ENTREVISTAS
Little Friend
Pequenos crimes entre amigos
· 15 Mai 2013 · 00:17 ·
© Le Joy
John Almeida divide-se entre Portugal e Inglaterra. Foi cá que começou a tocar guitarra aos 14 anos e foi cá que, em 2013, produziu o primeiro álbum a solo, num projecto intitulado Little Friend. De Londres, onde começou a compor anos mais tarde, guarda muitas saudades mas valores mais altos se levantaram, fazendo-o regressar ao país onde cresceu. Em terras britânicas tocou numa banda e conseguiu viver da música. Aos 40 anos, sem compromissos contratuais ou de ensaio, sem pressas, decidiu lançar-se a solo, como cantautor. Consciente de que não estaria a inovar, cruzou géneros musicais que vão desde o folk à dream pop. Eis WeWillDestroyEachOther, lançado este ano pela Optimus Discos e que conta com colaborações de André Tentúgal e Alexandre Monteiro. Aliás este um projecto que vive do companheirismo. John, o nosso pequeno grande amigo, escreve sobretudo nas horas más. Fala de inícios, de fins, de separações. Em suma, de ciclos. Só quer mesmo “que a música toque as pessoas”.
O que te leva a editar um primeiro cd a solo aos 40 anos e já depois de teres vivido da música?

Bem, a minha experiência anterior na música foi uma coisa muito diferente do que vivo agora. Era membro de uma banda, tinha uma rotina de ensaios, tudo era uma decisão colectiva. Apesar de eu escrever as letras e de compor a maior parte das músicas, a banda tinha muita influência na parte dos arranjos e no produto final que, muitas vezes, mudava muito desde a ideia inicial. Em termos de “viver”, era também diferente por ser Londres. É um meio diferente, em que sair do “underground” é muito difícil e sentes na pele as dificuldades de tocar sem receber, de fazer um esforço financeiro enorme para pagar salas de ensaio, renda de casa, tudo em quantias astronómicas. E a concorrência é imensa também. Sentes-te um pouco à deriva no meio disso tudo. Esteprojecto a solo foi desde o início diferente. Nunca houve a pressão de “makeit”, de ter de ser assinado, de ter de lançar um disco, de entrar no circuito de concertos…E também acho que eu fui tardio a crescer. Aos 30 anos eu ainda não tinha encontrado a minha verdadeira voz, acho que ainda não tinha chegado ao ponto de achar que estava pronto. Cheguei lá tarde, foi só isso.

De que forma o teu trabalho como runner poderá ter influenciado as composições?

Na verdade não influenciou.As músicas que estão no disco foram escritas há algum tempo, foram escritas mais ou menos na altura em que eu comecei a fazer esse trabalho…2009, por aí…Algumas mudaram muito desde então, outras são mais antigas ainda. Acho que poderei ter sido influenciado no aspecto de ter tido oportunidade de ver as dinâmicas de algumas bandas quando estão na estrada, de ver como a experiência muda conforme a pessoa. Agora que penso nisso, algumas coisas menos animadoras que vi nesse trabalho influenciaram a minha decisão de adiar o disco. Fiquei desconfiado da vida de músico, que já tinha vivido e que por vezes é muito difícil do ponto de vista prático, económico... Demorei a concluir que não podia deixar de o fazer.

© Le Joy

A tua vida está divida entre Inglaterra e Portugal. Onde e quando é que começaste a compor e a tocar?

Eu passei a minha adolescência em Portugal, e foi cá que comecei a tocar. Comecei a tocar com 14 ou 15 anos, mas só comecei a compor com 18 ou 19. Coisas muito foleiras, meias “metal”, meias “indie”…Uma confusão! Quando voltei para Londres comecei a dedicar-me mais a escrever. No primeiro ano em que lá estive, com 22 anos, devo ter escrito cerca de 500 letras de músicas… Sem música. Não tinha ninguém com quem tocar, e nem sequer tinha vontade de procurar. A ideia de tocar numa banda entristecia-me , porque um grande amigo que fazia parte da minha primeira banda tinha morrido há pouco tempo num acidente de carro. Foi um ano muito estranho. Depois comecei a compor mais regularmente, música e letras.

O facto de conheceres tão bem duas culturas, e educações, distintas sente-se na música que fazes?

Não sei se sou o melhor avaliador disso. Confesso que me sinto muito próximo da cultura inglesa no que diz respeito a música, cinema, literatura, ... Mas sinto-me parte da cultura portuguesa no que diz respeito a valores mais intangíveis, coisas que herdei da minha família. Não sei se isso transparece na música que faço, que em termos (pelo menos formais) é da escola anglo-saxónica. As letras que escrevo são mais universais do que propriamente relativas a qualquer um dos países. Podia ser em qualquer lugar, não têm nada de culturalmente específico. Por outro lado, por serem universais, também contém lá pedaços de Portugal e de Inglaterra.

