bodyspace.net


Okkyung Lee
Cinematografias da Improvisação


Nascida na Coreia, foi a partir de Nova Iorque que Okkyung Lee se estabeleceu como figura de proa da música improvisada mundial. Violoncelista de extrema criatividade, junta à capacidade de improvisação, uma notável componente composicional, para além de incorporar memórias da tradição coreana num discurso muito individual. Tem desenvolvido parcerias com músicos de todo o mundo, numa lista de extensa de colaborações que vai desde o baterista Chris Corsano até ao guitarrista português Manuel Mota. Apesar da carregada agenda de actuações ao vivo, Okkyung editou até ao momento apenas um registo em nome próprio, o álbum Nihm - neste disco editado pela Tzadik de John Zorn colaboram amigos como Sylvie Courvoisier, Trevor Dunn, Ikue Mori ou John Hollenbeck. Além de se encontrar muito activa em inúmeros projectos afastados do mainstream, a violoncelista participa ainda noutros projectos, como no disco Comfort of Strangers da songwriter Beth Orton. A antecipar a sua passagem por Portugal, Okkyung Lee, amante da vida e do cinema, revela-se.
O violoncelo não é um instrumento popular... como é que começou a tocar e porque é que o escolheu?

Bem, eu comecei a tocar piano desde os 3 anos de idade. Na altura em que entrei para a escola preparatória, em que todos tinham de tocar um instrumento durante vinte minutos por dia, a minha mãe escolheu o violoncelo. E agora eu estou contente por ela não ter escolhido flauta ou violino!…

Como é que começou a tocar música improvisada? Quem foram as primeiras influências?

Eu cheguei à improvisação por acidente. Não tinha noção sequer que havia um “estilo musical†com esse nome até que entrei no New England Conservatory of Music (NEC) em Boston. O meu objectivo principal era encontrar um curso para evitar voltar para a casa e um amigo sugeriu-me que seguisse improvisação contemporânea no NEC. Nessa altura a única “improvisação†que fazia era quando tocava o violoncelo sozinha, no quarto de ensaios, sem saber bem o que era. Por isso é difícil para mim nomear quem foram essas primeiras influências. Penso que estava principalmente fascinada com todos aqueles sons que eu podia fazer com o violoncelo e que para mim faziam sentido enquanto gestos e linguagens musicais. Fiquei surpreendida por haver outras pessoas que usavam linguagens musicais similares que pareciam naturais para elas. Mas também tenho de dizer que a mudança para Nova Iorque e o conhecimento de todos aqueles grandes músicos foi o que mais me marcou.

Já trabalhou com Derek Bailey, Carla Bozulich, Nels Cline, Anthony Coleman, Chris Corsano, Sylvie Courvoisier, Mark Dresser, Fred Frith, Miho Hatori, Shelley Hirsch, Susie Ibarra, Lindha Kallerdahl, Eyvind Kang, Andrew Lampert, Miya Masaoka, Raz Mesinai, Min Xiao-Fen, Thurston Moore, Lawrence D. "Butch" Morris, Larry Ochs, Jim O'Rourke, Beth Orton, Zeena Parkins, Marc Ribot, Marina Rosenfeld, Matthew Shipp, Saadet Türköz, John Zorn (roubei esta lista da página do MySpace). Quem foram aqueles que mais a impressionaram, que mais a influenciaram e aqueles com quem mais gostou de trabalhar?

Novamente, não poderei dizer quem me terá influenciado mais… Do que gosto mais é quando estou toco com pessoas que realmente apreciam linguagem musical abstracta e não encaram a experiência como brincadeira. E é claro que a situação é ainda melhor quando além de um grande músico está lá uma grande pessoa. Tenho sido afortunada por ter trabalhado com muita gente assim.

Com que músicos, com quem ainda não actuou, gostaria um dia de tocar?

Bem, adorava tocar con Paul Lytton, Evan Parker, Mats Gustafsson, Dylan Van Der Schyff, Han Bennink, Mazen Kerbaj, entre muitos outros... Tenho a certeza que há imensa gente que eu ainda não conheço mas com quem quererei tocar com eles assim que os ouvir.

O disco Nihm, editado pela Tzadik, foi um marco importante?

De certa forma, sim. A verdade é a Tzadik que é uma das melhores editoras a apresentar este tipo de música. Penso que a editora tem padrões muito altos em vários níveis, bem como tem distribuição por todo o mundo, o que é sem dúvida um grande bónus.

Uma vez que focaliza a sua produção musical na improvisação, uma música que vive “do momentoâ€, considera que as actuações ao vivo são mais importantes que os discos?

Não, de todo. Penso que são situações muito diferentes. Quando gravei Nihm estava totalmente consciente da diferença e quis aproveitar as vantagens de estar num estúdio, fazendo coisas que não seriam possíveis numa actuação ao vivo. Infelizmente tornou-se um handicap quando quis tocar essas mesmas coisas ao vivo, era impossível tocar o álbum ao vivo, nunca o fiz.

Em que projectos é que está neste momento envolvida?

