ENTREVISTAS
John Parish
Um certo e pequeno momento de magia
· 24 Jun 2006 · 08:00 ·
É provável que o seu nome seja mais reconhecível se junto ao de Polly Jean Harvey (especialmente quando falamos de Dance Hall at Louse Point, de 1996), mas John Parish é um “título” que vale por si mesmo. A verdade é que a carreira do britânico conta já com mais de 25 anos como músico (e produtor e com numerosos projectos, colaborações (como por exemplo com os Giant Sand, 16 Horsepower e os Eels) e lançamentos. No último, Once Upon a Little Time, o seu terceiro disco a solo, quis dar mais um passo em frente e construir algo distinto do seu antecessor, How Animals Move, editado em 2002, e a verdade é que o conseguiu. Tal como é possível perceber nesta entrevista (falhada em Madrid após o cancelamento do concerto que tinha em Madrid, mas mesmo assim concretizada), John Parish não é um músico que deseje parar no tempo. Antes, busca a metamorfose com a seriedade que a idade aparenta dotar, sempre atento para saber e conseguir retirar o melhor de cada situação. Para ele, parecem ser os pequenos momentos que contam, e não aqueles mais visíveis ou evidentes.

Quando foi o momento exacto em que percebeu que queria fazer isto com a sua vida, tocar e produzir música?

O momento exacto em que pensei que a música poderia ser para mim foi ver os T. Rex tocarem “Jeepster” no Top of the Tops (creio eu) em 1971 ou 1972. Foi muito tempo depois disso apesar de tudo que eu me comecei a interessar-me igualmente pelo lado da produção – isso começou quase por acidente em meados dos anos 80 quando alguns amigos meus (The Chesterfields) arranjaram um acordo para fazer um disco e como eles nunca tinham estado num estúdio e eu já, eles pediram-me para ajudá-los.

O que é que se lembra dos seus primeiros projectos musicais? Thieves Like Us, Headless Horsemen, Automatic Dlamini… Tanto quanto eu sei nem todos estavam muito relacionados com aquilo que faz neste momento…

Bem, na verdade Automatic Dlamini de certa maneira faz, já que eu ainda trabalho com muitos dos músicos que fizeram parte daquele grupo (Polly Harvey, Jeremy Hogg, Rob Ellis). Mas para lidar com a questão cronologicamente – Thieves Like Us, juntei-me como baterista em Setembro de 1979. Eles assinaram um acordo bastante rápido depois disso e colocaram-nos em estúdio – foi a minha primeira experiência de estúdio por isso foi muito importante para mim. Foi também onde eu comecei a desenvolver um interesse pela produção – eu tinha sempre a tendência a ser a pessoa da banda que ficava pelo estúdio depois de tocar as minhas partes… a ver aquilo que se estava a passar e ocasionalmente dando sugestões. Infelizmente o acordo azedou e a banda separou-se cedo em 1981. Depois disso pensei em formar a minha própria banda e ser o vocalista e guitarrista em vez disso. Por isso os Headless Horsemen foram formados com o Rob Ellis e o (baixista) Dave Dallimore. Depois de 18 meses o Dave deixou a banda e mudou-se para os Automatic Dlamini – um trio experimental de percussão. Esta banda existiu em vários estados/formações durante quase 10 anos e gravou três discos (o segundo, Here Catch Shouted His Father nunca foi lançado).

E em relação aos FABBA? Como é que tudo aconteceu? Uma vez ouvi alguém dizer que alguém que não goste dos ABBA não pode ser uma boa pessoa… concorda?

É curioso a quantidade de vezes que já me perguntaram acerca disto. Os FABBA existiram precisamente por um concerto – numa festa de véspera de fim de ano. Foi uma grande diversão, e é de certa forma difícil encontrar alguém do último par de gerações que não tenha pelo menos uma memória preciosa relacionada com os ABBA…

O seu trabalho com a PJ Harvey teve alguns avanços e alguns recuos mas tudo parece verdadeiramente perfeito por Alturas de Dance Hall At Louse Point, lançado em Setembro de 1996. Como é trabalhar com ela?

Bem, nos somos amigos muito chegados por isso às vezes pode ser muito esgotante emocionalmente mas em última análise é sempre recompensador. Suscitamos coisas um no outro que mais ninguém consegue, de certeza.

Surpreendentemente deram muito poucos concertos para promover esse disco particular e especial, à parte de algumas aparições na televisão? Porquê?

Por uma série de razões. Uma, o disco saiu não muito depois do mamute que foi a digressão “To bring you my love” da qual nem a Polly nem eu tínhamos recuperado completamente. Duas, a editora não tinha muito bem a certeza de como promovê-la… é um disco de PJ Harvey? Quem é o John Parish? Etc. Mas na verdade acabamos por tocar muitas das canções do Louse point na digressão para promover o Is this Desire em 1998.

Sempre achei que uma das suas maiores colaborações foi com os 16 Horsepower, com o David Eugene Edwards. O que o levou a aceitar o convite dele?


