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Borbetomagus
Bungee jumping


Os saxofonistas Jim Stauter e Don Dietrich e o guitarrista Donald Miller formam, há quase 30 anos, uma das mais destruidoras e únicas bandas de música improvisada. Nem free jazz, nem noise, mas tudo isso e mais, os Borbetomagus são uma instituição da música incatalogável.
Falámos com eles, em Março, depois do concerto em Serralves, no Porto, no camarim. Na altura, André Gomes descrevia, acertadamente, o que os norte-americanos tinham produzido em palco como uma "espécie de massa sonora que é barreira intransponível que é agressão decibélica que é passagem demoníaca que são descargas violentas".
Eis os Borbetomagus, uma banda consciente do percurso notável que vem trilhando e pouco entusiasmada com os actuais ventos de feição para a música noise.
No final de um concerto, como este, tentam racionalizar o que fizeram em palco?

Jim Stauter (JS) - Neste momento, estou a absorver tudo. Durante o concerto, limito-me a fazer a música, a criar algo; agora estou a processar.

Donald Miller (DM) - É como fazer o download de um concerto num computador lento. Nós somos os computadores lentos e, por isso, a reprodução vai acontecer amanhã.

E durante a música, pensam muito ou deixam-se ir na torrente?

DM - Se a música fizer sentido e entre nós três surgir algo que é extremamente bonito, vamo-nos agarrar a isso e encontrar algo que se ligue bem com o que estamos a fazer. Tocamos juntos há muito tempo e sabemos quando atingimos algo que é poderoso, forte, profundo, original e extático.

Assumem o falhanço como condição sine qua non da música improvisada?

DM – Sim, claro, pode acontecer [risos]. Os amplificadores param de funcionar, os cabos saem fora, a energia falha durante um solo… Infelizmente, o falhanço é uma opção na música improvisada [risos].

Como comparam a banda hoje com aquela que dava os primeiros passos no fim da década de 1970?

Don Dietrich (DD) – Penso que a nossa abordagem é significativamente diferente. Já foi há muito tempo. Sabíamos que estávamos no caminho certo, que éramos algo muito novo e excitante. Acho que éramos muito mais experimentadores do que agora, 30 anos depois. Não quero dizer que estamos mais confortáveis, mas estamos mais confortáveis a falhar do que no início.
Sobre a tua pergunta sobre o falhanço na música improvisada, acho que há 30 anos estávamos mais preocupados em não falhar. Agora mergulhamos no concerto e vemos o que acontece. O simples facto de um grupo como nós permanecer junto durante tanto tempo é fora do comum. Penso que tem a ver com uma mistura de sensibilidades enquanto tocamos e enquanto não tocamos. Temos que ser capaz de nos relacionarmos em cima e fora do palco. Há 28 anos estávamo-nos a alimentar mutuamente pessoal e musicalmente.

DM – Agora fazemos merda de uma maneira melhor.

JS – E quanto mais merda fazemos, mais se aproxima da nossa estética, que é: como é que isto pode ser tão fodido e mesmo assim faz sentido?

Tinham algumas referências noise?

DM – Não havia músicos noise. Em 1979 não havia noise.

Digo noise mais ligado a experiências académicas.

DM – Ah…

E à cena no wave?

DD – Éramos contemporâneos da no wave mas éramos músicos muito capazes tecnicamente. A maior parte da malta no wave não era músico, com excepção talvez do James Chance e de alguns dos Contortions. Nós éramos músicos. Não quero chamar-lhe snobismo mas … isto tem a ver com a discussão sobre avant garde que não é não moda e música que é moda. A no wave estava na moda. E nós achávamos que o fazíamos era muito sério.

DM – Éramos esponjas em termos musicais. O Jim e eu crescemos a ouvir música. Conhecemos o Donald e ele trouxe uma série de coisas diferentes…

JS – Fomos buscar algo à música free europeia, aos Velvet Underground, ao Hendrix. Havia influências que de alguma forma originaram a nossa estética. Foram inspiradores mas o resultado foi verdadeiramente único. E reconhecemos isso logo na primeira vez que tocámos. E desenvolvemos a ideia da banda a partir daí.

J – Mas se perguntas se esperávamos que íamos durar tanto tempo, a resposta é não. Isso é impressionante. Mas é divertido e desafiante. Quanto mais tocamos, mais confiantes ficamos para irmos mais para a frente e misturar coisas que levam a música para locais inimagináveis. É sempre fresco, nunca imaginamos que em 28 anos íamos continuar a tocar em territórios novos.

DD – Iannis Xenakis e Albert Ayler eram influências para mim em 1979. O interessante dessa altura é que soávamos como um grupo e no início dos anos 80 explodiríamos para algo que chamamos um fenómeno – não um fenómeno de qualidade musical, mas antes algo que não é uma banda propriamente dita. Ouves os primeiros dois álbuns e ouves música improvisada, free jazz extremo, mas têm um som distinto, de banda … A partir daí o som explodiu em partículas.