Contaste com a ajuda do André Tentugal, dos We Trust, e do Alexandre Monteiro, dos TheWeatherman. Little Friend é um projecto que vive do companheirismo?

Com toda a certeza. O Alexandre e o André foram as pessoas que estiveram no inicio dos Little Friend, que me ajudaram a gravar as primeiras músicas, que me encorajaram. Depois do primeiro impulso, todo o meu trajecto teve a presença de amigos, que sempre me ajudaram. Sempre pensei que deveria ser assim que as coisas se passavam, com pessoal de bandas diferentes a entreajudar-se, a colaborar, a participar. Sempre fiquei fascinado com as histórias da cena em LA nos anos 70, que antes de se dissolver numa nuvem de coca, passou muito por haver colaborações, um espírito de “o que é bom para ti é bom para mim”, e o meu disco é prova disso. Tem montes de colaboradores, desde os músicos ao designer da capa, o João Vieira, ao autor da fotografia, o João Sousa,a amigos “novos”, como o Nuno Mendes que produziu o disco. Enfim... Tudo amigos que quiseram participar e acho que foi criado um ambiente fixe de colaboração.

Nas tuas canções não há uma fórmula mágica inovadora apesar do cruzamento de alguns géneros. Para ti, qual é o grande elemento diferenciador deste disco?

Eu nunca pretendi ser inovador, francamente. O que quis foi fazer um disco de boas canções, inspirado pelos discos que ouvia e ouço, inspirado pelos cantautores dos anos 70 que admiro.Quis fazer um disco de cantautordo qual ficasse orgulhoso. A haver algo de diferenciador, acho que são as canções. O formato pode ser tradicional - e não estou a reinventar a roda - mas acho que tenho algo a dizer que é diferente do que já foi dito... Talvez na forma como combino as coisas. Faço música tecnicamente simples e muito acessível mas penso que consigo que não seja simplista. É assim por uma razão concreta: porque não gosto muito de espalhafato e quis que as letras fossem ouvidas. As letras são um factor de peso para mim. O elemento diferenciador é ser a minha voz, a minha história, mensagem,... Chama-lhe o que quiseres! Espero que a música toque as pessoas, mesmo que não consigam explicar porquê.

© Le Joy

As letras não são propriamente alegres ou optimistas. Escrever é um refúgio nas horas menos boas?

Eu escrevo sempre mais nas alturas menos boas, é verdade. E o disco é um pouco um relato de situações duras, difíceis, inícios, fins, separações…Mas também espero que se consiga descobrir uma nota optimista ou outra. Depois da tempestade vem a bonança, por assim dizer. Sinto muita coisa a sair-me da cabeça nas alturas tristes mas agora também começo a escrever nos dias mais felizes.

Num momento tão delicado para o país, o que te levou a construir este CD em terras lusas e não em Inglaterra? E quais são as principais diferenças que sentes na área da música entre os dois países?

A principal razão para estar em Portugal é a minha família, tenho uma filha pequena e agora a minha vida é aqui. Eu sinto umas saudades muito grandes de Inglaterra, de Londres, mas sempre me senti dividido entre os dois países. As diferenças são muitas: o tamanho do mercado e dos públicos será a mais significativa. Quando uma banda inglesa aparece, a Europa e o mundo prestam atenção. por cá não é o mesmo, e muitas vezes as bandas portuguesas são melhores do que as inglesas. É uma questão de “status” dos países, que é um preconceito colectivo. Enquanto em Portugal é mais fácil sair do underground, em Inglaterra é mais fácil fazer o salto internacional e andar pelo mundo a tocar, a viver da música, depois de batalhar no anonimato durante anos e anos. E esses anos de dureza tornam as bandas mais resistentes aos rigores da estrada, e acho que as bandas inglesas apreciam mesmo muito quando são bem tratadas nos hotéis, nos cachets….Em Portugal essa parte é, ou era até há recentemente, encarada com naturalidade. Eu lembro-me das caras dos músicos ingleses quando vêm a festivais cá e chegam ao Sheraton... Nem querem acreditar!

As próximas actuações ao vivo serão individuais ou com banda e convidados?

As actuações que tenho feito são no formato trio, com o Carl Minneman no baixo e teclas e o SilvioMinnemann na bateria. No concerto de apresentação do disco tivemos imensos convidados, desde o André Tentugal e o Alexandre Monteiro até aos BestYouth, o João e o Fernando dos X-wife, e outros… Acho que ter convidados é sempre uma possibilidade, gosto disso.

Relativamente a um futuro próximo, que novidades e que desejos trazes na bagagem?

Acho que vamos ter um single novo dos Little Friend em breve... Espero ter muitas hipóteses para mostrar o disco ao vivo, porque é diferente do disco gravado em estúdio. Espero dar a conhecer o nome Little Friend a cada vez mais pessoas. E também tenho vontade tocar por Portugal inteiro e noutros países, de ir o mais longe possível.
Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com
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