Midwest Product
A descentralização chegou à música electrónica
A descentralização chegou à música electrónica. Pela mão da Ghostly Records, os Midwest Product colocam Michigan no preâmbulo dessa fórmula seminal que é a indietrónica. A noção de preenchimento de espaços abstractos, algo vagos, pontuava “Specifics” (2002). O regresso é marcado por um rastreio perceptivo do espaço físico e uma maior presença da voz em “World Series of Love”. Como
surgiram os Midwest Product?
Chad: O Ben e eu começámos a escrever e produzir canções
que gravávamos numa cave. Tínhamos estado noutras bandas que se
tornaram mais num problema do que em diversão. Estávamos ambos
prontos para uma mudança, mas não sabíamos disso na altura.
Decidimos que tocar ao vivo era o próximo passo, o nosso amigo Drew seria
o terceiro membro. No essencial, fazemos o mesmo que antes, mas agora penso
que nos estamos a divertir.
O vosso som é actual, mas tende a recuperar algumas
referências musicais. Quais são as vossas raízes?
Chad: O Drew e eu crescemos juntos, portanto as nossas referências
são muito semelhantes. Ouvíamos muito hip-hop dos anos 80, Jane’s
Addiction, Fugazi. O Ben estava mais interessado nos New Order, num rock espacial
e no industrial.
Há uma percepção de espaço
vazio a ser preenchido em cada tema. De que forma é o espaço importante
para os Midwest Product? Em que contribui a voz (ou a sua ausência) para
que esse espaço seja ocupado?
Chad: A voz é, ainda, um conceito novo para nós, e nós
estamos a incorporar a voz do Ben em mais canções. As canções
instrumentais tornam-se menos convencionais enquanto que a voz tende a fazer-nos
escrever de um modo mais convencional. Contudo, penso que o nosso mais recente
disco, que sai em Outubro, traduz a nossa nova percepção de voz.
Ben: Houve um grande esforço na produção de “Specifics”
para que cada instrumento ganhasse individualidade e soasse distinto na mistura.
Foi uma tentativa de incorporar a clareza e a definição da produção
Timbaland/IDM, mas utilizando instrumentos rock convencionais. Mesmo nos trabalhos
de mistura mais saturados, quisemos que o ouvinte fosse capaz de distinguir
cada porção em separado, permitindo a cada instrumento ocupar
o seu próprio espaço sónico. No nosso último disco,
estivemos menos preocupados com que cada faixa soasse distinta. O foco está
mais na soma de todas das faixas ao invés de cada uma separadamente.
Na maioria dos casos, quando a voz é usada, não é algo
que tivesse sido planeado no início de uma canção. Alguns
temas parecem convidar mais ao uso de vocais do que outros, e é a essas
canções que juntamos a voz.
Se algo mensurável, “Specifics”
mistura electrónica, uma atitude pós-rock e uma sensibilidade
para a melodia quase em partes iguais. O que passa pela cabeça de cada
um quando estão a criar?
Chad: Todos temos responsabilidades diferentes quando se trata de escrever
e produzir. O Ben faz todo o trabalho de pós-produção no
seu estúdio doméstico. O processo de criação na
escrita de canções resulta normalmente de um esforço conjunto
da banda durante os ensaios. Usamos diferentes formas de começar e polir
ideias. É bom termos métodos diferentes de criar à nossa
disposição, uma vez que colarmo-nos a um método torna-se
aborrecido. No nosso último ensaio, limitámo-nos a ouvir uma drum
machine padrão hi hat; o Drew e eu desenvolvemos uma secção
rítmica à volta disso, depois o Ben acompanhou com a guitarra.
Construímos assim as bases para uma nova canção de que
estávamos muito satisfeitos. Se o laptop do Ben não tivesse avariado
no início do ensaio, não teríamos desenvolvido a ideia
deste modo. O laptop avariado resultou numa agradável surpresa!
