ENTREVISTAS
El Guincho
Pirataria não é crime
· 02 Set 2010 · 20:40 ·
Pablo Díaz-Reixa é o último pirata digno desse nome: ser livre e independente, navegando por esses mares afora sem se preocupar com quem o persegue incansavelmente para o etiquetar. A pilhagem que faz à tropicália, à velha pop cantada en español, seria crime ao nível somali se não soasse tão fresco e se o seu álbum não cumprisse aquilo que promete - montes de alegria. Depois de ter encantado Barcelos com uma versão longa de "Antillas", El Guincho falou ao Bodyspace de como a produção o fascina, de ser interessante perder ouvintes, e de como Pop Negro, a sair em breve, é pop para polvos (mas não resvalou para o polvo Paul. Não muito, pelo menos).
O teu último EP, Piratas De Sudamerica, consiste em reinterpretações de temas clássicas, canções perdidas desse continente. Sei que o teu pai ouvia muitos discos de música cubana, música do Panamá... foi para ti natural pegar nessas canções e moldá-las para o teu estilo, para aquilo que fazes?

Sim, é-me natural, mesmo que sejam canções que, para as minhas limitações enquanto músico, são muito difíceis de reinterpretar, canções com arranjos muito diversos. O que me era natural era a harmonia, tal como a estrutura das mesmas. Ouvi-as muitas vezes quando era pequeno, e foi-me fácil perceber a textura das canções e adaptá-las ao meu estilo. Difíceis foram mesmo os arranjos.

Não te sentes um "pirata", por assim dizer?

(Risos) Não... mas a graça desse nome é que estas iam ser a princípio gravações piratas que só iriam estar disponíveis em cassete ou na Internet, não as íamos promover. Mas gostaram tanto da ideia que quiseram pô-lo em vinil.

Vão ser cinco EPs, certo?

Não, uns dez, suponho. Mas muito apartados entre si, talvez um par por ano.

Também sei que gostas muito de música pop, inclusive da pop mais mainstream. Achas que, tal como dizem os Vampire Weekend, já não existe diferença entre música pop e música indie?

Eu acho é que essa "diferença" foi virada do avesso. Antes, na pop mainstream, havia muitos clichés, e as produções mais arrojadas estavam na música independente, no hardcore, no hip-hop, nos meios mais underground, e agora assistimos ao contrário. Agora é a música pop a mais arrojada, e o indie mais anacrónico, muito fechado, há que se entrar por uma janela muito pequena para que alguém goste... ao passo que na rádio ouvem-se agora produções mais loucas, mais digitais.


Defines-te como space-age exotica. É um acenar às produções de 60/70, de Jean-Jacques Perrey e semelhantes? Achas que foi a melhor década para a música, ou que não existem melhores décadas para a música?

Foi assim que defini o disco anterior, sim. Não acho que hajam décadas melhores. O que sucede é que a nível de produção, quando surgiu a ideia do estéreo em detrimento do mono, uma série de produtores, como Esquivel, ou Martin Denny, usaram-no como zona de testes: "vamos ver o que acontece se puser um som aqui, um baixo ao centro em vez de ser à esquerda, um som de animais na canção"...

Atrai-te mais esse lado experimental?

Gosto dessa ideia de usar o estéreo como uma zona de testes, não como uma experiência de laboratório. Foi o que tentei fazer a nível de produção quando fiz o Alegranza. Como não tínhamos dinheiro, tentar a maneira que nos era mais divertida, mais arrojada de incorporar produções interessantes dentro de uma estrutura de canção de baile, etc.

O Alegranza é o teu segundo álbum, já tinhas lançado antes o Folías. É um álbum que me soa um pouco como um prenúncio do Alegranza, mas mais "infantil"...

O Folías - que é um álbum que não muita gente ouviu - tive a ideia de o fazer após uma noite meio selvagem, tinha chegado às seis da manhã a casa, quando me dizem: "que aconteceria se fizesse um disco depois de 24 horas sem comer, sem dormir?". E tive uma ideia a partir de partes de guitarra que tinha acumuladas. É por isso que tem esse som "infantil", gravava uma faixa, e ficava assim. Depois fazia uns overdubs... não tinha nada a perder.

Encontraste o teu caminho musical com o Alegranza? É com esse estilo que pensas continuar?

Não, de forma alguma. É o bom de ser um projecto a solo... muitas bandas têm de agrupar os gostos de todos os membros num resultado final - o que às vezes também é positivo. Mas El Guincho sou só eu. Posso reinventar, fazer tudo o que quiser... sou o ditador de mim mesmo, imponho-me limites que são nenhuns. Posso ir até onde quiser. E quem gosta da minha música também aprecia isso. Um projecto solo pode de um momento para o outro sofrer uma mudança radical. Aquilo que me interessa é que em cada disco eu perca fãs. É fundamental perder fãs, sempre. A vitalidade de um projecto não se encontra nos fãs que mantém, mas nos que perde. Porque é um indicador de que optou por um caminho.

Mas não tens medo que um dia destes ninguém te ouça?