Eles enviaram-me o primeiro disco de 16 Horsepower e eu gostei. Fui até Denver por uns dias para ensaiar com a banda e eu achei que aquilo que eles estavam a fazer era realmente especial. O David é muito dedicado como artista, e como pessoa também, obviamente. Apesar da banda não estar ainda junta, eu imagino que haja ainda muita coisa fantástica para vir do David, do Pascal e do Jean-Yves.

Em 1999 vimos o lançamento do seu primeiro disco realmente a solo, que foi na verdade a banda sonora de um filme. Porque demorou tanto trabalhar a começar a trabalhar a solo?

Acho que estava apenas ocupado a fazer outras coisas – e não o fiz. Na verdade ainda não tenho um desejo ardente de ser um artista a solo. Patrice Toye (o director belga de Rosie) pediu-me para fazer a banda sonora do filme – era algo que eu queria fazer há já algum tempo e tive sorte de na primeira vez que fui convidado para o fazer o filme ser bastante bom. Quando acabei de escrever toda a música, pensei que daria um bom álbum banda sonora que conseguia viver por si próprio, por isso encontrei uma pequena editora (a agora defunta Swarfinger de Bristol) para o lançar.

Once Upon a Little Time, o seu ultimo disco, parece um pouco diferente de How Animals Move; é menos imediato, menos director e mais despido. Ficou de alguma forma surpreendido com o resultado final?

Não fiquei realmente surpreendido. Queria fazer um disco que fosse muito diferente do How Animals Move… Não queria estar sempre a ser escolhido para o mesmo tipo de papel’ como o tipo que escreve grandes instrumentais para bandas sonoras.

Ao longo destes anos trabalhou com tentas pessoas em tantas áreas diferentes. O que o fez escolher Giorgia Poli, Marta Collica and Jean-Marc Butty para este último disco?

Gostei deles como pessoas e como músicos. Pensei que nós os quatro seria uma boa combinação. E sinto que como grupo ainda estamos a ficar mais fortes. Toda a gente tem uma forma muito distinta de tocar – os seus caracteres são muito evidentes nos sons que eles fazem.

How Animals Move e Once Upon a little time (mais o primeiro que o segundo) parecem-me possíveis bandas sonoras. Ainda trabalha focado nas imagens e nos sentimentos para escrever música, como na banda sonora de Rosie? Também me parece que sempre gostou de levar a sua música para outras áreas artisticas como a dança, o video ou a fotografia…


Sim, a atmosfera é muito importante para mim, por isso apesar de eu não ter geralmente uma ideia visual especifica em mente – a não ser que eu esteja a trabalhar num projecto visual especifico que já existe – estou sempre preocupado em criar uma atmosfera definida. Consequentemente, muita música que eu escrevo – talvez a maior parte – presta-se a si própria a acompanhamento visual. Sempre gostei de escrever para outras áreas artísticas… dança, instalações de vídeo arte, filmes – e neste momento estou a acabar a música para um drama de televisão holandesa em 7 partes sobre uma família do circo chamado Waltz.

Como concilia a sua criação musical com o seu trabalho de produção? Prefere concentrar ambos quando trabalha com outros ou sozinho? Na maior parte das vezes produz e toca ao mesmo tempo…


Eu não faço distinções gigantescas entre produzir, tocar, escrever… é tudo fazer música para mim. Mas estou consciente dos diferentes níveis de responsabilidade, e acho que sou bastante bom a identificar o meu papel em qualquer projecto. Geralmente gosto de trabalhar com outros músicos mas ocasionalmente preciso de descobrir algumas coisas sozinho.

Os títulos dos seus discos com os primeiros projectos pareciam sempre irónicos e de certa forma divertidos e os dos seus últimos discos parecem sempre mais sérios e focado. O que mudou? Leva a vida mais a sério agora? Alguma vez pensou nisto?

Mmn… boa pergunta… não foi uma decisão consciente ‘ficar mais sério’… Não sei mesmo – nunca tinha pensado sobre isso. Mas tenho sempre muito cuidado quando escolho títulos – e sempre tive. Não me sinto particularmente mais sério e focado – mas talvez esteja.

Se tivesse de escolher um momento particular da sua carreira para ilustrar a sua vida musical… qual seria?


Isso é tipo uma questão impossível… já toco há 25 anos, por isso não existe um momento que possa encapsular tudo aquilo que eu fiz e todos aqueles com quem eu toquei – por isso vou escolher os primeiro 15 minutos e tal de um concerto que nós (a banda do Once Upon a little Time) demos em Bolonha em Abril deste ano. Muito ocasionalmente tens momentos em palco onde toda a gente esta completamente sintonizada e existe um sentimento palpável de magia, a música está a tocar-te, ou até a tocar sem ti. Estes momentos são a razão pela qual eu faço música. E neste concerto em particular o momento demorou muito mais do que aquilo que é habitual. Fiquei sem fôlego.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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