ENTREVISTAS
Glasser
Respirar debaixo de água
· 18 Mai 2011 · 20:31 ·
© Timothy Murray
Cameron Mesirow é a face, o cérebro, o talento de Glasser, projecto unipessoal de toada indie-pop (rótulo muito redutor, como todos os rótulos) que se apresentará ao vivo e a cores, no próximo fim-de-semana, em Lisboa (no Musicbox, sexta-feira) e Porto (no Clubbing da Casa da Música, sábado). Música de contrastes, tão frágil e sensível quanto enérgica e vigorosa, deambulando por entre as profundezas sensoriais do onirismo poético. Ora, sonhos materializados na verbalização de uma entrevista concedida ao Bodyspace, em vésperas de se estrear em palcos portugueses. Decepção pós-platónica? Muito pelo contrário. Inteligente e despretensiosa, Mesirow revela parte do mistério que a envolve sem perder a graça. Mesmo quando a provocam com rótulos e comparações: “Não me importo minimamente com isso”.
A música de Glasser soa a algo frágil e sensível, mas simultaneamente enérgico e vigoroso. É intencional, este jogo de contrastes?

Opto por ter uma forte mistura de sons na minha música, provavelmente porque é assim que eu me sinto como pessoa. Por vezes sou áspera e posso relacionar-me com um som áspero, outras vezes o meu humor tende para um som muito subtil, que pode ser descrito como delicado. A maior parte das pessoas e situações contêm essas componentes e, até ao momento, este projecto tem passado por uma amplificação desse equilíbrio.

No processo de composição, o que é que surge primeiro, a vocalização ou o ritmo e a instrumentação?

Não tenho o mesmo ponto de partida em todas as composições. Tanto começo com um som como parto de uma ideia ou de uma vocalização. Não tenho uma preferência fixa, gosto de mudar e variar.

© Timothy Murray

Gosta de escrever histórias?

Eu não escrevo histórias, usualmente apenas interpreto coisas a partir de um ponto de vista passivo. As coisas acontecem-me na realidade ou num sonho e essa é a história mais interessante para mim.

Como é que imagina os seus ouvintes? Agarrados aos laptops, com i-pods ou rodando discos em aparelhagens de alta-fidelidade?

Nunca tinha pensado nisso! Suponho que gosto de pensar neles com auscultadores, fruindo de um momento de solidão, porque essa é a maneira que eu mais aprecio de ouvir música.

Importa a forma como consumimos música? A qualidade de som do MP3, CD, vinil, é tudo a mesma coisa?

A maior parte é tudo a mesma coisa, para mim, que não sou propriamente uma audiófila. Apenas gosto de música.

Quando compôs a faixa "Apply", padecia de uma recorrente "paralisia do sono", segundo confessou numa recente entrevista. Continua a viver nesse mundo imaginário, de fluidez poética, fingindo não atravessar florestas no dorso de um golfinho durante o dia de trabalho?

Já não tenho o mesmo tipo de dia de trabalho que tinha antes, por isso sou livre de montar os golfinhos que quiser, para atravessar os mais diversos tipos de paisagens! Mas ainda tenho sonhos grandes e impressivos, embora já não esteja sempre a escrever sobre eles.

O onirismo é um ingrediente essencial da música de Glasser?

Foi no passado. Compus a totalidade do meu álbum basicamente em torno da natureza fluida dos sonhos e da memória, da consciência humana e da linguagem, de que dependemos para definir as nossas vidas. Hoje em dia essa inspiração ainda existe para mim, só que tenho estado a colocar o enfoque sobre a relação humana com a tecnologia.

«I’m never happier than when I can write about drained swimming pools and abandoned hotels», confessou J.G. Ballard à "The Paris Review". Alguma vez se sente mais feliz do que quando canta sobre sentimentos esvaziados e memórias abandonadas?

Suponho que isso é verdade, muito embora eu tente não especificar tanto os meus próprios sentimentos quanto perspectivar as emoções como parte integrante de um oceano em movimento que está sempre a transformar-se.

Gosta de ser associada aos estilos de Bat for Lashes, Fever ray, Zola Jesus, Florence and the Machine?

Não me importo minimamente com isso.

Conte-nos sobre o muito interessante projecto Auerglass, que partilha com Taua Auerbach...

Nós criámos um órgão de bomba bifurcada com dois teclados e dois sistemas separados de vento que só pode ser tocado quando estamos as duas presentes. Fizemos a estreia nos Deitch Projects no Outono de 2009 e tivemos desde então mais de 30 experiências de actuação com o órgão. É um projecto sobre a interdependência. Temos de confiar uma na outra para o fazer funcionar.

Contava com tamanha aclamação, do público e da crítica, relativamente ao álbum de estreia?

Não sabia o que esperar, mas sinto que tive muita sorte por ter chegado até tantas pessoas com um disco tão pessoal.

Preferiria manter-se menos conhecida? A fama poderá afectar, de algum modo, o processo criativo?

Não sou famosa, apenas há mais fotografias de mim do que anteriormente.

© Timothy Murray

O que podemos esperar dos próximos concertos em Lisboa e Porto? Algum material novo? Reformulações ao vivo?

Reformulações ao vivo sim, certamente. Os alinhamentos vão ser despojados e mais experimentais em comparação com o que fiz no passado.

É a primeira vez que viaja até Portugal? Como é que imagina o país?

Sim, é a minha primeira vez em Portugal! Estou muito entusiasmada! Tudo o que espero é aprender um pouco de português e ver o mar...

Prefere tocar em salas pequenas e íntimas ou em grandes cenários?

Gosto de tocar em ambos, pequenos e grandes espaços. Gosto dos palcos grandes por causa do volume do som, mas também gosto dos palcos pequenos para estar mais próxima da audiência.

Que discos é que tem ouvido nos últimos tempos? Onde é que podemos encontrar a música mais interessante da actualidade?

Não sei muito sobre o que está a surgir neste momento. Ouço sobretudo coisas que os meus amigos põem a tocar. Tenho deambulado por entre Art of Noise, Wim Mertens e Ryuichi Sakamoto. Gosto muito de ouvir música instrumental, por estes dias. Mas também nunca deixo de ouvir música pop.

Como é que vai gerir as expectativas em torno do segundo longa-duração? Surgirá mais cedo ou mais tarde?

Não faço ideia! Não devem haver quaisquer expectativas. É melhor dessa maneira.
Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
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