Neste momento estou a trabalhar em dois projectos de composição que devem ficar prontos para o Outono. O primeiro será apresentado no The Kitchen em Nova Iorque e é uma peça para violino, violoncelo, instrumentos de vidro e electrónica, com projecção vídeo em directo. Este trabalho deverá ainda incluir elementos de art performance. Estou também a trabalhar numa peça para dez músicos, uma comissão NYSCA que ganhei na roleta em Nova Iorque. Essa peça será baseada na mesma canção infantil coreana que usei no Nihm, mas também se baseia em memórias e paisagens sonoras. É um desafio muito aliciante. E neste momento estou também a meio do processo de desenvolvimento do próximo cd para a Tzadik.

Em Londres actuou com Manuel Mota e Chris Corsano, no festival Atlantic Waves. Como conheceu o Manuel Mota? O que poderemos esperar dos vossos próximos concertos em duo?

Penso que o conheci em Nova Iorque, mas não me lembro exactamente quando. O Manuel é uma pessoa que compreende a linguagem abstracta que mencionei anteriormente e tem uma forma única de a projectar na sua guitarra. Julgo que podem esperar uma actuação dialogante… e ele é mesmo querido!…

Para além de uma página no MySpace, mantém um blog, está a par das tecnologias de informação. Na sua opinião qual é a importância da internet para a promoção da música?

Bem, pode-se dizer que estou atenta à tecnologia, mas isso não quer necessariamente dizer que use o blog ou o MySpace para promover a minha música ou para tentar fazer lucro disso. Gosto de pensar que são ferramentas que me permitem chegar a pessoas que de outro modo nunca poderia conhecer. Fiz uma tournée pelo Reino Unido baseada apenas em ofertas que surgiram através do MySpace e foi espantoso! Primeiro que tudo, cada pessoa que conheci nessa tour era extremamente simpática e os músicos eram excepcionais… e claro que nunca os teria conhecido se não fosse o MySpace. Quanto a tirar lucro daí, isso já não faço ideia…

Há algum tempo atrás, depois de ter assistido a um concerto do trio Mephista [Ikue Mori, Sylvie Courvoisier, Susie Ibarra] comentava com uma amiga se existe realmente uma “música feminina†e se esta tem marcas distintivas… Qual é a sua opinião quanto a esta temática?

Normalmente tento não pensar nesses termos, mas sim… julgo que há algo diferente quando actuo só com mulheres. Recuso chamar-lhe mais sensível, mas julgo que há uma forma diferente de sensibilidade que nós mulheres partilhamos.

Ikue Mori, Nguyên Lê ou Otomo Yoshihide são alguns dos músicos que ultimamente têm tido alguma visibilidade internacional… Poderemos considerar a existência de uma cena free/improv asiática?

Novamente, não gosto de pensar nesses termos. Porque não lhes chamamos simplesmente músicos/improvisadores que por acaso também são asiáticos? Mas acho que o local onde estamos instalados nos afecta mais do que propriamente a nacionalidade. Eu sou 100% coreana mas também nova-iorquina… se é que isto faz algum sentido…

Embora isto seja habitualmente considerado um exercício fútil, poderia nomear alguns dos discos que levaria para uma ilha deserta?

Oh, acredite ou não, não conheço assim muita música, deveria perguntar-me antes que filmes levava… Se tivesse mesmo de ser, provavelmente levava alguns discos de Ligeti, Bartok, Jimmy Giuffre, Bernard Herrmann, Berio, Jerry Goldsmith, Monk, Boulez… não sei bem, espero que nunca tenha de fazer essa escolha!…

Então e que filmes levaria?

Bem, cinco filmes… Não são necessariamente os melhores filmes de sempre, mas os filmes que posso estar sempre a ver: Singin' in the Rain, Once Upon a Time In the West, The Third Man, The Apartment, North by Northwest.

E em que filmes gostaria de incluir a sua música na banda sonora?

A maioria dos filmes que adoro normalmente já tem música fabulosa!…

Como cidadã nova-iorquina nascida na Coreia, qual é a sua opinião sobre a situação política, sobre a liderança de Kim Jong-il e a ameaça nuclear? E como vê as políticas de negócios estrangeiros dos EUS?

Oh, não sou cidadã americana, tenho passaporte coreano. Kim Jong-il é definitivamente um enigma. Toda a gente pensou que após a morte do seu pai [o anterior líder Kim Il-sung] a Coreia do Norte não continuasse com o mesmo sistema isolado, mas o que aconteceu é que o manteve… Penso que as Coreias do Norte e do Sul estavam no bom caminho, a trabalhar em conjunto, até que Bush classificou a Coreia do Norte como “eixo do malâ€, após o 11 de Setembro. Isso despoletou toda a situação… A Coreia do Norte pode não ser um país muito poderoso ou avançado, mas é um país muito muito orgulhoso e a declaração de Bush feriu o orgulho. Julgo que as políticas americanas relativas a assuntos estrangeiros são as mais inapropriadas, mas quando a presidência mudar para os democratas (não é que altere muita coisa…) devem recuar e concentra-se nos assuntos domésticos, que são extremamente sérios, particularmente a nível da educação…

Para acabar: onde quer estar e o que quer estar a fazer daqui a vinte anos?

Espero continuar a fazer música… espero já ter viajado por muitos países, ter conhecido imensa gente e músicos fantásticos… ter feito muitos bons amigos… ter provado todas as delícias do mundo… ter visto o maior número de filmes possível… e talvez criar um pequeno espaço para apresentar de música experimental e filmes em Nova Iorque… estou a adorar cada momento…


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
07/05/2007