, em 1980?
Nasci e fui educado numa cidade chamada Berlim Ocidental. Essa cidade já não existe, já lá não está. Não era bem uma cidade, era mais uma aldeia. E era uma ilha, desligada e separada do resto do mundo. Tinha uma pequena cena de criativos. Era muito fácil qualquer pessoa se integrar.
No inÃcio da banda diziam que o mundo ia acabar em 1984. Imagino como foi ver que, afinal, a Terra ainda tinha mais uns cartuchos para gastar.
Era um conceito mitológico. Foi muito natural ter essa maneira apocalÃptica de ver o mundo. Ligava-se muito bem à forma como destruÃmos os nossos corpos e mentes na altura [risos].
Era uma projecção auto-suficiente que permitia justificar o nosso extremismo. Marcámos esse prazo [1984]. Mas não ficamos desiludidos por estarmos a trabalhar em 1985. Eu era adolescente… era muito radical nas minhas opiniões, no meu comportamento. Funcionava bem para mim.
Juntou-se à banda com 15 anos. Tinha conceitos de avant garde ou a sua abordagem foi menos intelectual do que isso?
Não, de todo. Saiu naturalmente. Inspirei-me na cena punk rock, talvez nos Ramones. Estava interessado em energia em bruto. Gostava de armar sarilhos. Comecei a interessar-me neste tipo de coisas e procurei pessoas com os mesmos interesses e que ouvissem música que os meus colegas de turma não gostassem. Estava sempre a procurar coisas mais extremas e estranhas.
Tentamos sempre pesquisar todos os campos do processo criativo. Estamos sempre a tentar encontrar formas de escrever música de forma diferente, fazer arranjos inovadores, encontrar novos materiais e fontes sonoras para não nos limitarmos aos instrumentos que se podem comprar nas lojas.
Nos últimos anos, criaram um sistema de cartões que me faz lembrar um pouco o que o John Zorn faz no Cobra.
Chama-se Dave. É o nosso oráculo, o nosso sistema divino… Tem cerca de 600 cartões. O Blixa ouviu o nosso trabalho ao longo destes anos e foi tirando notas sobre as coisas mais significativas dessa canção (frequências baixas, etc.), todo o tipo de associações e conceitos. Os cartões dizem-nos o que fazer. [O sistema] Obriga-nos a tocar instrumentos diferentes e permite combinar ordens diferentes com o objectivo de chegar a um significado.
No álbum Jewels, cada canção era baseada no jogo Dave, no que Dave nos mandava fazer, e as letras baseiam-se em sonhos do Blixa. É uma forma de nos ligar à fonte da inspiração, de termos uma ligação mais directa ao poder divino da criatividade, seja lá o que isso for [risos].
Isso aconteceu quando mudei para o baixo, quando saiu o Marc Chung [em 1994]. O baixo sempre foi a fundação harmónica dos Neubauten, por isso decidi mudar-me para o baixo. Tive que ensinar o novo guitarrista como tocar harmonicamente a música do passado dos Neubauten. Envolvi-me mais na fundação da música. Faço o que faço porque sou bom nisto. Sinto que sou capaz de ajudar outros membros da banda.
O que vão fazer agora? O Supporters Project vai continuar?
Participou, por exemplo, em várias bandas sonoras e foi protagonista num documentário sobre a música de Istambul. Precisa de ter estes veÃculos paralelos aos Neubauten?
Aproveita muitas viagens para trabalhar nos seus projectos. Andar de headphones permite-lhe abstrair-se das viagens?
Não, eu gosto de estar muito atento a tudo. Hoje em dia toda a gente em Berlim anda de headphones no metro. É uma coisa individualista. Venho de uma geração em que tÃnhamos boomboxes [equipamentos portáteis com grande potência]. Só faço trabalhos sonoros nos aeroportos. Quando estou a voar gosto de trabalhar no meu computador. Noutras situações, prefiro estar alerta. Não me quero separar do mundo audÃvel à minha volta. Felizmente, hoje há muitas tecnologias que permitem trabalhar rapidamente, gravar com velocidade e qualidade.
É incrÃvel como, tantos anos depois, essa vossa reputação ainda não desapareceu.
Pode levar segundos a construir uma reputação e anos - ou talvez uma eternidade - a construir outra [risos].