ENTREVISTAS
Dead Combo
Uma cidade com janelas abertas para o Mundo
· 27 Out 2011 · 23:06 ·
A Lisboa Mulata saiu à rua há pouco tempo, para arrasar na sua primeira festa, e faz-nos bailar neste estio prolongado de Outubro, em que a tardes abrasadoras se sucedem noites amenas. Traz-nos aromas de África e ritmos do Brasil, além dos ambientes de outras paragens que fazem do duo formado por Pedro Gonçalves e Tó Trips um projecto com uma vocação cada vez mais universal. O “gangster” Pedro Gonçalves fala-nos do caldeirão cultural que se pode ouvir (e sentir pulsar) nesta cidade mestiça, por onde passam pessoas e influências de todos os continentes. E como os Dead Combo gostam de subverter a música e os músicos, oferecem-nos a oportunidade de escutar Camané no papel de diseur ou Marc Ribot (uma referência essencial para estes dois portugueses) tocar – e des(cons)truir – uma marcha popular
imaginária.
Gostaram de andar a sortear prémios na festa de apresentação do disco? Como correu essa festa? Pelo que me pude aperceber, foi um bocado complicado entregar o garrafão de vinho…

Foi fantástica! A festa foi organizada pela associação Largo Residências e pelos Dead Combo e correu muito melhor do que estávamos à espera. O objectivo foi agradecer, oferecendo uns copos e umas horas bem passadas, a todos os que nos ajudaram a que este disco existisse. Quanto às rifas, achámos que seria divertido. O garrafão já foi mais difícil porque já não é fácil encontrares vinho de “qualidade”....

Este álbum cruza ambientes cinemáticos associados a Dead Combo com músicas mais gingonas e dançáveis, como “Lisboa Mulata” ou “Cachupa Man”, que nos trazem ritmos e cheiros de África e Brasil. São estas coordenadas que dão, sobretudo, origem a esta Lisboa mestiça?

Também. Lisboa, sendo uma cidade multicultural e multirracial, tem uma série infinita de pessoas, lugares, cheiros e afins. Claro que o lado africano é algo de “novo” na nossa música, pelo menos tão declaradamente, mas o disco não é só isso. Tem muitas outras “Lisboas” lá dentro.


É curioso pensar que este álbum atravessa continentes, à descoberta, numa espécie de epopeia musical: de Lisboa para África, América do Sul e EUA. Será esta a maior herança que nos ficou do tempo das Descobertas? Sermos um país com uma longa e rica tradição cultural mas, ao mesmo tempo, com abertura suficiente para acolher elementos (humanos e culturais) que vêm de fora, o que só nos pode enriquecer, pela diversidade que traz?

Sim, sem dúvida. Portugal sempre foi um grande caldeirão de culturas, sempre fomos capazes de nos integrar, umas vezes à força outras não, com outras culturas. Aquilo que é pena é não sermos capazes de mostrar ao mundo aquilo que somos de forma assertiva e consistente. Temos uma cultura riquíssima e não sabemos nada dela nem deixamos os outros saberem dela. É pena.

Em “Esse Olhar Que Era Só Teu” voltam a mostrar a vossa afinidade com o fado, numa música belíssima. Já pensaram em ter por exemplo, um(a) fadista a acompanhar-vos em palco?

Não. Uma coisa que gostamos de fazer é subverter a música e os músicos. Convidámos o Camané para este disco e de alguma maneira é uma participação única, nunca ouvimos o Camané assim. Já pensámos em fazer um disco só com cantoras, mas depois ficou em águas de bacalhau...

Como é que a Marchinha de Santo António descambou? Serão ainda resquícios do Lisboa Mistura, em que partilharam o palco com PAUS?

É possível. Nunca tínhamos pensado segundo esse prisma. A ideia dessa música surgiu na sala de ensaios por acaso. Quando a enviámos ao Marc Ribot para gravar as guitarras explicámos-lhe o que eram as marchas populares e que imaginasse que estava a tocar o refrão de uma marcha imaginária já há dois dias e que só queria que aquilo acabasse, e ele levou a coisa à letra!

Ainda a propósito da colaboração com Marc Ribot: em que medida este gigante foi uma influência para vocês, enquanto músicos, dentro e fora de Dead Combo?

O Marc Ribot é uma das razões para os Dead Combo existirem. A sua música influenciou-nos bastante. Esta foi uma maneira de lhe retribuir tudo aquilo que fez por nós, mesmo que ele não o saiba.

Sei que não andam muito amigos da palavra “western”, mas o tema “Ouvi o Texto Muito ao Longe” faz-me pensar no Camané como um cowboy que desaparece ao crepúsculo, rumo à linha do horizonte. Peço desculpa, mas é mais forte do que eu… Fizeram alguma sugestão ao Sérgio Godinho para o resultado final do texto ter sido aquele?

Não. O Sérgio recebeu a música e apenas lhe pedimos para escrever um texto para o Camané dizer. Como o Sérgio tem acompanhado os Dead Combo desde o seu nascimento, acho que já sabia por que linhas se havia de coser. Para além disso o Sérgio Godinho é para nós o maior escritor de canções em Portugal!


Os Dead Combo têm uma sonoridade bastante cinematográfica, e vocês compuseram uma banda-sonora para o filme mudo “Homem da Câmara de Filmar”, de Dziga Vertov, para a Capital Europeia da Cultura deste ano, Tallinn, na Estónia. Este filme já tinha sido musicado por Cinematic Orchestra para inaugurar a Porto, Capital Europeia da Cultura de 2001. Conhecem essa banda-sonora, que curiosamente tem como objecto o mesmo filme e também foi realizada a propósito de uma capital europeia da cultura, comemorada há 10 anos atrás? Podem falar da abordagem que fizeram à obra de Dziga Vertov?

Só conhecemos a banda-sonora dos Cinematic Orchestra depois de fazermos a nossa versão. A maneira como fazemos bandas sonoras não é nenhum mistério, bem pelo contrário: apenas criamos música para servir a imagem, salientando ou não determinada sensação ou sentimento que achamos que o filme nos transborda.

Concordam com quem diz que a mulata (não a guitarra) é a melhor invenção portuguesa de sempre?

Acho que a mulata não é nenhuma invenção portuguesa, desde sempre nós os humanos nos misturámos. Os animais também sempre o fizeram, aliás cientificamente está provado que quanto maior a mistura maior a probabilidade de sobrevivência.
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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