ENTREVISTAS
Ghuna X
Cenas de rua
· 02 Ago 2012 · 20:15 ·
O portuense Pedro Augusto tem vindo a mostrar trabalho na música elecrónica com Ghuna X desde 2005 - em muitas frentes e de forma muito activa. Para além de trabalhar regularmente nas áreas da dança, do teatro e do vídeo, assim como na criação de bandas-sonoras, Pedro Augusto colabora com a Digitópia (na Casa da Música) e é co-fundador da editora Marvellous Tone (orgulhosamente DIY) e do colectivo Faca Monstro. Na sua biografia também cabem projectos como GHUNAGANGH (com Rey), na área do hip-hop, entre outras entradas discutidas numa entrevista que revela o cenário por detrás da criação de Ghuna X e outras questões fundamentais para se perceber o seu raio de acção, a sua missão, o seu posicionamento. Não ponham um X neste Ghuna porque parece ele ter muito para dizer no futuro.
O teu LP de estreia foi editado o ano passado. Que balanço fazes hoje em dia desse disco?

Como é que respondo a isto sem um redondo "positivo"? Acho que surtiu o efeito desejado, correu bem, mas ainda aqui tenho alguns discos na sala... No outro dia, em conversa, diziam-me que proporcionalmente talvez já tenha vendido mais que o David Fonseca, que também editou em vinil. Eu acho que resultou, mas é por outros motivos. Estou consciente que funcionou como um estímulo para outros artistas independentes, isso apraz-me. E porque, a vários níveis, se tornaria um ponto de viragem para mim e para o meu trabalho. Esse disco foi uma espécie de epifania, um dia vislumbrei-o e enquanto não o tive na mão (três ou quatro meses depois) não parei… Precisava de o fazer.

Como é para ti o processo criativo? Caótico, organizado, permeável?

Funciono por estímulos. E, eles podem tanto advir de uma relação material com um instrumento ou objeto, como de um conceito sugerido por terceiros, ou por ti próprio. Não vou fazer música se não achar que tenho alguma coisa interessante para transmitir, e até acho positivo passar alguns momentos sem construír realmente, nada. Se és músico, vais perceber que precisas de tempo e objetividade no que fazes. Porque, lá no fundo, estás sempre a pensar mas só te apercebes disso no confronto, quando voltas a tocar. E sim, um pouco de caos. Ultrapassando essa fase inicial a coisa pode tornar-se caótica no estúdio. Cada projeto provoca uma transfiguração no espaço, e isso é um sinal de que está tudo a andar.

Fala-me um pouco das colaborações nesse disco e o que é que cada uma delas trouxe ao registo…

Não houve propriamente colaborações directas no disco. Ele contém registos espaçados em tempo, dois ou três anos... mas sempre pela minha mão. O que houve foi, uma evolução paralela do material que acabou por ficar, com aquilo que eu vinha desenvolvendo e aprendendo com outros músicos. Caso da Ana Deus, Alexandre Soares, Rey,... que acabaram por participar no concerto de lançamento, porque fazia todo o sentido tê-los ali.

© Jonathan Melgar

Acabas de lançar um novo registo em k7. O que nos podes contar acerca dele?

Esta edição surgiu a partir de um convite do Atomizador, dias depois de nos termos conhecido no Porto e de ele ter ouvido algum do meu trabalho. Simultaneamente, eu vinha a gravar alguns doodles musicais com um Philicorda. Assim uma coisa mais descomprometida e imediata, que funcionava pelo prazer de tocar e pela sonoridade dura e frontal que conseguia obter dali. É uma série de registos curtos que podem servir como apontamentos para o futuro. Tanto para mim como para outros músicos (é um bom disco para se samplar ou fazer versões, parece-me). Quando o gravava, não precisava de mais nada, sobretudo não sentia falta daquele multi-layering detalhado do LP. Foi uma mistura muito mais directa.
Por outro lado, há directivas que se mantém. Ambos são discos de se ouvir alto.

Também acabas de lançar uma banda-sonora que realizaste para um espectáculo em 2011. Fala-me um pouco disso…

O 2 Cyborgs Num Quarto Vazio é o registo de uma peça de teatro encenada pelo Alexandre Lemos (Marionet), na qual trabalhei por alturas de apresentação do LP (o Alexandre é a única pessoa que conheço que passou de carro por cima desse disco). Na altura, fiquei, e ficámos, muito satisfeitos com o resultado da peça. Estava coeso com as ideias iniciais e, musicalmente, era muito diferente de tudo o que tinha feito. Passado uns tempos, quando voltei a ouvir, achei que era legítimo editar.

Sei que é o primeiro volume de uma série de bandas sonoras que tens feito e que queres editar. O que nos podes contar acerca disso?

Sim, essa banda-sonora foi o clique inicial. Entretanto (lá para Outubro), apresentarei uma outra, composta para uma curta-metragem de terror/drama assinada pelo André Gil Mata. Demorei meses a terminar e fiquei com tanto (creio, interessante) material gravado, que os 14 minutos do filme passaram a uma hora de música, entre versões de temas e takes não utilizados. Quando me apercebi que toda música nova que tinha, eram trabalhos deste género e que poderiam ser ouvidos fora do contexto original, comecei a pensar numa série. Para não dispersar, chamei-lhe The Environment (que é o nome do estúdio) e enquadrei-a na editora, a Marvellous Tone.


Achas que se vivem tempos entusiasmantes para a criação musical e artística na cidade do Porto?

Acho, mas o estímulo surge sobretudo entre quem é criativo.

Sinto aí alguma ironia ou sarcasmo. Queres desenvolver?

Em parte sim. Quem faz bem é quem sempre fez, quem nunca precisou de apoio de estrutura alguma. Claro, que se esse apoio existisse tudo funcionava melhor. Depois, há esta coisa que me chateia que é o mediatismo e a duplicação de informação. Tanto blog, tanta opinião, e uma só maneira de apresentar as coisas e de, recursivamente, apresentar as mesmas coisas.

Vives entre projectos musicais muito distintos. Não se torna um pouco bipolar ou tripolar às vezes?

Se a coisa for feita por partes, acho que consigo manter a sanidade. O problema é se eles coincidem, aí não podes relaxar muito (nem beber). Mas faz-se sempre, se houver estímulo... Às vezes não há.
Em geral, gosto desse envolvimento e de criar uma certa transversalidade de trabalho para trabalho.

Sentes que fazes parte de alguma realidade musical ou artística no Porto ou em Portugal? Sentes que fazes parte de alguma coisa com que te identifiques artisticamente?

Sinto. Mas vou entrar num meta-discurso se falar sobre isso. Não sou eu que o tenho de fazer.

Falamos há pouco das bandas-sonoras a editar. Que mais projectos musicais tens para um futuro próximo?

Vou apostar um pouco na Marvellous Tone, editar discos de outros músicos. Da minha parte, acho que não tenho mais a dizer este ano.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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