JS – A música seguiu uma direcção diferente. A amplificação tornou-se também um instrumento. Cada vez que tínhamos uma oportunidade para tocar procurávamos encontrar a próxima janela. Às vezes acontecia, outras não, mas o excitante e o desafiante é estar sempre a lutar por isso.

DD – O Don e o Jim já tocam juntos desde o jardim-de-infância. Já tocam saxofones juntos desde o liceu. Eu cresci noutro sítio e fui parar a Nova Iorque. Quando nos conhecemos, levámos o nosso vocabulário pessoal … E foi assim que duramos 28 anos.

Neste longo período, nunca pararam?

JS - Só quando ninguém nos arranjava um concerto [risos].

DM – Havia períodos mais activos, outros menos.

E este é activo?

DM – Sim, sim. Temos tido muitos bons concertos.

DD – Sempre que alguém nos quer a tocar, lá estamos.

Em 2005 estiveram no festival No Fun, com bandas como os Wolf Eyes, Hair Police e Dead Machines. Esta nova geração de músicos noise interessa-vos?

J – Parece que vivemos em tempos mais barulhentos. Um festival como o No Fun é extraordinário. Há 30 anos não podíamos sequer imaginar isto. Tocávamos para seis pessoas. E agora um festival destes mete 4 ou 5 mil pessoas. É um fenómeno.

DM – Pode ser uma moda. Quando começamos não pensávamos em noise ou tendências. Na verdade, o facto de haver tantas bandas noise diz-me que é muito fácil. Estabeleceu-se um género: podes ser noise, rock, bluegrass – quem quer saber? Por que não fazer algo único? Por que não fazer algo que sai dos géneros estabelecidos? Esta ideia de ser um noisician é uma merda. Não tenho respeito por alguém por tocar noise. Dêem-me algo verdadeiramente único.

No No Fun ouviram algo único?

DM – Eu não.

DM - Talvez estejamos cínicos. Estamos sempre à espera de ouvir algo novo. Este género noise, como qualquer género, foi muito ajudado pela Internet. Não havia Internet quando começamos. Ninguém tinha acesso aos nossos discos. Era muito difícil editar a nossa música para conseguirmos concertos. Felizmente, quando estávamos a começar, conseguimos apanhar a parte final da cena dos lofts em Manhattan que morreu no início dos anos 80. Isso deu-nos sítios para tocar, como o ABC no Rio [famoso prédio ocupado] … Deu-nos possibilidade de tocar para um grupo diminuído de pessoas e de desenvolver a nossa estética em frente a uma audiência. Com a Internet, podemos fazer publicidade instantânea para milhões de pessoas. Mas, mesmo sem ela, conseguimos manter o interesse na nossa estética apesar de termos uma audiência muito limitada. Fizemos 400 cópias do nosso primeiro disco e quando vimos as caixas com eles pensámos "O que é vamos fazer com isto? Quem é que vai comprar?".

DD – Algumas centenas ainda devem andar nas nossas caves... [risos]

JS – Mesmo assim, conseguimos distribuição, críticas e o dinheiro suficiente para nos manter e fazer o segundo disco. Deu para pôr as coisas a rolar.

Estão ligados a Nova Iorque. A banda podia ter nascido noutra cidade?

DD – Acabámos por ir para Nova Iorque para podermos tocar. Vivíamos fora da cidade.

DM – Para responder à tua questão: talvez! É impossível responder. Era muito difícil ter acesso a música avant garde. Tínhamos os MC5, os Mothers of Invention, mas era muito complicado encontrar coisas como os Captain Beefheart. Nos queríamos ouvir essa música mas não a conseguíamos encontrar. Por isso, quando o Donald Dietrich chegou com a sua grande colecção de discos foi o encontro perfeito. Foi algo como a morte dos dinossauros e o início dos mamíferos [risos].

No final de um concerto, tiram lições para os próximos?

DD – Sim, e discutimos algumas coisas que fazemos.

DM – Há um vocabulário que trabalhámos durante 30 anos. Às vezes entra nos concertos, outras não. Esta noite tocámos com água nos saxofones [uma técnica criada pela banda que provoca um ruído borbulhante ensurdecedor], há concertos em que não.

J – Quando pensamos que temos uma estratégia para um concerto, é quando não vamos por aí.

DD – É como o William S. Burroughs. Ele tinha rotinas. Nós temos algumas rotinas. Às vezes deitámo-las fora e usámo-las como papel higiénico, noutras utilizámo-las e sai-nos o Naked Lunch. É como bungee jumping.


Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
09/10/2007