Não tenho medo, porque eu (originalmente) só ia tocar para cinco pessoas. Eu faço música por mim. Se tens confiança em ti, se estás contente com o que fazes, não vais perder todos os teus fãs, porque as pessoas vão apreciar a honestidade daquilo que fizeres.

Li na Internet uma descrição que fizeram do Alegranza: "Person Pitch para latinos". É-te difícil fugir ao rótulo Animal Collective? Concordas com esta descrição?

O que sucede é que um grupo como os Animal Collective, que existem há tanto tempo e são já um grupo, digamos, "clássico" para um determinado público, têm essa força, elaboraram um som próprio... todos os grupos copiam outros grupos. Pensa nos Led Zeppelin, um grupo "clássico", que copiava riffs de Blues. Quando um grupo transcende essa influência, converte-se num grupo clássico.

Mas gostavas que criticassem a tua música pelo que ela é, e não por se soa a isto ou aquilo...

Tudo remete à questão dos grupos clássicos... as pessoas mais jovens filtram as influências antigas através dos novos grupos. Quando há algo novo, procuram sempre um sítio onde se agarrar, "soa a isto", "será que devo ouvir isto ou não"... tal como falávamos antes do mainstream e do indie. E este último tende a juntar tudo em caixotes.


Mas, nesses termos, achas que já não há música original?

Sim, existe música original. Há gente a fazer música original todos os dias, putos nas suas casas com computadores, à procura de novos sons, elaborando novos softwares... há muitas possibilidades na música, há muitas mais melodias para além daquelas usadas nas comparações. O que importa é que estejas tranquilo e com a consciência de que fazes música com honestidade. As pessoas que digam o que quiserem.

Descreve-me o teu processo criativo. Pegas num loop e constróis a partir daí?

No Alegranza tive a ideia de pôr a tocar músicas de ilha, reuni-las todas no sampler, e a partir daí gerar loops. No disco em que ando a trabalhar faço de forma diferente, uso caixas de ritmos, sintetizador, sento-me a elaborar uma canção, a estrutura da mesma, a partir de um beat. É mais ou menos como no rap, faço um beat, gosto do beat, e monto o resto a partir daí.

Sei que tens um LP novo que vai sair em Setembro. Que podemos esperar mais de El Guincho?

Uma produção de alta fidelidade, com um som muito bom; foi misturado pelo Jon Gass, que é um produtor que gosta muito de um som límpido, ritmos fortes e que se destaquem. Ao passo que no Alegranza estava tudo um pouco misturado, aqui já se nota que os sons estão separados, o ritmo e a voz estão muito fortes, é tudo com sintetizador - não existem samples -, elaborei eu os próprios sons. São canções com uma estrutura mais cíclica, ainda pop.

Vai chamar-se Pop Negro. Não é um paradoxo?

Porquê?

Pelo estilo de música alegre que fazes, em que toda a gente dança...

Ah, mas "negro" não é no sentido de "escuro"...

Não é um álbum de goth-rock...

(Risos) Não, não... "pop" é a palavra catalã para "polvo". O título surgiu quando estávamos num restaurante, eu não tinha dormido nessa noite. Na Catalunha temos um prato que se chama "arroz negro", que é arroz com tinta de lula. E então no menu estava "pop" e "arroz negro" por baixo. E eu li como "pop negro", e achei piada à ideia: o que seria "pop negro"?

Música pop para polvos...

(Risos) Sim, sim...

Tu, El Guincho, juntamente com Delorean e anteriormente os Triangulo de Amor Bizarro, foram uma espécie de "revelação" da música espanhola. Há algum outro segredo que queiras contar? Porque a maior parte das pessoas quando pensa em Espanha pensa no flamenco e pouco mais...

Nós temos uma tradição pop muito boa. Nos anos 80 haviam os Radio Futura, Golpes Bajos, grupos como Mecano, gente que fez produções muito interessantes a nível da pop, ao ponto de produtores geniais como Nile Rodgers virem a Espanha aprender com esses grupos. E há agora El Guincho, Delorean, Triangulo, Extraperlo, grupos que estão a fazer coisas bastante boas.

Não é uma boa comparação, mas achas que algum dia alguma dessas bandas mais indie alcançará o nível de popularidade de, por exemplo, uns Heroes Del Silencio?

Não sei se tanto, porque hoje (para bem) já não há bandas populares a esse nível. Só núcleos determinados de público, e o público está muito mais "bastardo", vem de todo o lado, há mais cruzamentos.

A Internet veio quebrar todas essas barreiras?

Permitiu uma maior sociabilidade, mas também tornou mais difícil manter alguma coisa... não sei. Tem as suas coisas boas, e as suas coisas perigosas. Quer-se fazer tudo muito rápido. No próprio dia em que sai um disco já há quinze pessoas a analisá-lo. Não há um cuidado em ouvi-lo durante algum tempo, em ver no que dá. É interessante porque dentro de dez anos haverá músicos espectaculares, que cruzarão uma paleta de timbres impressionantes. Por agora não, há só isto. Mas a Internet veio ajudar para bem.

Que tal é ser campeão do mundo?

(Risos) É muito bom. Já mereciam...
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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