ENTREVISTAS
The Thing
Free your jazz and your mind will follow
· 30 Jul 2013 · 23:50 ·
Quando se pensa num power trio, pensamos num grupo de pessoas que bombardeia rock pelos instrumentos e pelos poros, cuspindo torrente atrás de torrente de electricidade juvenil. O jazz é coisa de velhos, ou uma influência que passa despercebida. E no entanto os The Thing não são outra coisa que não um power trio, misturando essas duas vertentes musicais numa pequena grande granada que rebenta se não nos aproximarmos com cautela - e no entanto a curiosidade move-nos mais do que o perigo. Ao longo de mais de uma década, o trio escandinavo colaborou com nomes como Jim O'Rourke, Otomo Yoshihide e Joe McPhee, e deu-nos também uma magnífica discografia onde se contam álbuns como Action Jazz, de 2006, ou Bag It!, de 2009, voltagem free nos píncaros. Antes de actuarem no Jazz Em Agosto, na Calouste Gulbenkian, falámos com Paal Nilssen-Love, o Gabriel Ferrandini norueguês, que foi amável o suficiente para não notar a ignorância jazzística do entrevistador. Eis então o que há para saber.
Como descreverias o free jazz a alguém que não se familiarize com o género, como é o caso de muitos dos leitores desta webzine?

Diria que a música representa algo político, social, inclusivo, energético, celebratório, incompreensível e capaz de mudar a vida de alguém.

Quando os The Thing começaram a tocar, eram bastante influenciados pelo Don Cherry, verdade? No ano passado, lançaram um disco com a enteada dele. Achas que com isto o trio fechou o círculo?

De certa forma, sim. E sentimos que fazê-lo era o mais acertado naquele momento. Agora estamos a seguir o nosso próprio caminho e o tempo dirá até onde iremos musicalmente. Ainda assim, espere-se muita energia e música estonteante!

© Petra Cvelbar

Ainda sobre o The Cherry Thing, considerá-lo-ias o vosso disco mais pop em termos de expressão musical? Apesar de existirem muitas influências do free jazz e da cena improvisacional, não é tão abrasivo como se acreditaria a princípio...

De certa forma é um disco pop e constituiu apenas o início. Em disco, mantemos as coisas ligeiramente estruturadas mas ao vivo conseguimos torná-las mais extensas. Talvez tenha sido demasiado para uma audiência pop, e as estruturas com que lidámos talvez tenham sido demasiadas para uma audiência jazz, mas fizemo-lo, divertimos-nos, atiçámos alguma energia e deu-nos uma nova plataforma de onde partir.

Para o Jazz Em Agosto, tocarão enquanto septeto em vez de trio, juntamente com outros grandes nomes como o Peter Evans e o Jim Baker. Que desafios enfrentam com esta encarnação? Ajuda a cenários improvisacionais ou torna mais difícil manter um pulso firme?

Qualquer um está livre de manter pulso firme ou de fazer o que lhe agrade mais aqui e ali. Com tamanha quantidade de músicos em palco, cada qual é obrigado a prestar atenção, ouvir, reagir, tomar uma iniciativa, deixar a música viver e não a forçar de qualquer maneira. Basicamente, exige mais de cada músico. Enquanto trio, talvez funcionássemos enquanto catapulta para cada um, ou chame-se-lhe solista. Mas os tipos envolvidos são músicos fortes que, espera-se, nos levem (aos The Thing) para novas paisagens e modos de tocar que não experimentámos antes. Será The Thing, mas maior.

Os The Thing existem enquanto entidade há treze anos. Qual dirias foi o vosso ponto mais alto? Ou ainda está para vir? De todos os músicos com quem os The Thing já tocaram, quem dirias, enquanto fã de música, que te excitou mais?

Todas as tournées se tornam e me fazem sentir que são o nosso ponto mais alto enquanto trio. Mas após cada uma delas, sabemos que temos mais coisas a realizar e que a tour anterior foi apenas o início da próxima. Todos mudamos enquanto pessoas de ano a ano, aprendemos através das experiências que partilhamos tanto connosco como com outros grupos e colaborações e verificamos que a nossa música se desenvolve em cada concerto que damos. Se esse não fosse o caso, teríamos de ter uma conversa séria... Todos os músicos que já tocaram connosco alteraram a música até certo ponto mas acho que também conseguimos alterá-los a eles, pelo menos um pouco, espero... não há favoritos mas voltamos não raras vezes a tocar com o Joe, e isso é sempre um prazer.



Por diversas vezes as pessoas utilizam adjectivos como "frenético" e "energético" para descrever o som de The Thing. É essa ferocidade que mais vos atrai à música? O Blixa Bargeld está enganado quando diz que o silêncio é sexy?

É energético, claro, e é esse essencialmente o núcleo do trio. Mas é certo que não existe ruído sem silêncio. Sexy? Tudo o que está no meio...

Em que é que os The Thing estão a trabalhar de momento? Existem planos para um novo disco? Que poderemos esperar num futuro recente?

Muitos planos. Estamos prestes a começar a nossa própria editora e a fazer as coisas à nossa maneira. É tempo de ter uma maior responsabilidade. Há um disco a sair em Fevereiro, intitulado BOOT!, e depois um disco ao vivo com o Thurston Moore. E iremos reeditar o nosso catálogo inteiro em vinil. Tudo aqui.

Quais são as tuas maiores influências no teu estilo enquanto baterista?

A vida? O amor? A música? A lista é extensa... mas, para mencionar alguns, diria Phillip Wilson e Steve McCall. E, claro, Ed Blackwell, Elvin Jones, Tony Williams, Jack DeJonette, John Stevens, Tony Oxley, Paul Lovens, Paul Lytten e Han Bennink... e Takeo Moriyama... o Zach Hill também faz coisas bastante interessantes, tal como o Brian Chippendale ou os bateristas de Pig Destroyer, Messhugah, Nasum e Nile... e a lista continua...

Cresceste numa casa muito ligada ao jazz. Com que idade decidiste que querias seguir os passos da família? A maior parte dos adolescentes detesta os gostos dos pais...

Sim, os meus pais tinham um clube de jazz em Stavanger, onde cresci, por isso fui exposto a música, músicos e baterias desde sempre. Foi a coisa mais natural do mundo, para mim, mas a verdade é que planeava tocar corneta na banda da escola... só que a palavra "baterista" escapou-se-me e... foi isto. Acho que a música e a bateria me escolheram a mim.

Que pensas da recente detenção do Varg Vikernes?

Aquela em França? Sabes que ele representa um grupo de pessoas que tem ideologias bastante extremas sobre como tornar o mundo ocidental "limpo"... isso inclui, claro, o fascismo, o racismo, etc., que é algo que temos de combater. Mesmo que ele ainda estivesse preso as ideias continuariam a existir. O mesmo para o Breivik. Aparentemente, há muita gente que segue a sua ideologia, que se fascina com a sua persona e a sua música na Europa de leste. Não é bom. Se fosse possível olhar para a música como apenas música, sem conotações políticas, tudo bem, mas o problema é que as pessoas também olham para e veneram o aspecto político da e através da sua música. Claro que a música pode ser ofensiva, mas é melhor que levante questões, que altere o modo de pensar das pessoas e, talvez esteja a ser algo ingénuo, mas através da música que NÓS tocamos, talvez alguém possa mudar pouco a pouco...
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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