ENTREVISTAS
Glenn Jones
Uma guitarra de mitos tocada por uma lenda
· 22 Abr 2016 · 11:49 ·
Fundador dos míticos Cul de Sac e amigo pessoal da lenda John Fahey, Glenn Jones, está quase com um pé em Portugal. O guitarrista irá regressar ao nosso país no próximo mês de Maio para uma mini-digressão que o levará a Portalegre (dia 4, CAE), Lisboa (dia 5, ZDB), Espinho (dia 6, Auditório) e Bragança (dia 7, Centro de Arte Contemporânea). Na bagagem leva dois novos trabalhos discográficos: Fleeting, lançado em meados de Março e o EP Welcomed Wherever I Go, já este mês.

Virtuoso do “primitivismo americano”, estilo pouco conhecido do grande público, Glenn explica-nos do que se trata e de como é tratado esse autêntico tratado musical primevo de guitarra em punho. Fala, também, com ternura e respeito, de John Fahey, mestre, amigo e inspiração. E a conversa estende-se, da falta de cultura musical dos norte-americanos ao onanismo dos guitarristas clássicos, não esquecendo a futura passagem por Portugal e os dois projectos que tem na manga, Glenn Jones atira-se para dentro do Bodyspace como os animais que coloca nas capas dos seus álbuns…leve e despretensiosamente.
Como definirias o “primitivismo americano” para aqueles que não o conhecem?

O termo foi, primeiramente, utilizado como um modo de descrever a música de John Fahey, que preferia esta descrição ao folk, estilo, onde anteriormente se incluía a sua música. Significa naïf, não-ensaiado, pessoal.

Isto, leva-me a perguntar-te se os Estados Unidos da América tratam bem a sua história e, neste caso particular, a sua história musical? O público conhece o “primitivismo americano”?

Não, em nenhum dos casos. O termo ganhou fluência na década passada quando um maior número de guitarristas, influenciados pelos originais no estilo, tais como Fahey, Robbie Basho, Peter Lang, Leo Kottke e alguns outros, o recuperaram.



De que modo John Fahey te influenciou?

Essa é uma enorme questão. Conheci-o ao longo de 25 anos e ele influenciou-me mais como amigo, do que através da sua música. Mas vamo-nos restringir apenas à música. John foi o percursor. Ele abriu o caminho aos músicos que se lhe seguiram. Ele criou uma música que sintetizava as formas vernaculares musicais americanas, tais como o blues, o gospel e o hillbilly, e combino-as e recombino-as com a música clássica europeia e norte-americana e as mais variadas formas de raga do século XX. Tocar guitarra, para o John, era uma espécie de terapia, de catarse; um escape emocional e criativo (mas não só – de notar que ele também pintava e escrevia proliferamente). Do mesmo modo que Segovia criou um público para a guitarra clássica, Fahey criou-o para a guitarra de cordas de aço. A sua música fez-me perceber, ainda adolescente, que alguém munido de uma guitarra acústica pode expressar emoções complexas, pintar quadros, contar histórias, e, com isso, proporcionar aos seus ouvintes uma viagem. Música que, de igual forma, me lançou no caminho que percorro, mas em especial nos últimos dez anos, tempo em que me dediquei exclusivamente à guitarra acústica e, em menor grau, ao banjo. É impossível quantificar a importância que ele teve para mim, assim como para outros guitarristas.

És considerado, não raras vezes, um mestre da “guitarra primitiva”. Isto coloca algum tipo de pressão sobre os teus ombros ou é apenas algo que as pessoas dizem para não estarem caladas?

O que as pessoas dizem ou pensam não me coloca qualquer pressão. A única pressão que sinto, é aquela que eu coloco a mim mesmo: ser criativo, expressar-me com a minha própria voz (e não com a de John Fahey, por exemplo), fazer algo que, com sorte, viva para além de mim.

A tournée que estás prestes a realizar levar-te-á, de novo, a Portugal. Com uma forte tradição guitarrista, basta pensar no fado, julgas que a tua música é mais apreciada e compreendida aqui e, por extensão, na Europa do que nos Estados Unidos?

Penso que, na Europa, existirá uma maior curiosidade acerca deste peculiar estilo de música do que na América, local onde os ouvintes não são tão curiosos acerca da sua própria tradição musical.

A guitarra associada ao “primitivismo americano” é diferente da guitarra clássica. Em termos técnicos e de sonoridade, quais são as maiores diferenças?

Os guitarristas clássicos são, na maior parte dos casos, intérpretes de composições pertença de outros autores. Só consigo pensar num guitarrista de classe mundial que, também, escreva material original de grande qualidade: Augustin Barrios. Os guitarristas associados ao “primitivismo americano”, em contraponto, compõem a maior parte da música que executam. Alguns desses músicos são, talvez, demasiado derivativos, mas todos os guitarristas que conheço, dentro deste estilo, tentam compor originais. Em termos técnicos, a guitarra clássica (e os seus muitos e variados dedilhados) é mais sofisticada em termos de pura virtuosidade. Porém, não raras vezes, sinto que essa virtuosidade é voltada apenas para o próprio guitarrista, uma espécie de onanismo de tecnicidade – e, para mim, isso não é o mais importante. Prefiro ouvir uma nota que me diga algo do que cem vazias de conteúdo.



Tive a oportunidade de escrever uma review sobre o teu último trabalho discográfico Fleeting. A crítica foi criada no formato conto, porque foi isso que o teu disco me inspirou a fazer: uma viagem por diferentes momentos na vida de um homem, todos diferentes mas todos saltando harmoniosamente entre si por entre as paisagens quentes do sul. É isto Fleeting? Uma espécie de jornada entre o sul da Europa, marcada a traços carregados de história árabe e a quietude da floresta californiana?

Fico contente por ti (e por todos os leitores) por encontrares o teu significado dentro da música. Irá, necessariamente, significar algo diferente para ti do que que aquilo que significa para mim. “Uma espécie de jornada?” Sim, espero que sim!

A arte das capas dos teus álbuns tem sempre representações vintage de animais com guitarras. Porquê animais? És algum desses animais, ou é como na “Metamorfose” de Kafka, em que te vais, lentamente, tornando num animal, neste caso vários, enquanto tocas?

Bom, tens que colocar qualquer coisa na capa dos teus álbuns, porque não postais centenários de animais, insectos e plantas a tocarem guitarra? É uma forma de não me levar demasiado a sério.

Depois de Fleeting e aparte a necessária tournée, o que é que tens em mente?

Tenho dois álbuns entre os trabalhos futuros: um com Matthew Azevedo, meu “misturador” e “masterizador”, gravado numa estação de abastecimento de água com mais de 100 anos situada num complexo industrial gigantesco através de 18 microfones – uma performance incrível, com belíssimos sons e estupendamente gravada. A outra é um registo em trio, com o David Greenberger e o Chris Corsano intitulado An Idea Is Everything. Tem cerca de uma hora de duração, será lançado como um LP duplo de 10’’ pela editora Okraina Records, Bélgica, lá mais para o final do ano.
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
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