ENTREVISTAS
Horselaughter
Fantasmas do passado
· 25 Mai 2011 · 10:19 ·
Horselaughter é o espaço que Filipe Ferreira encontrou paulatinamente para materializar as canções que começou a construir há quatro anos atrás de forma solitária e com altos níveis de preocupação nos detalhes e no conteúdo, não fosse este um projecto deliberadamente pessoal e revelador. I Was a Ghost, Then, gravado na aldeia dos seus avós, foi publicado a 4 de Abril e releva um conjunto de canções fortemente autorais e intimistas, com um olho no passado e outro no futuro, inspiradas pela melhor colheita do slowcore de outras andanças, nomeadamente pelos eternos Sparklehorse do recentemente falecido Mark Linkous que Filipe Ferreira admite como a sua maior referência de muitos anos. Em entrevista ao Bodyspace, o músico nortenho revela estas e outras marcas do seu trabalho e abre as portas do seu reino para quem nele quiser entrar.
Corrige-me se estou enganado mas este disco, Horselaughter, demorou muitos anos a sair do armário. O que te prendeu tanto tempo?

Que demorou muitos anos, é um facto indesmentível pois estive quatro anos a prepará-lo. Mas não atribuo grande importância a isso porque nunca tive o objectivo de o lançar num determinado prazo. A grande vantagem de trabalhar sozinho, gravar em casa e não ter editora é que as coisas ficam prontas quando ficarem prontas. Isso e o meu obsessivo gosto pelo detalhe levaram a que demorasse bastante tempo até sentir que estava concluído.

Como foi escrever este disco, chegar a ele, chegar ao que querias? Foi um processo doloroso?

Foi sobretudo um processo longo e bastante solitário pois fui sempre trabalhando em sessões de isolamento de algumas semanas na aldeia dos meus avós no alto Douro. Mas nunca foi doloroso, bem pelo contrário. Era algo que queria fazer há bastante tempo e tive finalmente oportunidade de concretizar. Foi um processo intenso, lento, experimental em vários sentidos, exigente no que diz respeito à determinação que foi necessária para o levar até ao fim e para mim foi importante. Mas não foi doloroso, se é que isto faz sentido.

Há algo de biográfico neste disco?

Nada de perceptível. As histórias são ficções e nada daquilo é real. Os únicos elementos eventualmente reais são os cenários onde as coisas vão acontecendo, alguns detalhes contextuais que estavam presentes no espaço físico em que o disco foi gravado. Estive a trabalhar numa casa grande e antiga onde não mora ninguém, com retratos antiquados pendurados pelas paredes, salas decoradas com móveis de época e muitos quartos fechados que pareciam o cenário perfeito para um filme. Foi impossível não usar esses elementos nas canções...


Como é que chegaste ao título do disco e porque é que deixaste de ser um fantasma?

O disco é conceptual no sentido de reunir um conjunto de instantâneos de um tempo em que só poderia ter estado presente se tivesse sido um fantasma. Além disso tem o sentido algo onírico que procurei explorar em diversos momentos e deixa antever um pouco a impossibilidade concreta patente em algumas histórias. E, fundamentalmente, achei que apresentava bem o disco por isso pareceu-me certo.

Arriscarias a dizer que Mark Linkous e os Sparklehorse são as maiores influencias deste projecto. Existem mais?

Admito que sim, o trabalho de Mark Linkous é desde há largos anos a minha maior referência. Se calhar não tanto em termos de sonoridade, mas em termos de construção sonora e de processo de experimentação. Mas há outras e algumas são até bem explícitas, como seja Tom Waits (há uma versão dele no disco) ou Tindersticks (o tema "A night out" está totalmente relacionado com o tema deles "A night in"). Depois há um conjunto de autores citados por várias canções, de Nick Drake a Mark Kozelek, não havendo nunca grande preocupação em esconder essas influências. Este disco não é actual, não pretende de forma alguma estar ligado ao que se faz ou deixa de fazer hoje em dia e acaba por ser assim algo mais próximo da compilação de um conjunto de abordagens que me foram interessando ao longo dos anos.

Tanto quanto sei não apresentaste ainda este disco muitas vezes ao vivo. Faz parte dos teus planos?

Sim, ando precisamente a trabalhar nisso. O disco é denso e cheio de camadas sonoras e tenho tentado encontrar uma forma de poder representar isso em palco de uma forma muito simplificada pois pretendo fazer as apresentações apenas com mais um músico, que no caso será Miguel Gomes (aka Complicado). Apesar desta simplificação acredito que poderá funcionar ao vivo, embora seja minha vontade tocar sobretudo em espaços pequenos e ambientes mais inimistas.


Como é tocar bateria na banda do irmão?

Tem sido bom tocar com o Cavalheiro e ver que o projecto começa a atingir os seus objectivos, mas a minha participação é ainda assim limitada ao papel de instrumentista (por vontade mútua). Como bem sabes, os nossos projectos são muito diferentes e vejo a minha colaboração com o Tiago como algo que apenas é possível se não exigir um envolvimento demasiado profundo da minha parte. Dito isto, tem sido óptimo tocar com ele por várias razões: porque gosto bastante do que faz, porque isso me permite ir ganhando experiência a tocar ao vivo e porque é uma forma de nos mantermos próximos e a colaborar em alguma coisa, contrariando a tendência natural para algum afastamento desde que ele foi morar para outra cidade.

Sentes que a música é para ti um escape da vida real? Tanto quanto sei trabalhas numa área que nada tem a ver com a música ou com arte…

É um facto, são realmente áreas que não se tocam. Tenho os meus dias sempre muito ocupados, as semanas passam a correr e é bom ter algo como a música para conseguir equilibrar um pouco as coisas e manter-me animado mesmo quando a pressão dos dias se faz sentir de forma tão intensa. Isso tem também reflexos na forma como trabalhei no disco: a única forma de o levar até ao fim teve que passar por colocar de parte qualquer prazo e fazer tudo com calma. Por outro lado, já dei por mim a pensar que a procura de um imaginário tão distante da realidade talvez seja um contraponto instintivo do meu quotidiano e, nesse sentido, seja algo escapista.

Quais são os teus planos para Horselaughter num futuro próximo? Mais discos, mais concertos, mais canções?

Tudo! Mais discos porque essa é a essência do projecto e o que me move realmente. Mais canções porque há imensas ideias que não encaixaram no primeiro disco e ainda quero gravar. Mais concertos porque no fundo, no fundo há algo para lá da minha timidez que passa por procurar que isto resulte para mais pessoas, que possa acontecer algo em concerto que faça enorme sentido e as canções resultem finalmente da forma como as projectei.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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