ENTREVISTAS
WE TRUST
Confiar é uma virtude
· 26 Set 2011 · 19:26 ·
© Inês Nepomuceno
André Tentugal escreve-se de duas formas. A primeira sem acento agudo, a segunda enquanto WE TRUST, projecto musical que não podia ter tido melhor cartão de visita: "Time (Better Not Stop)" revelou-se como uma das melhores canções deste verão que agora passou, tendo marcado presença em inúmeros computadores e ouvidos, alguns mais famosos do que outros; mas WE TRUST não se faz de uma só canção, e para o provar o disco de estreia (These New Countries) está mesmo quase, quase a chegar-nos às mãos. Antes que tal aconteça, o realizador portuense - que já assinou belas coisas na videoteca do Bodyspace - respondeu às nossas perguntas sobre a sua música, sobre clichés críticos, e sobre como é que alguém que ganha a vida a esconder o rosto por detrás de uma câmera subitamente decide mostrá-lo em cima de um palco. E ainda bem que o fez.
Que te passou pela cabeça segundos antes de entrares em palco no Milhões de Festa? Como descreverias esse primeiro concerto?

Bem, sinceramente pensei que era um início que se estava a dar ali naquele palco. Desejei que fosse o primeiro de muitos outros concertos. Depois bateu um nervosismo; chegar ali a um palco principal, tocar a uma hora respeitável, e isto tudo com uma só música, fez-me pensar que provavelmente iria dar uma valente seca a quem ali estivesse, ainda para mais com as expectativas tão altas, como eu fui percebendo que estavam. Por um lado estar ali era um privilégio mas por outro lado um pouco ingrato. Sabia também que o público indie é fácil de desiludir, e que à primeira falha nos iriam apontar o dedo. E de certa forma estava certo. Sendo assim, acho que o primeiro concerto foi um test-drive... percebemos que havia muita coisa a mudar e melhorar e assim o fizemos. O segundo (em Paredes de Coura) foi sem qualquer dúvida bem melhor.

Qual é a diferença, em matéria de criatividade, entre ser músico e ser realizador? Um campo é mais "difícil" em ideias do que o outro, ou acabam por se entreajudar?

Para mim o fazer música sempre foi o descanso, o intervalo. As melodias surgiam-me nos momentos mais inesperados e depois quando arranjava um tempo ia gravando-as em casa. O trabalho de realização sempre foi levado com um pouco mais de responsabilidade, de construção de algo concreto. Mas agora que olho para trás, o "lugar" da minha música está muito próximo do lugar dos meus vídeos. Isto é, percebo-me e encontro-me nos resultados das duas vertentes artísticas. Quando crio com imagem, há sempre uma banda sonora inerente ao que filmo (mesmo quando fotografo), acho que há uma musicalidade na minha imagem. Da mesma forma que quando faço música há cenários, lugares, personagens que visualizo. É curioso que tenho imagens recorrentes para cada música que vai compor este disco. Acho que ele só existe graças a isso, a esses lugares. É muito daí que surge o título do disco – These New Countries.

Que considerarias como a epítome dessa mesma criatividade? Realizar um filme e compor a banda sonora do mesmo?

Sabes que não tive até agora esse instinto de cruzar as artes. Posso-te dizer que ando a pré-produzir uma longa metragem e não tenho grande intenção nem de compor uma banda sonora para o filme, nem de utilizar nenhuma música de We Trust. Tenho sim vontade de pegar em alguns projectos que respeito e que fazem sentido como banda sonora do filme. Da mesma forma que ainda não tive vontade de filmar uma música minha (daí ter escolhido outra pessoa para realizar o video da "Time"). Pode parecer estranho isto, até porque digo atrás que o lugar da minha música é próximo do lugar da imagem. A verdade é que ainda não senti vontade de os ligar.

© Inês Nepomuceno

Para alguém que é capaz de um pouco de tudo, que tal é trabalhar em palco com outros músicos? Era algo que já estava pensado à partida, quando começaste a compor?

Acho que o truque é mesmo saber pouco... nunca aprendi música, então o pouco que vou sabendo foi por mim. Acho que facilitou em não complicar muito as músicas. Um teclado midi, um baixo e uma guitarra fizeram as demos do disco. Depois claro que quando soube que ia gravar assim à séria reuni-me daquelas que considerei as pessoas ideais para o projecto, não por serem os excelentes músicos que são, mas também pela amizade que temos.

Esta banda é para manter, ou prevês que possa haver alguma alteração? Como escolheste cada um dos músicos que te acompanham?

Esta banda é para manter, claro, [mas] é provável que haja concertos em que outros músicos se juntem à banda ou substituam alguém que não possa ir. Como te disse atrás, as escolhas foram quase óbvias, eu sabia que ia precisar de um baterista, baixista, alguém para keyboards, um guitarrista e alguém para synths, então foi só pensar em amigos meus que tocassem esses instrumentos e convidá-los. Tenho é o privilégio de ter amigos que são músicos incriveis.