Cada elemento dos Midwest Product tem, pelo menos,
uma ocupação diurna, que, nalguns casos, difere da ocupação
da noite, a música…
Chad: Pessoalmente, o meu emprego de dia não é mau. Trabalho
por conta própria, tenho a flexibilidade necessária para partir
em digressão e criar quando é preciso. Gosto do balanço
entre as duas actividades. Se eu não trabalhasse, teria provavelmente
muito tempo livre. Seria bom trabalhar um pouco mais na música, mas até
agora a dinâmica entre a minha paixão e o meu trabalho tem funcionado.
Li algures que “os verdadeiros músicos têm empregos diurnos”,
talvez se começássemos a vender muitos discos, poderíamos
pensar em deixar os nossos empregos. No entanto, penso que há formas
de ser uma banda bem sucedida e auto-suficiente sem termos as nossas caras a
aparecer na MTV ou na Rolling Stone.
Ben: O meu emprego diurno é atendimento técnico para uma empresa
que fabrica hardware áudio para computadores. Daí que eu esteja
imerso em ambientes de música e produção a maior parte
do tempo. Muito do que faço durante o dia beneficia os Midwest Product
em todos os aspectos. As actividades complementam-se facilmente.
As actuações dos Midwest dão
lugar à experimentação. Como funcionam em cima do palco?
Chad: Bom, na verdade, quando tocamos ao vivo, não há
muito espaço para a experimentação. O nosso trabalho de
experimentação pode ser feito no período que antecede uma
actuação ao vivo, mas a improvisação não
é uma palavra que nós usamos quando estamos em cima do palco.
Acho que o objectivo dever ser sempre divertirmo-nos e agradarmos o público.
Para que o ouvinte ou o performer possa sair com algo memorável, ou algo
sobre que falar.
Ben: Apesar de haver, em definitivo, elementos programados, nós tentamos
fazer da nossa actuação algo tão energético como
os concertos rock que usam instrumentos tradicionais. Algumas canções
são compostas de tal modo que são bastante semelhantes de cada
vez que as tocamos, enquanto que outras podem variar grandemente dependendo
da actuação.
Por serem tão diversos esteticamente, os
Midwest Product estão um passo à frente de muitos projectos do
género. Interessa-vos alguém em particular na indietrónica?
Chad: Bom, fico feliz por considerar que ser diverso é uma coisa
boa. É que, por vezes, temos reviews muito críticas porque a faixa
um de “Specifics” soa diferente da faixa oito, sugerindo que era
suposto fazermos um álbum que fosse coeso e soasse ao mesmo de uma ponta
à outra. Eu cito sempre os Interpol como um exemplo para isto, porque
os Interpol são uma grande banda e as quatro canções são
muito boas, mas o álbum soa sempre igual do início ao fim –
o mesmo som de guitarra, o mesmo sentimento e a mesma produção.
Não penso que um disco deva ser maníaco, mas gosto quando ele
se ultrapassa um pouco. Gostamos de muitas bandas da chamada indietrónica
como Postal Service, Broken Social Scene, Manitoba, Mouse on Mars, Tortoise
e Trans Am.
Embora a vossa música apele ao abstraccionismo,
a componente visual de “Specifics” é muito telúrica
(um automóvel, uma pista de karting, um gorila, linhas e cores sóbrias).
Como rompem a fronteira entre estes dois mundos conceptuais?
Ben: O trabalho gráfico é uma tentativa de enfatizar
o elemento humano do álbum. Indicia que, apesar de usarmos a electrónica
e estarmos numa editora que lança música electrónica, há
muitos elementos orgânicos presentes. Em última análise,
recorda ao ouvinte que as canções são feitas por pessoas
e não máquinas.
No vosso site, há um código de barras
rasgado. Qual o seu significado?
O código de barras tem a forma de Michigan, que é o estado onde
nós os três nascemos.
Há uma versão engraçada de
‘When Doves Cry’ a circular. Quando e onde foi gravada? Por algum
motivo em particular?