Assumes-te como noctívago, que me parece ser alguém a quem lhe apraz mais os momentos sozinho… de onde vem, então, esta música melódica e apelativa à união, à sociabilidade?

É uma pergunta e um reparo interessantes esses que fazes. A verdade é que o meu dia geralmente está dividido em duas partes: uma de excessiva sociabilidade (a tarde) onde tenho reuniões, trabalho com equipas e ando de um lado para o outro nesse tal registo sociável que falas; e uma parte (noite) de isolamento e solidão que me dão descanso e espaço para poder trabalhar à vontade e criar sem interrupções... sem telefone a tocar, sem conversas online a destabilizar, etc.. A solidão e o vazio da noite é algo que me traz conforto já há muitos anos visto que eu não tenho irmãos e sempre me habituei a passar bastante tempo sozinho. E gosto.

Disseste numa entrevista que te irritavam as comparações. Se eu disser que a tua música soa imenso a Air, ficas com vontade de me partir a cara?

Não tenho grandes instintos violentos. Tenho mais instintos caridosos. Acho que é uma característica muito portuguesa, essa de comparar o que se faz cá com o que se faz lá fora. Acho que traz um certo conforto achar que, se está parecido com algo que é considerado bom lá fora, pode ser considerado bom cá dentro. Depois acho que revela pouca cultura, já que os próprios Air soam a Gainsbourg ou ao Alain Goraguer, mas como se calhar não conhecem não têm ponto de comparação. Já me disseram que We Trust soa a cenas tão diferentes... é de rir. Acho que idealmente quem ouve música devia desligar-se de comparações e tentar senti-la mais, sem preconceitos.

Falaste também na dedicação e no amor depositados na criação do disco. Depois dos elogios e da multidão que tiveste no concerto em Coura, sentes que esse amor tem sido retribuído na mesma dose?

Sabes que eu, sem querer entrar em ondas cósmicas e misticas, acho que as músicas do disco, pela dedicação que lhes foi dada e pela forma como foram feitas e gravadas, ganharam uma dimensão que chegou às pessoas. Acho que somos mais sensíveis do que imaginamos e que há coisas que embora não sejam inteligíveis nos tocam e nos afectam. A verdade é que chegar aquele palco e ver aquela multidão do início ao fim do concerto, de sorriso na cara, foi uma das melhores recompensas de todo o processo, até agora. Depois tem havido muito amor de variadas formas, claro. Houve por exemplo um rapaz americano que há uns meses me enviou um mail a dizer que a "Time" mudou a vida dele para melhor. Que andava numa fase péssima, não saía de casa, que andava profundamente deprimido e que, quando ouviu a "Time", teve uma epifania e as coisas mudaram. Claro que é muito bom saber destas coisas.

© Inês Nepomuceno

Li um comentário curioso na página de We Trust no Facebook em que alguém dizia ter ficado surpreendido por serem portugueses. Sem querer entrar em patriotismos, como reages em relação a isto? Sentes que é menosprezar o que se faz por cá? Como encaras o boom a que se tem assistido no que toca à criatividade musical em Portugal?

Sinto que há muito boa música que se faz cá e é subvalorizada. Isso é um facto. Acho que há preconceitos. A nossa geração, digamos entre os vintes e os trintas, habitou-se a pensar que não se fazia música de jeito por cá e que a cultura anglo-saxónica é que era fixe. Acho que há música boa em todos os lados e é importante que se apoie. Acho que se, à imagem de países como a França, Suécia, Inglaterra, etc., o governo investisse um pouco na exportação da cultura portuguesa, iria muita gente ficar surpreendida com o nível de talento que temos por cá e que tem uma linguagem universal.

Que expectativas guardas para o disco de estreia? Crês que irá ser tão bem recebido como tem sido a banda até agora? Podemos comprá-lo à confiança?

Essa pergunta é subjectiva e a resposta suspeita. Eu posso-te dizer que adoro o disco e superou as minhas expectativas. Mas como fui eu que o fiz, a prioridade era eu gostar e é normal que confie nele. Acho que há muita gente que vai ficar surpreendida pela positiva e se vai identificar com as canções do disco e ouvi-lo bastante. Acho também que há pessoas que depois de ouvirem tantas vezes a "Time" criaram uma ideia do disco e vão ficar desiludidas quando descobrirem que não é o que imaginaram. Mas é sempre assim... nunca vamos poder agradar a todos e eu lido bem com isso. Acho que é um disco que merece ser ouvido, seja para se amar seja para se odiar.

Sentes que de alguma forma, por tudo o que já se escreveu sobre ela, nunca mais vais voltar a fazer uma canção como “Time”? Ou acha-la vítima de algum hype?

Acho que não é uma vítima de hype, até porque acho que se houve tanta gente a partilhar e se a música chegou a tanta gente é porque as tocou de alguma forma. Por isso não a considero minimamente uma vítima. Mas uma coisa garanto, outra "Time" não irá haver. Teve o seu contexto, o seu momento e assim vai ficar. Outras canções virão, de outros tempos.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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