Ben: Todos nós nos Midwest Product somos grandes fãs
do Prince. Em Janeiro de 2003, nós tocámos na nossa cidade natal
Ann Arbor sob o nome “Paisley Product”. Fizemos um set completo
de versões do Prince com Dykehouse (também da Ghostly, assim como
Planet-Mu) nos vocais. As pessoas gostaram muito da actuação,
por isso tentamos sempre incluir essa canção nos nossos sets quando
tocamos com Dykehouse.
Têm algum tipo de problemas com o Kurt Russell?
Ben: Não temos quaisquer problemas com ele, apesar de termos
gozado um pouco com ele. O tema ‘Lethal Cop (Kurt Russell)’ baseia-se
numa piada recorrente entre nós sobre os policiais americanos serem todos
muito similares. ‘Lethal Cop’ é o tema da banda sonora do
nosso falso policial, e nós pensámos que o Kurt Russell seria
o melhor actor como protagonista no filme. Se a canção tivesse
sido composta alguns anos mais tarde, talvez se viesse a chamar ‘Lethal
Cop (Vin Diesel)’.
De que modo a Ghostly Records vos apoia nas vossas
opções na música?
Chad: Musicalmente, recebemos um input da Ghostly sobre a nossa orientação,
mas é mínima. Somos nós que tomamos as decisões.
Por vezes, entregamos à Ghostly pequenos rascunhos do material que temos
e escolhemos o que manter e o que dispensar.
A compilação “Idol Tryouts”
da Ghostly tem um trabalho gráfico muito interessante. Quem a concebeu?
Ben: O autor do grafismo é Michael Segal, que fez muitas outras
coisas para a Ghostly, incluindo o trabalho gráfico para “World
Series of Love”. Ele também criou as personagens rapaz / gato /
pássaro que se vêem em muita da parafernália da Ghostly,
bem como alguns flyers surpreendentes para eventos da editora.
Desde a edição de “Specifics”,
os Midwest Product viajaram pelos Estados Unidos e tocaram em certames como
o South by Southwest e o Detroit Electronic Music Festival. Há, também,
“World Series of Love” a sair este mês. O que mudou em apenas
um ano?
Chad: Uma série de diferentes responsabilidades enquanto banda.
Agora, temos que esticar o relógio para termos tempo.
Ben: Estamos muito mais ocupados do que costumávamos. Há cerca
de um ano, ninguém fora de Michigan tinha ouvido falar de nós.
O grande crescimento que experimentámos aconteceu no último ano,
e espero que assim continue.
Este novo registo parece fazer emergir uma certa
fisicalidade. Concordam?
Chad: Sim. Penso que nos estamos a aperceber do que podemos fazer e
onde podemos chegar. Metade do disco anterior foi criado com o Ben e eu defronte
de um computador, só mais tarde incluímos um terceiro membro e
começámos a escrever canções como uma banda num
espaço de ensaio tradicional.
Ben: Como o Chad referiu, a maior parte do “Specifics” foi escrita
antes mesmo de nós sermos uma banda ao vivo. A grande mudança
com o novo álbum é que a maioria das canções foi
primeiro composta ao vivo e mais tarde gravada, ao contrário do “Specifics”,
em que aconteceu o inverso. No essencial, quanto mais tocamos ao vivo, mais
queremos que as nossas gravações soem a performance. Gostaria
de esfumar o mais possível as fronteiras entre a electrónica e
a organicidade.
Há,
também, um novo compromisso com a voz…
Ben: Nós nunca fomos contra o uso da voz, na realidade, mas
não considero que ela resultasse na maior parte das nossas canções
anteriores. O nosso material mais recente parece soar bem com a voz, pelo que
temo-la integrado mais extensamente. Reparei também que muitos dos nossos
fãs preferem os temas com voz. Contudo, não estamos interessados
em tornarmo-nos numa banda assente nos vocais. Esperamos fazer da voz apenas
mais um instrumento, sem que assuma preponderância sobre qualquer outro
componente de uma canção.